61 9 81837389 oi.crioula@gmail.com
De que mulheres estamos falando? | Entrevista com Maria Noelci | Matriarcas #8M

De que mulheres estamos falando? | Entrevista com Maria Noelci | Matriarcas #8M

Entrevista realizada por BRUNA DE OLIVEIRA

Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, queremos evidenciar histórias de mulheres negras que, ao longo da sua trajetória, lutam pela mitigação das iniquidades adensadas sob o cotidiano da população negra no país. Conversamos com Maria Noelci Homero. Ativista pelo direito humano à alimentação adequada e o enfrentamento ao racismo em rede feminista. 

Noho, como é conhecida, é bibliotecária, funcionária pública aposentada com militância marcada pelo movimento de mulheres negras desde a década de 80.

Fale um pouco de você, quantos anos tem, sua formação, onde trabalhou/trabalha?

Meu nome é Maria Noelci Teixeira Homero, eu tenho 73 anos, nasci em 10 de outubro de 1947 em Porto Alegre. Eu fiz cursos de formação de Magistério no ensino médio e graduação em Biblioteconomia e Documentação. Sou aposentada enquanto funcionária pública da administração do governo do estado [do Rio Grande do Sul]. Exerci cargo de técnico científico no governo do estado. Me aposentei em 1998, trabalhei na biblioteca do Palácio Piratini e também em outra fundação filiada ao Estado também enquanto bibliotecária. Em ambos os cargos sou aposentada. 

Qual a relação entre gênero, raça e Segurança Alimentar e Nutricional?

A relação entre gênero, raça e SAN é muito forte, pelo menos para nós enquanto mulheres negras, porque quem trabalha e quem vive e quem tem esse legado de segurança alimentar de ancestralidade, isso é muito presente com as mulheres negras. É importante nós trabalharmos esta relação com o alimento, com segurança alimentar porque esta relação é muito presente dos nossos fazeres, dos nossos saberes a gente traz esse legado enquanto fazer, produzir esta relação com a terra, esta relação com o plantar isso é um legado que vem da nossa ancestralidade. Trabalhar com gênero e raça é extremamente importantíssimo porque são as mulheres, na grande maioria são as mulheres que têm esta preocupação da alimentação saudável, são as mulheres que produzem mesmo sendo as mulheres que estão mais em insegurança alimentar mas são elas que produzem o alimento. É importante para mim e a instituição que faço parte trazer esta dimensão de gênero e de raça. Todo o nosso trabalho é pautado na dimensão de gênero e de raça, nós não trabalhamos com essa generalidade “as mulheres”, não, nós trabalhamos com as indicações definidas, as mulheres negras. Sempre perguntamos: “de que mulheres estamos falando?” Entendendo a importância que a gente traga as especificidades. 

Quais os desafios de atuar com Políticas Públicas no âmbito da Alimentação para a população negra?

Os desafios para a população negra são imensos na atual situação em que vive nosso país onde as políticas públicas estão sendo devastadas, principalmente no que se refere soberania e segurança alimentar onde o primeiro ato deste governo foi destituir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o CONSEA Nacional e o que que significa isso: uma população com fome, ela é extremamente vulnerável e esta população que mais sofre, a gente sabe que é a população negra. Em relação a isso nós temos muitos desafios que um deles é este de sobreviver e é preciso então que a gente faça alianças com outros segmentos que estão vinculados a SAN, por exemplo, é preciso trabalhar soberania e segurança alimentar com a saúde, isso é um desafio. Fazer aliança com a educação também, porque antes nós tínhamos como entrar em contato com a população mais carente. 

Atualmente nesse momento de pandemia não temos e online é extremamente difícil, logo, perdemos essa possibilidade de estar junto com as pessoas para poder mobilizar. Então a gente precisa estar em algum observatório de direitos e de justiça que falem e que discutam as dimensões de raça dos movimentos sociais, mulheres negras principalmente, para que a gente possa sempre ter em mente que nós precisamos estar nos mantendo seguras e ter essa dimensão de sempre conversar com as demais mulheres não só negras para que possamos construir estas alianças e trazer a tona as formas, mostrando as diversas formas que tem de desigualdades para que a gente consiga juntar forças com outros segmentos para poder seguir a luta. Nesse momento, nesse quadro político que estamos é impossível se trabalhar de forma isolada, precisamos estar aliadas a outros segmentos pra fazer esta discussão sobre desigualdades, racismo e que tenham pessoas também sensíveis às nossas lutas, então é importantíssimo trabalharmos com justiça, com educação e com saúde pra fazer estas alianças em torno da importância da soberania e segurança alimentar. É importante fazermos diálogos e convergências nas nossas lutas. É prioritário que trabalhemos com saúde, educação, SAN e assistência social. 

Conte-nos sobre a Rede de mulheres negras para Segurança Alimentar e Nutricional – RedeSSAN. Qual o objetivo da organização? Em que regiões ela está presente?

Bem, enquanto RedeSSAN, a Rede de mulheres negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional surge da necessidade de constituição de um espaço para as mulheres negras discutirem ações voltadas para soberania e segurança alimentar e nutricional da população negra em geral e em especial para as mulheres negras. Resgatando e preservando os padrões alimentares e culturais da tradição afro-brasileira a RedeSSAN foi fundada em 21 de março de 2005 e desde então vem atuando para o aprofundamento da reflexão e debate, vem formulando propostas, trocas de experiências e articulação em ações que resultem em políticas públicas. A Rede tem uma atuação bem presente de ações de advocacy em vários locais do país, tendo em vista que é composta por mulheres negras que representam várias regiões brasileiras. A Rede realiza ações de advocacy fortalecendo assim seu crescimento em nível local, estadual, nacional e até mesmo internacional, atuamos no enfrentamento ao racismo, ao sexismo, todas as formas de discriminações realizando estudos, pesquisas, assessorias que contribuem para a modificação das iniquidades de gênero e raça. Fazemos análises, avaliamos e monitoramos políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, principalmente anterior a este governo, tínhamos uma atuação muito forte nas legislações e/ou políticas públicas compensatórias para as mulheres negras.      

A RedeSSAN se propõe a articulação com organizações da sociedade civil para influenciar, interferir na proposição de políticas públicas que garantam o direito humano à alimentação adequada e a soberania e segurança alimentar e nutricional da população negra em geral e em particular as mulheres negras, bem como a realização de encontros para o aprofundamento de reflexões, debates e formulações de propostas, trocas de experiências e a articulação de ações eficazes em garantir o direito à alimentação adequada para população negra fortalecendo assim seu crescimento em nível local, nacional e internacional. A Rede visa a intervenção em espaços de poder e decisão, como também na análise, avaliação e monitoramento dos efeitos das políticas públicas de SAN para a população negra e que as intervenções garantam vinculação à terra e ao território e nessa compreensão busca-se visibilizar as experiências das diversas regiões brasileiras e experiências internacionais  e, principalmente, atuando no enfrentamento ao racismo institucional que impede a garantia de direitos da população negra.

