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Chocolate dos Deuses: dos Maias aos Capitalistas

Chocolate dos Deuses: dos Maias aos Capitalistas

Por Betina Aleixo

É muito provável que quando você tem vontade de comer um doce, recorra a um chocolatinho. Todos nós fazemos isso. Ele pode ser um presente de páscoa, de aniversário ou apenas uma recompensa depois de um dia cheio. Além de muito gostoso, o chocolate é acessível para a maioria da população e está presente na maioria dos estabelecimentos que comercializam alimentos. Do mercadinho de bairro à farmácia, é possivelmente o doce mais consumido no ocidente e é responsável por um nicho de mercado imenso e poderoso.

No entanto, as crises climáticas e humanitárias trouxeram à luz vários problemas que envolvem a produção de chocolate no mundo. Sem a pretensão de condenar o consumo de chocolate, vamos debater os recortes históricos, acontecimentos recentes e nos aprofundar nas discussões socioambientais que cercam a indústria do chocolate.

Chocolate Sagrado

Para saber onde estamos, precisamos saber de onde viemos. E o chocolate está longe de ser uma invenção de séculos atrás: é um alimento milenar e sagrado, muito diferente do que conhecemos hoje.

As civilizações mesoamericanas já cultivavam e preparavam as sementes de cacau por volta de 1900 a.C. para preparar uma bebida utilizada em cerimônias religiosas e eventos da realeza(1). A bebida era considerada revigorante, era temperada com pimenta, espumante e tinha sabor amargo. Independente das diferenças culturais, as civilizações mesoamericanas acreditavam que o cacau era um alimento sagrado dado aos humanos pelos deuses.

Com as grandes navegações, financiadas pelos impérios europeus, em 1519, Hernán Cortez e sua tripulação chegam no que hoje conhecemos como América Central, e entram em contato com a civilização asteca e a corte do Rei Montezuma(2).

Infelizmente este vídeo não possui legendas em português, mas é um excelente conteúdo sobre a história do chocolate durante a colonização europeia.

Os astecas apresentam aos espanhóis a sua bebida, seu cacau e sua cultura. E quando os espanhóis retornam para a Europa, levam consigo muitas sementes de cacau para apresentar à corte. Com o passar do tempo, e a adição de açúcar, mel ou baunilha, a bebida foi se tornando mais palatável ao gosto europeu e assim foi se popularizando nas cortes de diversos países, até se tornar o doce popular que conhecemos hoje.

É interessante pensar nos diferentes significados de um alimento para cada civilização, e na história que cada alimento carrega. Sim, os astecas apresentaram a Cortez o seu sagrado e precioso cacau e, mesmo assim, tiveram sua confiança traída: a civilização asteca, assim como outros povos mesoamericanos, tiveram seu povo, seu reino e sua cultura dizimados pelos invasores espanhóis em massacres sangrentos.

O cacau foi do sagrado à commodity, e, tanto a história dos mesoamericanos quanto a do chocolate são contadas pelos europeus. Por muito tempo, os únicos registros pré-colonização que tínhamos sobre o uso do cacau diziam respeito às culturas mesoamericanas. No entanto, pesquisas recentes indicam uma nova história por trás do fruto dos deuses.

O cacau é Amazônico

 

Em 2013, uma pesquisa desenvolvida por arqueólogos equatorianos e franceses apontou que o cacau tem origem amazônica(3), com base em resquícios encontrados em recipientes na província de Zamora Chinchipe, na Amazônia equatoriana.

Ao submeter os materiais encontrados a testes de carbono 14, os arqueólogos constataram que o cacau já era utilizado há mais de 5,5 mil anos e que a planta existe na Amazônia Equatorial por, pelo menos, 7 mil anos(4).

Para Francisco Valdez, que dirige a missão de pesquisa na jazida Santa Ana-La Florida, as evidências apontam que a cultura Mayo-Chinchipe-Marañón possuía uma sofisticação social complexa e que, possivelmente, houve relação entre culturas dos Andes e da costa do Equador.

Neste sentido, é sugerido que de alguma forma as sementes de cacau foram levadas da região amazônica até a América Central, onde temos a teoria de origem mais conhecida.

No entanto, para além da origem, existem outros aspectos do cacau que são desconhecidos para a maioria das pessoas. Por exemplo, as variedades de cacau existentes(4): tanto as diversas plantas da variedade Theobroma, quanto outras plantas da variedade Pachira, que entram na categoria popular de “cacau-selvagem”.