As estratégias da RedeSSAN, a gente vem observando que para viabilizar ações da RedeSSAN é necessário que tenhamos muito presente e muito ativo algumas estratégias. Uma delas é a importância de incentivar intercâmbios e a interajuda entre as entidades da sociedade civil, isso é, a gente vem atuando contundentemente a importância de que a gente ter essas relações com organizações da sociedade civil comprometidas com SAN. Outra coisa também é a análise, o incentivo e promoção de campanhas de prevenção e de apoio e educação no que se refere a SAN das populações vulneráveis, principalmente das populações negras. Outra estratégia é a orientação, acompanhamento e denúncia de qualquer tipo de violação das leis vigentes que prejudiquem o direito humano à alimentação adequada. É importante também as intervenções na legislação pertinente no sentido de conquistar e assegurar novos direitos e/ou alterar dispositivos contrários ou prejudiciais aos direitos humanos à alimentação. A participação e intervenção nos processos de formulação de políticas públicas de SAN para que sejam definidas políticas de enfrentamento às ações de monitoramento da insegurança alimentar. 

Também vemos como importante, o incentivo à participação das integrantes da RedeSSAN em instâncias municipais, estaduais, nacionais e internacionais, é importante essas representações a fim de fortalecer o papel político social da RedeSSAN no desenvolvimento de ações de controle social. Ter atuação forte no controle social e também é nossa preocupação quanto a relacionar dados e indicadores de SAN, estabelecendo assim nexo entre as discriminações de gênero, então essa relação de dados, não só para produzir indicadores mas também observar e contestar aquilo que é publicado. E dar publicidade às informações não só produzidas pela RedeSSAN mas também, as que são publicadas e que não contemplem a população negra, especialmente as mulheres negras. É importante também a gente fazer um relacionamento entre estudos, pesquisas e assessorias para que resultem na contribuição de elaboração de políticas públicas que modificam a iniquidade de gênero e raça. Isso atualmente a gente vem fazendo principalmente com as prefeituras e também análise e avaliação e monitoramento das políticas públicas compensatórias feitas ainda, não em nível nacional, mas em alguns estados e prefeituras, principalmente no que diz respeito às mulheres negras.                          

Em 2019 o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA foi extinto pelo atual governo federal. Quais as consequências de falta desta instância para o cenário de SAN na população negra? 

Com a extinção do CONSEA Nacional e com isso ficamos sem políticas públicas em nível nacional fica evidente que os impactos estão sendo imensos. E mais contundentes para as mulheres negras. O nível de fome, de falta de perspectiva, não ter a garantia do direito humano à alimentação adequada se reflete muito no quadro das mulheres negras, da população negra no geral. Voltamos para o mapa da fome e isso atinge de uma forma contundente as mulheres negras, atualmente, existe um projeto a nível nacional que define quem vai viver e quem vai morrer e nessa pauta de quem vai morrer estamos nós, as mulheres negras. Neste momento nós temos um grande desafio que é estar fazendo o possível para estar em observatórios de direito e justiça, fazer as denúncias, isso cabe às organizações da sociedade civil. De que forma podemos viabilizar isso? Estando relacionados, estando em parceria com outras organizações que trabalhem também, não só organizações negras, mas organizações não negras, organizações de mulheres, organizações que trabalham com direitos humanos para que a gente fortaleça as dimensões raciais e os movimentos sociais para que as mulheres negras principalmente estejam mais seguras para poder garantir a defesa porque neste momento a partir, não só da pandemia, mas no momento que nós entramos na atual gestão [federal] foi deflagrado uma grande insegurança, especialmente insegurança alimentar. Devemos estar fortalecendo os nossos laços para que possamos minimizar, provavelmente não atingiremos a todas, mas tentar minimizar o máximo possível, que esta catástrofe que é a fome, falta de emprego, a insegurança alimentar atinja de forma mais pesada a população negra.             

O que você diria para mulheres mais novas que desejam trilhar um caminho semelhante ao seu?

Para as mulheres mais jovens, na verdade, cada um trilha seu próprio caminho. Cada uma de nós fazemos nosso próprio caminho, evidente que a gente tem referências, assim como nós temos Lélia Gonzalez disse “nossos passos vêm de longe”, então são várias que nós lemos e utilizamos as suas experiências para construir os nossos próprios caminhos. Isso é evidente que acontece com as jovens em função daquilo que elas já ouviram muito em relação às mais velhas vem dizendo então as mais jovens estão empoderadas e construindo o seu protagonismo. É importante, é muito importante dar continuidade a essa luta e eu acredito e vivencio que as jovens estão cada vez mais fazendo este papel de dar continuidade a luta naquele formato que é de jovens com as suas experiências de forma firme e principalmente as jovens vem humanizando essa luta, são as jovens também que elas recebem essas experiências nossas, das mais velhas, mas elas também nos ensinam muito e principalmente elas estão aí para nos mostrar a continuidade da luta e muito seguras do bem viver, estão exercitando muito essa máxima que é o bem viver. Então as jovens, principalmente as jovens negras estão nesse caminho, no caminho de luta pela forma de trabalhar em conjunto e principalmente pelo bem viver.

De que mulheres estamos falando? | Entrevista com Maria Noelci | Matriarcas #8M

Não trabalhe para os outros | Entrevista com Maria Nelys Veloso | Matriarcas #8M

Entrevista realizada por Kellen Vieira

Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, queremos evidenciar histórias de mulheres negras que, ao longo da sua trajetória, lutam pela mitigação das iniquidades adensadas sob o cotidiano da população negra no país. Conversamos com Maria Nely Velozo, mulher negra que veio para Brasília na década de 70 construir sua própria história.

Maria Nelys Carvalho Veloso é uma mulher negra, mãe de três filhos: Cassandra, Leandro e Beatriz. Cozinheira de profissão, já cozinhou para diversos políticos, incluindo o presidente Lula. Atualmente é artesã  e empresária da Abayomi Artefatos.

Conte-me um pouco sobre você. Quantos anos você tem? Onde você nasceu? Onde você mora atualmente? Quais seus projetos atuais?

Eu me chamo Maria Nelys Carvalho Veloso, eu nasci no Maranhão e eu tenho 62 anos e vim para Brasília com 14 anos. Cheguei aqui e vim pra trabalhar na casa de uma pessoa. Daí eu trabalhei, mas eu nunca gostei de trabalhar pros outros, mas mesmo assim eu continuei. Quando eu saí desse lugar, eu fui trabalhar num hotel como camareira e nesse meio tempo eu falei assim: “não eu não nasci para lavar banheiro” porque hoje em dia é muito difícil uma família negra ser de boa situação, sempre foi, mas eu nasci em uma família muito bem situada, meus pais tinham muito recurso. 

Infelizmente não deu certo porque minha mãe separou do meu pai e eu tive que vir pra cá. Tá, e aí eu cheguei aqui [Brasília], mas eu nunca me conformei assim, porque tem pessoa que se conforma com qualquer coisa, eu não! Fui trabalhar nesse hotel como camareira, mas ai eu falei: “não, eu não vou ficar lavando banheiro a vida toda.” Ai, no meio tempo, eu era camareira à noite, e no dia eu fazia faxina nas casas para poder complementar o salário.

Eu já tinha meus filhos e eu tinha que manter. E eu fui e fiz um curso de telefonista nesse meio tempo. Eu trabalhava de manhã na casa das pessoas, quando dava meio dia eu entrava no curso, e saía às três e meia. Fiz o curso de telefonista. Quando terminei, fui estagiária num hotel. Apart hotel. 

E aí eu consegui meu primeiro emprego como telefonista, e depois eu consegui passar num outro hotel, e mais um intermediário. E eu tinha três empregos de telefonista. Eu trabalhava de seis da tarde à meia noite em um, e de meia noite às seis da manhã em outro. E de duas horas fazia um intermediário até às seis da tarde. E trabalhei nesse lugar por 15 anos. E, sem ter ninguém para ficar em casa com as crianças e tal, eu falei assim: “não, eu vou começar a pedir conta”. Pedi conta de dois hotéis e fiquei onde eu tava mais tempo e fui trabalhar com comida. 

Sem fazer curso – nunca fiz curso nenhum em culinária – mas só em ver assim, na televisão, eu fui fazer congelados. Mas eu tinha tanta encomenda que eu não dava nem conta. E de lá pra cá foi assim. Daí comecei a fazer comida. Comecei a fazer jantares.

Meu meio era mais o meio político, né? Trabalhei sempre para político. Tanto trabalhava aqui, quanto em São Paulo. E ia daqui para São Paulo fazer ceia de Natal, fazer aniversário, sabe? Daí eu vinha, até que aconteceu de eu ter o AVC, né?

E quando eu tive o AVC, eu tava em São Paulo, trabalhando. Daí voltei de cadeira de rodas e aí fiquei nessa. Mas aí, sempre assim, porque eu fiquei paralisada. Né? Eu fiquei de cadeira de rodas, mas eu me incomodava tanto com isso, que aí eu comecei.

Eu sempre gostei de artesanato também. Eu comecei a costurar com alicate. Enfiava a agulha e puxava com alicate e fazia as coisinhas assim: devagarzinho.

E fazendo terapia. E lutando pra mim não me entregar, né? Porque, quando a gente tem AVC, se você não tiver uma cabeça bem boa, você se entrega e você morre.

É tanto, que o médico falou que ia passar um calmante pra mim tomar, e eu falei que não, que não queria, que meu calmante era o artesanato. E comecei a fazer sabão, e daí veio… Comecei a costurar e, foi indo, foi indo, e eu me tornei uma artesã. Mesmo costurando, o meu lado que funciona é o esquerdo, e essa mão aqui (mostra a mão direita) só complementa, né? Mas minha vida é essa e eu não me entrego!

Tudo bem, a gente fica triste, né? Como agora. Eu, esse tempo todinho, 40 anos, a gente sempre tem morado com todo mundo. Meus filhos, dia de domingo, era maior coisa pra mim fazer almoço, jantar, essas coisas. E agora me sinto sozinha, e é difícil. Mas é isso. Bola para frente! A gente tem que pensar que amanhã é outro dia.

E atualmente meu projeto é a Abayomi. No entanto, pra mim está sendo muito difícil, por que pra mim, se tivesse uma pessoa para manusear a Abayomi… Eu não sei entrar na internet, fazer venda e postar. Então, fica difícil pra mim.

Mas pra mim, meu projeto é a Abayomi. Minha costura, né? Que eu gosto muito. É uma coisa que não me deixa ficar pensando. Sento aqui pra fazer minhas coisas, meu pensamento vai longe, né? E eu não fico pensando na tristeza. E eu não gosto de tristeza.

Como você chegou até o ramo da alimentação?

Eu sempre gostei de cozinhar. É gosto meu mesmo. Quando eu cheguei aqui, eu fui trabalhar numa casa, e eu não sabia. Que eu cheguei em Brasília, mas eu era de uma família bem sucedida, né? Então, minha mãe nunca chegou em mim e falou: “vem cá aprender a fazer um arroz”. Eu aprendi de curiosidade. Mas aí, quando eu cheguei aqui, eu vi que eu tinha que fazer.

A primeira receita que eu fiz foi um bife à milanesa, que minha colega escreveu a receita num papel de pão, porque eu perguntei a ela como fazia. E eu sempre gostei, assim, eu não sabia como fazer, mas eu sabia o que era bom. Ai eu fiz, e essa moça gostou muito. E, às vezes, eu queria fazer um lanche, e eu não sabia muita coisa. E aí eu ia na padaria e comprava a massa de pão lá na 309 sul. Na 109 eu ia na comercial. E a padaria vendia para a gente a porção de massa pronta. 

Ai ele me vendia aquela massa pronta. Daí, na parte da tarde, eu fazia pizza, um pão recheado e o pessoal falava: “nossa”! Mas ninguém nunca me ensinou. Eu que ia. Eu nunca fiz curso de culinária. Nunca, nunca, nunca. No entanto, eu me tornei uma banqueteira. Saía daqui pra fazer almoço em São Paulo.

Fazia aniversário, ceia de natal. Eu saía daqui no dia 23, e chegava lá no dia 24, só para fazer a ceia de natal, e dia 25 eu vinha embora. Minha vida era essa. Uma correria. Eu fazia congelados também. No meio político, eu já cozinhei até pra presidente!

Eu nunca fiz curso. Eu sempre fui autodidata em tudo que eu ia fazer. E assim, como o artesanato, ninguém me ensinou. Eu sempre fiz tudo sozinha. Eu vejo uma coisa, eu vou lá e faço!

Quando eu era pequena, a minha professora de inglês morava em frente de mim. Tinha dia que eu sentava com meu livro de inglês e traduzia um monte de coisa, e ela falava: “nossa, mas quem te ensinou?” e eu falava: “ninguém”. Eu sempre fui assim, eu pegava uma coisa e eu aprendo sozinha. 

Conte-nos um pouco sobre seu trabalho, o que é esse desenvolvimento de alimentar outras pessoas e o que isso proporcionou a sua vida.

Muita coisa. Porque, eu trabalhando com culinária, a gente conseguiu comprar muitas coisas. Hoje eu não tenho. Mas eu já tive casa, apartamento, terreno, aí fui assim. O último terreno que nós compramos, que veio da culinária, foi o terreno do Lago Sul que a gente tinha. Mas assim, às vezes a gente faz as coisas sem pensar. Quando você não tem uma orientação de ninguém, você pensa que tá fazendo o certo, e quando a Cassandra tava na faculdade, e a gente ficou sem. O trabalho tava fraco, atrasou as parcelas, daí a gente vendeu lá para pagar as dívidas e ficamos sem o terreno. Até hoje ela fala disso.

Mas a culinária já me proporcionou muita coisa. E eu sempre gostei e gosto muito. Só que agora eu não posso fazer, porque estou nesse estado. Trabalhar, como eu trabalhava antes, que eu tinha que fazer, mexer com garçom, ajudante, e agora não dá mais. E era tudo na minha conta. A pessoa contratava o jantar, eu fazia orçamento tudo na minha conta. Desde o garçom, louça, tudo! 

Como você enxerga a importância do acesso à alimentação e se há relação disso com o racismo?

Eu sempre fui assim: desde que meus filhos são pequenos, a alimentação é muito importante. Desde a primeira, eu sempre fui exigente com isso. Pode perguntar a eles. Eu saia pra trabalhar, eu deixava ali toda a comida pronta: o feijão, a verdura, o suco. Sempre fui assim. E eu nunca gostei de coisa química. Eu sempre gostei de fazer o suco, entendeu? Eu sempre fui assim.

A alimentação da manhã e da noite, pra mim, são as mais importantes que existem e, a pessoa é o que come. Seu corpo responde a esse alimento, né? E eu sempre fui assim. E até mesmo pra fazer compras, seja aqui pra casa, ou para trabalho, eu sempre gostei do melhor. Eu não gosto de tapear e pensar assim: “ já que é pra você trabalhar”, não. Eu prefiro fazer o pior pra mim e o melhor pra trabalhar. 

Eu sempre gostei de coisa orgânica, sabe? Nunca gostei de muita química. Nunca gostei de remédio. E eu só tomo remédio agora, porque é o jeito. Mas eu nunca gostei.

Tem quatro anos que eu tive AVC. Antes disso, eu nunca tive em médico assim. Fui no médico só por causa de uma dor nos rins que eu tive da época que fui telefonista Mas assim, adoecer, viver no médico internada, nunca! Nem eu nem minhas crianças. Aqui de casa, nunca foi assim doentinho. Por que? Alimentação mais saudável. E eu sempre fui assim. E você sabe que o produto que tem agrotóxico ele não é saudável? Por isso é melhor o orgânico que é mais saudável.

Que mensagem você deixa para as mulheres mais novas que desejam trilhar caminhos semelhantes aos teus? 

Eu sempre pensei assim: quando eu comecei a trabalhar, eu, até porque a gente que é negro é mais difícil… Mais difícil não. É difícil. Então, eu, quando eu tava trabalhando num hotel, e eu sempre fui assim, quando eu to numa coisa, eu sou muito dedicada. E quando eu trabalhava como camareira, então veio um pessoal de São Paulo fazer aquelas coisas. Eles pegam o hotel pra mudar ele. Já viu, né? Tem até aqueles programas de TV que a gente vê que eles mudam o hotel todo pro hotel ter o orçamento melhor. Então, esses dois rapazes, depois que eles fizeram esse negócio lá, eles me indicaram como governanta, por que eu era muito eficiente. E, assim, tudo que eles precisavam, na hora eu já alcançava pra eles. E assim e dei tudo que eles precisavam. Eu tava ali pra servir em todo hotel. 

Como até hoje eu sei. Pra montar um hotel, eu sei de tudo. E aí eles me indicaram pra governanta e eu não fiquei sabendo. Eu soube disso depois. Mas disseram que não, porque, acho que isso foi nos anos 90, porque eu era negra. E eu não sabia e, tá, e aí passou, e outra vez eu fui fazer entrevista em um lugar, e eu não passei por que era negra. Porque a governanta vai no hotel e cuida desde cima até embaixo, da recepção até o último andar. E então, a governanta tem que tá na recepção. Então eu não podia, eles não deixavam por isso. Então, quando eu soube disso, eu comecei: “um dia eu vou trabalhar pra mim”.

Então eu acho assim; que a mulher, e acho que todas as pessoas que querem ganhar dinheiro, trabalha pra si. Porque, você trabalha pros outros, você enrica os outros e não você, e seu trabalho não é reconhecido. Principalmente, quando você é negro, não é reconhecido, né? Então, eu, o que eu deixo é isso: se você puder aprender, aprenda, pra poder trabalhar pra você. Aí, sim, você vai ganhar dinheiro e ser uma pessoa bem sucedida. Agora? Trabalhar pros outros? Não. Eu não sou de acordo com trabalhar pros outros. 

De que mulheres estamos falando? | Entrevista com Maria Noelci | Matriarcas #8M

Diáspora Quilombola e vivências circulares | Entrevista com Maria Malcher | Matriarcas #8M

Entrevista realizada por Kellen Vieira

Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, queremos evidenciar histórias de mulheres negras que, ao longo da sua trajetória, lutam pela mitigação das iniquidades adensadas sob o cotidiano da população negra no país. Conversamos com Maria Malcher, mulher nortista que contribui no fortalecimento dos processos de transição agroecológica em territórios quilombolas no estado do Pará. 

Maria é professora de Geografia no IFPA, coordenadora do Grupo de Pesquisas Dinâmicas e Relações espaciais e raciais, militante do Centro de Estudos e Defesa do Negro de Pará – CEDENPA. 

Você pode se se apresentar e contar sobre seu trabalho para gente?

Eu sou Maria Malcher, sou ativista do Centro de Estudos e Defesa do Negro de Pará CEDENPA e professora do Instituto Federal do Pará IFPA. Eu sou geógrafa e coordeno um Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – NEABI – mas antes disso eu atuei na organização de associações de comunidades quilombolas, a Malunga, e daí eu comecei a trabalhar com os quilombolas nessa perspectiva da terra, territórios e territorialidade. Depois veio o processo mobilizatório da marcha das mulheres negras e, como eu estava nesse trabalho com os quilombolas, começamos a atuar com as mulheres quilombolas.

Eu sou do município de São Miguel do Guamá, onde existem muitas comunidades negras rurais como a minha família. Eu mesma já nasci na cidade, mas sempre com aquele cotidiano de ir fazer a farinha no interior. A gente tinha esse hábito de fazer a roça no interior. Essa comunidade foi mapeada como uma comunidade quilombola que é a comunidade de Santa Rita das Barreiras e atualmente essa é uma das comunidades titulada pelo Instituto de Terras do Pará ITERPA como comunidade quilombola. 

Então, eu sou da diáspora quilombola. A gente ainda não está refletindo essa diáspora quilombola. A gente tá mais preocupada com a legalização dos territórios e as pessoas que ainda estão lá, nesse sentido, porque a gente avalia que os desafios são maiores, tanto na questão da produção, quanto de acessos a vários direitos.

Então, a minha trajetória é essa de uma pessoa da diáspora quilombola. Talvez, quando a gente superar algumas questões, vai ter um grupo mais fortalecido que reflita essa questão da diáspora. É bom refletir sobre isso porque algumas pessoas vão voltar, mas outras não, e vão ter essa relação diaspórica elencando com a questão africana e com os valores da circularidade. É aquela coisa, eu saio do quilombo, mas o quilombo não sai de mim!

Como é a Luta por acesso a alimentação num território tão biodiverso como a Amazônia? 

Eu acredito que a luta pelo acesso à alimentação perpassa pela luta pela segurança alimentar e nutricional. Porque, muitas das nossas comunidades têm o território, mas a técnica de manejo do solo ela sempre foi e cada vez mais, devido às mudanças climáticas e aos impactos ambientais, ela tem se acirrado nas comunidades e a gente tem que se reconstruir, ainda mais nesse contexto de pandemia e trabalhar em redes.

Algumas vezes, para nós, a terra não é o problema; mas sim, como trabalhar com ela nessa perspectiva da segurança de uma produção que tenha diversidade no sentido da diversificação. Uma produção que fortaleça economicamente a comunidade e os grupos locais dessa comunidade nesse sentido. Então, o desafio é esse: porque o trabalho não é individual, é coletivo, e o coletivo exige um esforço maior.

Eu acredito que passar por um processo de fortalecimento das organizações e redes que trabalham com a alimentação orgânica e a acessibilidade e o subsídio das sementes. Outra questão, é o processo de transição agroecológica na comunidade. As comunidades passarem por esse processo de transição agroecológica, tentando perceber essa questão dos impactos. O que impacta diretamente.

Ano passado, a produção era mais intensa nesse sentido e, agora, você tem outros fatores externos que fazem com que a produção seja escassa. Aí vem desde mudanças climáticas, o cotidiano de quem produz nas comunidades.

Quais os principais desafios e conquistas em relação à alimentação nos últimos anos?

Aqui a gente vem de uma trajetória do povo que vem para a cidade para estudar e, no geral, a gente não volta. Estuda, arruma emprego e consegue se verticalizar na educação, porque muitas de nós não consegue e pára no meio do caminho. E eu acho que o meu papel nesse processo é como uma mediadora política, contribuindo com esses grupos, seja na forma de orientação, formação, para que a gente crie conjuntamente estratégias para quem tá morando aqui na cidade e quem continua no espaço agrário. Não só essa empatia, mas essa articulação, mesmo que tímida, diante do agronegócio aqui na Amazônia, é muito importante.

Então, a mediação política, ela vai desde lutar pela escola, ou lutar pela permanência da escola na comunidade, até criar um mecanismo de promoção da igualdade racial e fortalecimento de grupos e mulheres locais.

E são milhares de questões que a gente abarca, a partir dessa pauta da segurança alimentar e nutricional, que a gente acaba trazendo algo que a gente avalia como mais importante nas comunidades, até para amenizar conflitos. É a mesma efetivação da regularização fundiária nos territórios quilombolas.

Como sua trajetória impactou o desenvolvimento de conquistas sociais na sua região? O que você diria para a Maria de 20 anos?

Tem muitos impactos. Eu sou próxima de uma comunidade quilombola. Então, essa questão da diáspora de morar numa cidade pequena e depois morar na região metropolitana e, conhecendo a comunidade desde criança, a gente percebe o impacto que a política territorial quilombola causou naquela comunidade. Então, algumas questões que eles conseguiram: era uma comunidade que estava fadada a trabalhar somente com o foco da exploração mineral da argila para fazer tijolo, e aí, como uma política direcionada com um plano de uso, você tem famílias que trabalham a diversificação, trabalham a trituração da terra e também a preservação ambiental e da diversificação da sua produção. Não aderindo apenas à monocultura da mandioca, comum na região. Daí tem uma diversidade de frutas e verduras. É verdade que no campo, com o aliciamento do agronegócio, as famílias tendem a produzir o que tá se vendendo no mercado, o que o mercado está demandando. Mas daí, você tem famílias tradicionais que fogem à regra e fazem opção pela diversificação e melhoramento dos produtos. Como o melhoramento da macaxeira, transformando em macaxeira chip. 

Aqui temos uma rede, que é a rede bragantina de economia solidária, que está associada ao CEDENPA, que visa estimular essa questão da produção diversificada e do produto. Do tucupi que vira farinha. e isso só foi possível por conta da mobilização de sujeitos para essa questão. 

É evidente que as comunidades sempre resistiram nesse sentido. Mas aí, você tem aquilo que a gente busca, que é a auto estima coletiva da comunidade e a afirmação, enquanto o território da negritude. E tem essa questão das comunidades de roça e comunidades que fazem o manejo da floresta, a exemplo de comunidades do baixo tocantis.

Então, são muitas experiências exitosas que fazem a gente insistir nesse caminho, como o olhar para a cultura alimentar, que muita coisa a gente perdeu, e a gente tem que voltar e conversar com nossas avós, nossas tias e perguntar: “olha, como vocês comiam essa araruta?” Então, é a reeducação mesmo, alimentar, e de todos os aspectos, nesse sentido.

Eu não fazia ideia de que teria esse retorno. Quando eu comecei esse trabalho, eu não sabia que teria esse retorno para a população, de entrar no movimento, de tentar ser uma mediadora política. E a gente vai adquirindo essa certeza ao longo do tempo. Então, não sei se eu faria diferente.

Eu me gosto mais agora, do que com 20 anos. Do trabalho que eu faço. Quando eu tinha 20 anos, eu queria aquele corre de estudar teatro e ter uma vida urbana. Daí, quando eu faço a opção por estudar geografia, minha vida muda e eu quero passar os finais de semana na comunidade e agora não pode mais por conta do corona, né? Então, quando eu tinha 20 anos, eu não tinha a dimensão de que teria esse retorno. Até porque, o movimento quilombola era muito recente na minha vida.

Qual a principal característica da luta de mulheres na região amazônica?

Eu acredito que é muito forte para gente. É pertencimento ao território. A nossa luta, tanto de mulheres negras, quanto indígenas, ou negras-indígenas, ainda é o pertencimento ao território, muito ligado ao modo de vida. O modo de vida, para a gente, é uma especificidade, porque para alguns, mesmo os que moram na Amazônia urbana, o modo de vida é o modo de viver, é um estilo. No urbano, é o estilo.

Mas no nosso caso, a nossa luta perpassa o pertencimento ao território e ao modo de vida que convive com a floresta e que não tem inquietude com as relações das florestas e rios. Por exemplo, quando eu reflito: “o que seria o autocuidado e o cuidado coletivo?” No modo de vida urbano, talvez uma terapia, fazer um pilates. Mas o que nos linkaria de um modo geral, seria o retorno às ervas, ter um giral, conversar com os mais velhos.

Evidente que isso se torna cada dia mais um desafio. E essa questão também é essa relação com as sociedades indígenas. Porque, para a gente, é muito tranquilo se perceber negra e indigena. Tem sido uma proposta da rede bragantina, e eu tenho me aproximado da metodologia da rede, e tenho feito esse exercício. A Nazaré Reis e também a Tatiana, que estão no núcleo puxirum, e é a metodologia de aproximação, de conhecer o território e saber os desafios ali presentes, e todas as mulheres da rede ou que estão próximas à rede.

Por exemplo, recentemente nós fizemos a ajuda humanitária, e elas fizeram uma oficina de sabonete nessa pegada: sabonete de aroeira. Evidente que isso já tá no mercado e a indústria farmacêutica já até patenteou vários produtos, mas essa troca de você fazer o seu produto e tentar comercializar a um preço justo, e tentar que nessa comercialização tenha um subsídio para que você alimente sua família, é um exercício muito massa. E agora, vendendo esses produtos que traz a troca, e também trazer as práticas de que elas já faziam antes.

Ainda é preciso novas mulheres na luta pelo direito humano à alimentação adequada? O que você diria para as mulheres que estão por vir?

Eu acho que os coletivos das mulheres mais novas estão mais sensíveis. Vocês buscam as redes, vocês compram produtos, vocês acham massa e colocam nas redes sociais e divulgam. Vocês têm trabalhos muito massa que contribuem para que a sociedade se sensibilize. Não só isso, mas crie empatia e crie novos hábitos, incluindo a periferia.

Por que, o nosso objetivo é que nossos produtos cheguem na periferia. Que, na periferia, você também aumente a imunidade da periferia para que não coma só um (esquiro?) ou, se vc vai comer uma farofa, mas você coloca uma mistura na farofa para aumentar a imunidade, tomar um chá.

As mais novas já trazem essa pegada e, muitas mulheres que trabalham e têm filhos, se distanciaram dessa prática do cuidado a partir da cultura alimentar. Às vezes o corre-corre do dia-a-dia faz você fazer um arroz com mortadela ao invés da sopa. E as mais novas vêm com uma cultura alimentar mais saudável. Agora, eu acharia legal, se houvesse uma intensificação do intercâmbio entre quem produz e quem consome.

Como ajudar pessoas em situação de rua em tempos de covid-19? | Vamos nos cuidar sem pânico?

Como ajudar pessoas em situação de rua em tempos de covid-19? | Vamos nos cuidar sem pânico?

Por: Bruna de Oliveira*

Na foto, viaduto Otávio Rocha | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Quem não tem casa se isola onde? Você já parou para pensar nas pessoas em situação de rua no meio da pandemia que está acontecendo?

Em Porto Alegre, cerca de 4.000 pessoas vivem em situação de rua. Eles e elas precisam ser cuidados pelo Estado, via políticas públicas de assistência e saúde, mas também pela solidariedade e os princípios cooperativos que nos movem enquanto sociedade civil. Em tempos de pandemia, essas pessoas estão em um dos grupos de risco em relação ao novo Coronavírus (Covid-19).

Preocupado com a saúde física e mental dessa população o Grupo Suprapartidário para Combate da Pandemia do Covid-19 junto a População de Rua de Porto Alegre reuniu-se na última quinta-feira (19) e organizou uma série de orientações para quem quiser ajudar. A nutricionista social Ana Mattos, que colabora com o grupo, explica que essa iniciativa “envolve tanto o Poder Público quanto a sociedade civil num esforço solidário e responsável.”

Entre as ações encaminhadas, foram estabelecidos três pontos de coleta de doações que podem ser realizadas por tele-entrega. As doações são recebidas, higienizadas e distribuídas por equipes de saúde qualificadas para estas atividades. “A população de rua é um grupo de risco, então não levem o vírus até eles. Tem uma corrente de pessoas querendo ir ajudar, mas a ajuda deve ser dada a distância. Não procurem o pessoal, pois eles também estão sendo encaminhados para isolamento”, recomenda Ana que também é pesquisadora e defensora dos direitos para pessoas em situação de rua.

O que e como doar:

Água potável, sabão ou sabonetes, bombonas de água vazias, álcool gel, máscaras faciais, luvas, lenços umedecidos, toalhas de papel, atilhos, sucos ou bebidas em embalagens individuais e alimentos não perecíveis estão sendo recebidos nos pontos de coleta que funciona de segunda a sexta, das 9h às 15h.

Confira os endereços dos lugares de coleta:

Escola de Porto Alegre – EPA
Rua Washington Luiz, 203 – Centro Histórico

OSC Misturaí
Rua Luiz Manoel, 229 – Vila Planetário

AMURT-AMURTEL
Juca Batista, 6841 – Ponta Grossa

Albergues e Restaurantes Comunitários são outras estratégias de acolhimento e cuidado. Além dos pontos de coleta, Porto Alegre possui um abrigo temporário a partir desde a última segunda-feira, dia 23, para acolher pessoas em situação de rua durante a pandemia do Coronavírus. O prédio será o da Organização Irmandade Nossa Senhora dos Navegantes, na zona norte da capital. O acolhimento oferecerá cuidados de higiene, alimentação e estadia, sempre a partir das 19h.

O espaço, localizado na Rua Praça Navegantes, 41, possui três andares, quartos coletivos arejados e refeitório. “O objetivo é garantir o isolamento da população em situação de rua. Nossas equipes estão preparando o espaço para receber as pessoas a partir do início da semana”, explicou a presidente da Fasc, Vera Ponzio em matéria publicada no site da prefeitura.

Rede de Serviços (atendimento das 19h às 7h):

Albergue Acolher 1
Endereço: Rua João Simplício nº 38, Vila Jardim
Telefone: 3737.2279

Albergue Acolher 2
Endereço: Rua 7 de Abril, n º 315, bairro Floresta
Telefone: 3737.2118

Albergue Dias da Cruz
Endereço: Avenida Azenha, 366 – Bairro Azenha
Telefone: 3223.1938

Prato Alegre | Restaurante Comunitários:

Atualmente existem dois restaurantes comunitários na cidade que compõem o programa Prato Alegre. Estes equipamentos sociais atendem pessoas em situação de rua, idosos vulneráveis e famílias em pobreza e extrema pobreza. As refeições são subsidiadas integralmente pela prefeitura de Porto Alegre e o requisito para acessar os restaurantes é o Cadastro Único do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Em conversa telefônica com a nutricionista da Unidade de Segurança Alimentar e Nutrição Sustentável – USANS, Vanusa, em função da pandemia, os restaurantes estão abertos para toda a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica e/ou em situação de rua.

“Servimos 300 refeições no restaurante do Centro e 150 refeições no restaurante da Cruzeiro. Houve um aumento significativo da procura por alimentação pela pandemia.” declara a nutricionista que também informa sobre as ações de prevenção que estão sendo tomadas: filas com distanciamento entre os comensais para entrada no refeitório com, no máximo, 4 pessoas sentadas por mesa. Pessoas que possuem domicílio estão recebendo marmitas para serem consumidas em casa e não gerar aglomeração nos espaços.

Os restaurantes dos bairros Centro e Cruzeiro começam suas operações a partir das 11h30min até atingir o número máximo de refeições preparadas.

Endereços dos restaurantes:

CENTRO – Rua Garibaldi, 461.
CRUZEIRO – Rua Dona Otília, 210.

Você pode entrar em contato com esses espaços para receber mais informações sobre como contribuir com doações. Lembrando que Porto Alegre está há oito dias publicando diferentes decretos que regulamentam a ampliação do distanciamento social para frear o contágio da doença e salvar vidas.

—————————————————————– 

*A sistematização dessas informações foi realizada por Bruna de Oliveira, nutricionista, comunicadora popular e sócia-fundadora da Crioula | Curadoria Alimentar. “Vamos nos cuidar sem pânico!” é uma série de reportagens com informações que nos nutram a criar dinâmicas sociais de solidariedade e cooperação durante (e após) a pandemia do Covid-19.

—————————————————————-

Conheça e apoie o trabalho da Crioula em nosso Clube de Assinaturas

www.catarse.me/crioulacuradoria

Seguimos. 🌻

 

Alunas de nutrição entrevistam nutricionista ecológica

Alunas de nutrição entrevistam nutricionista ecológica

Entrevista concedida às alunas da disciplina de Introdução à Nutrição do curso de Nutrição do Instituto Federal do Ceará – Campus Limoeiro do Norte. Desejo contribuir com a formação da turma com minhas experiências profissionais enquanto nutricionista.

Qual a sua graduação? Quando concluiu o curso?

Sou graduada em nutrição pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, localizada no município de São Leopoldo no estado do Rio Grande do Sul. Concluí minha graduação em julho de 2015.

Se você fez pós-graduação, qual o seu último título?

Fui mestranda no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural – PPG MADER, na Faculdade de Planaltina – Universidade de Brasília. O curso não foi concluído.

Atualmente, onde atua profissionalmente?

Atualmente sou empreendedora social com a Crioula – Curadoria Alimentar.

Qual função exerce?

Sou fundadora da empresa e desenvolvo diferentes funções na organização.

Quais as principais atividades desenvolvidas diariamente?

Não trabalho no formato convencional de ocupação profissional. Não tenho uma carga horária fixa diária de trabalho nem uma rotina fixa de atividades.

Produzo conteúdo digital então, diariamente acesso diferentes plataformas de notícia e instituições de pesquisa para me inteirar das descobertas e acontecimentos em torno dos temas que a empresa trabalha: meio ambiente, ecologia, alimentação e cultura. Além das atividades de produção de conteúdo; trabalho com marketing digital, assessoria e consultoria para restaurantes, escolas e demais instituições que querem desenvolver soluções ecológicas nos sistemas alimentares formados.

Como trabalho com Plantas Alimentícias Não Convencionais – PANC, também saio para realizar coletas pelos bairros da cidade onde estou atualmente, Porto Alegre. Cozinho, registro minhas preparações para as redes sociais. Tenho uma linha de produtos ecológicos chamada Nobis e beneficio os alimentos: molhos salgados, compotas, conservas e geleias com alimentos produzidos de forma agroecológica, orgânicas e coletadas pela cidade.

Organizo planos de aula para cursos e formações. Cozinho em restaurantes veganos. Eu faço várias coisas. Cada dia é um dia, cada semana é uma semana. Mas sempre realizo coletas pelas cidades e produzo conteúdo para a internet.

Este foi o seu primeiro emprego? Se Não, em que outros locais atuou e funções que exerceu?

Não, eu já trabalhei um bocado! kkkkk  Minha primeira experiência profissional depois de formada foi no campo da pesquisa. Atuei como auxiliar de pesquisa na Gerência Regional de Brasília da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Brasília no Programa de Alimentação Nutrição e Cultura. Por 3 anos contribuí nas pesquisas elaboradas pelo programa; contribuí no desenvolvimento do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares – OBHA.

Já realizou/participou de algum curso, congresso, fórum, palestra na área de Nutrição? Se Sim, definir temáticas:

Sempre participei de eventos relacionados à Alimentação e Nutrição: Segurança Alimentar e Nutricional; Agroecologia; Cultura Alimentar e Sustentabilidade.

II Workshop sobre Estratégias Alimentares e de Abastecimento (II WEAA). Ocorreu em Porto Alegre em outubro de 2019 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. |https://www.ufrgs.br/weaa/

II Encontro Nacional sobre Hortaliças não Convencionais (HortPANC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ocorreu em agosto de 2018. | http://www.fm.usp.br/fmusp/noticias/ii-hortpanc-atrai-pessoas-de-outros-estados-para-acompanhar-oficinas-de-culinaria-e-manejo-de-plantas-nao-convencionais

III Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada – AgrUrb. Aconteceu em setembro de 2018 em Porto Alegre na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS | http://www.ufrgs.br/ufrgs/eventos/iii-conferencia-internacional-agricultura-e-alimentacao-em-uma-sociedade-urbanizada-agurb

Você se considera realizado profissionalmente? Quanto ao nível de satisfação profissional, como se considera?

Sim, muito satisfeita!

Quais os motivos que o (a) levam a este grau de satisfação?

Trabalho com algo que têm sentidos e significados que extrapolam as fronteiras do exercício profissional, sinto-me realizada enquanto ser vivo na existência por ter a oportunidade de atuar com uma nutrição socioambiental que considera as dimensões culturais do alimento. Considero-me uma nutricionista ativista e regenerativa, pela nutrição encontro caminhos de transformar modos de vida que sejam saudáveis e adequadas para as pessoas e o planeta.

A Nutrição vem se tornando cada vez mais conhecida pela população. A que você atribui esta evolução?

Para além de pensar quanto a população conhece a nutrição, é preciso refletir como as pessoas conhecem a nutrição. O destaque desse campo de atuação ainda está bastante vinculado a dimensão biológica do nutrir. A dimensão da alimentação enquanto setor econômico e elo social do ser humano com seu habitat é uma perspectiva ainda pouco difundida na população. Nutrição estética e esportiva ainda são os perfis mais procurados nas redes sociais e a busca por um emagrecimento por um símbolo de beleza magro amplificam a audiência dessas linhas.

Percebo que as atenções sob as mudanças climáticas e seus prejuízos ambientais atualmente no mundo, leva uma parcela da população a buscar práticas saudáveis e sustentáveis para sua alimentação cotidiana.

Em suma, a internet amplificou as informações que circulam entre as pessoas e isso também incluí o setor de alimentos. A oportunidade de apresentar as diferentes possibilidade de comer e nutrir pela web, me parecem ser elementos importantes de serem estudados. Romper com o nutricionismo que cerca a formação do nutricionista é importante para que a evolução entre as pessoas seja qualitativo.

Quais os desafios desta profissão?

Penso que respondi indiretamente essa questão na anterior. Pensar nos diferentes sistemas alimentares existentes e como a nutricionista pode contribuir para promoção de saúde no território que atua é essencial. E para isso, é preciso uma formação abrangente, integrada e sistêmica. Isso pressupõem uma reformulação na formação que inclua temas como agrotóxicos; desertos alimentares; desigualdades alimentares e muitas outras temáticas que estão na dimensão do produzir e comer. Borrar as fronteiras do nutrir compreendendo que, sem biomas saudáveis; sem populações originárias e ancestrais; sem cuidado e respeito com o ambiente não há uma boa nutrição.

O que o (a) levou a escolha desta profissão?

Escolhi cursar nutrição porque queria trabalhar com combate à fome. A formação acadêmica foi o necessário para ter um título de profissional, mas os saberes e conexões que realizei para ser a profissional que sou hoje ocorreram fora do currículo da universidade. As atividades complementares, os projetos de extensão em Saúde Pública, os intercâmbios que trataram sobre inovação e setor de alimentos foi o que oportunizou que hoje eu me sinta exercendo a profissional seguindo a motivação primordial que me fez ser nutricionista.

Você possui outros objetivos/planos profissionais? O que deseja ainda?

Eu desejo obter uma fonte de renda financeira suficiente para seguir realizando as atividades que acredito serem transformadoras e disruptivas. Não é fácil enfrentar o mundo do empreendedorismo, ainda mais na temática que escolhi com negócio ecológico. Meus planos são me especializar na edição de vídeos para aperfeiçoar minhas redes sociais e fazer conteúdos cada vez mais acessíveis.

Tenho o sonho de criar um ponto de cultura alimentar onde poderei articular todas as frentes que atuo hoje em um só lugar. Plantar, colher, cozinhar, exercer a comensalidade que é um fenômeno coletivo, gentil, afetivo e muito potente para geração de vida que desdobra-se num estado de bem-estar – que é saúde no meu ponto de vista.

Que mensagem você daria a um estudante de Nutrição?

Saiam da bolha. Conversem com as pessoas. Olhem para uma cenoura vendo-a como um ser vivo que se relaciona conosco tanto quanto nós ao preparar uma salada ou bolo. Precisamos ser mais animais e menos humanos. Precisamos romper com as gaiolas que os nutrientes colocam nosso campo de saber para que ele tenha plasticidade o suficiente para acolher essa dinâmica complexa e múltipla que é a alimentar e nutrir a humanidade.

Na sua visão, quais as principais funções de um nutricionista?

Temos o privilégio de trabalhar com a fonte de vida de pessoas, sociedades. Pra mim, não há principais funções porque cada realidade exige competências e habilidades diferentes. Pra mim, os principais elementos de um nutricionista deve ser a empatia e ecologia para um mundo mais nutrido e solidário.

Edital financiará projetos de sustentabilidade em escolas no Brasil

Edital financiará projetos de sustentabilidade em escolas no Brasil

Desafio Escolas Sustentáveis abre chamada para planos de ação de escolas públicas voltados à educação para sustentabilidade

 

Elaborado por: Alessandro Abate

Com o objetivo de estimular cada vez mais a cultura do consumo consciente e da sustentabilidade dentro das escolas públicas, o Instituto Akatu lança o Desafio Escolas Sustentáveis. A iniciativa faz parte de um esforço global, coordenada pelo IGES e pela One Planet Network e financiado pelo Ministério do Meio Ambiente do Japão, que vai financiar os melhores planos de ação que promovam a educação para o consumo consciente e a sustentabilidade.

O objetivo do Desafio é que diretores, coordenadores pedagógicos, professores e alunos trabalhem juntos no desenvolvimento de planos de ação que promovam melhorias em suas escolas, tanto em aspectos físicos e estruturais como em pedagógicos, a fim de estimular a educação para um futuro mais sustentável e equilibrado.

Os planos de ação serão selecionados com base em critérios como governança da escola, mudança curricular e estrutural, participação dos alunos e da comunidade, potencial de redução de emissões de gases de efeito estufa e promoção do consumo consciente. Serão cinco vencedores, uma escola de cada região do país. Elas receberão o financiamento de R$ 30mil para os seus planos, e a escola com o melhor plano de todos receberá um financiamento adicional de R$ 75mil (total de R$ 105mil).

As inscrições vão até 15 de outubro e as escolas de ensino básico de todo o país poderão submeter seu plano de sustentabilidade por meio do hotsite https://edukatu.org.br/escolas_sustentaveis. Cada escola poderá fazer apenas uma submissão, porém com duas versões do plano: uma com custo de R$ 30mil e outra com custo de R$ 105mil, ambas planejadas para execução em no máximo de seis meses, de fevereiro a agosto de 2020.

“O Instituto Akatu tem orgulho de ser o parceiro escolhido para essa iniciativa global. O Edukatu, nossa rede de aprendizagem que visa incentivar a troca de conhecimentos e práticas sobre consumo consciente entre professores e alunos, realizará uma série de ações para divulgá-la e ajudar as escolas a preparar seus planos. Estamos ansiosos por colaborar com ideias que fomentem um ambiente escolar estimulante para debater e incorporar práticas e hábitos de um estilo de vida mais sustentável em todo o Brasil”, explica Helio Mattar, Diretor-presidente do Instituto Akatu.

A iniciativa será realizada simultaneamente em mais oito países – Namíbia, África do Sul, Uganda, Camboja, Quirguistão, Filipinas, Vietnã e Suriname – e o intercâmbio entre os participantes será incentivado. A escola brasileira que conquistar o maior financiamento indicará representantes para participarem de encontros internacionais e studytours em outros países, com o objetivo de promover a troca de experiências.

Sobre o Akatu

Criado em 15 de março de 2001 (Dia Mundial do Consumidor), o Instituto Akatu é uma organização não governamental sem fins lucrativos que trabalha pela conscientização e mobilização da sociedade para o consumo consciente. Tem como proposta e objetivos contribuir para a mudança de comportamento do consumidor, a partir de duas frentes de atuação: Educação e Comunicação, com o desenvolvimento de campanhas, conteúdos e metodologias, pesquisas e eventos. O Akatu também atua junto a empresas que buscam caminhos para a nova economia, ajudando a identificar oportunidades que levem a novos modelos de produção e consumo, que respeitem o ambiente e o bem-estar, sem deixar de lado a prosperidade.

Sobre o Edukatu

Projeto do Instituto Akatu, o Edukatu é a primeira rede de aprendizagem sobre os conceitos e práticas do consumo consciente e da sustentabilidade para alunos e professores do Ensino Fundamental de todo o Brasil. Desde 2013, o Edukatu já soma mais de 200 mil pessoas impactadas e comemora os mais de 30 mil alunos, 8 mil professores e 3 mil escolas cadastrados em sua base, em todo o Brasil.