Fizemos um conteúdo especial sobre as variedades de cacaus classificados como PANC. Você pode conferir aqui.

E mesmo para a indústria do chocolate existem variedades e variedades de cacau (Theobroma cacao L.), algumas mais valiosas do que outras. Curiosamente, os resquícios de cacau amazônico encontrados na pesquisa dirigida por Valdez, pertenciam a uma variedade “cacau fino”, muito apreciada atualmente pela indústria do chocolate.

 

Os gigantes do chocolate e o cacau

 

Talvez você nunca tenha ouvido falar da Mars Inc. ou da Mondelez, mas com certeza conhece os M&M’S e o Bis. Estas e outras empresas com nomes mais conhecidos como a Nestlé, Hershey’s, Ferrero, e muitas outras, compõem um mercado imenso(6) de fabricação de chocolates – os chocolates que a maioria de nós conhece, consome ou já consumiu em algum momento da vida. Estes, são produzidos a partir das sementes do cacau forastero, espécie mais comum e mais cultivada ao redor do mundo.

Existem três variedades dominantes de cacau: o forastero, que corresponde a mais de 80% da produção mundial(7) e é considerado como de “qualidade inferior”; o criollo, que é a variedade mais antiga de cacau conhecida – seriam estes os frutos utilizados pelos mesoamericanos em seus rituais – é considerado um insumo de altíssima qualidade, é utilizado apenas por fabricantes de chocolates premium e corresponde por 1% da produção mundial e pode valer até 3 vezes mais do que o cacau comum; e a variedade trinitario, que se trata de um híbrido entre o forastero e o criollo, intermediário entre valores e qualidade, é cultivado em vários lugares do mundo e corresponde a 5% da produção mundial de cacau. Também existem outras variedades de cacau, híbridas e crioulas, que são cultivadas em quantidades menores(8), e mesmo dentro das 3 variedades dominantes de cacau há inúmeras classificações internas dadas pela indústria(9).

Para produzir os chocolates que comemos, as grandes fabricantes muitas vezes compram o chocolate já processado, ou os subprodutos do cacau que compõem o chocolate: massa de cacau, licor de cacau, manteiga de cacau, etc. Essa mistura e processamento de ingredientes acaba descaracterizando certos aspectos do cacau, padronizando sabor e textura.

Então, se por um lado temos estes imensos conglomerados empresariais por trás da fabricação massificada de chocolate que comemos, existem outras empresas menores que atendem um público com muito poder aquisitivo para consumir chocolates finos e exclusivos. 

Dois exemplos de produtos deste “seleto” mercado, que muitos desconhecem, e são válidos para a nossa análise aqui:

chocolate ruby

Chocolate Ruby | Comercializado como o 4º tipo de chocolate (amargo, ao leite, branco e ruby), se trata de um chocolate de coloração naturalmente rosa, criado pela Barry Callebaut, uma das maiores processadoras de cacau do mundo. Os cacaus utilizados na produção deste chocolate são as mesmas espécies que citamos aqui. A diferença está no processamento das sementes, que dão a coloração rosa ao chocolate e o sabor mais ácido. Como é feito exatamente? É segredo industrial. A Nestlé foi a primeira marca a criar uma versão comercial para a Kit Kat, que chegou a ser comercializada aqui no Brasil(10).

Fortunato n4

Fortunato nº4 | Considerado “o Rolex dos Chocolates”, é comercializado de forma limitada a fabricantes de chocolate finos, encontrados em distribuidores nos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. No entanto, o cacau que dá origem a esse cobiçado chocolate é cultivado no norte do Peru. Trata-se da variedade mais antiga de cacau, considerada extinta desde o início do século XX, e reencontrada acidentalmente em 2007 por dois americanos. Resultado deste encontro? Descoberta de um cacau que produz o que se considera um dos melhores chocolates do mundo e um acordo comercial com fabricantes renomados de chocolate na Suíça(11).

Além da Suíça e Bélgica serem países referência em qualidade de chocolate [e incluírem a lista de países que mais consomem chocolate no mundo(12)], são nestes países de primeiro mundo que ficam localizadas as sedes das maiores fabricantes de chocolates, tanto os conglomerados gigantes da alimentação (leia-se, Nestlé) quanto os fabricantes de chocolates finos.

Mas o que mais estes distintos mercados de chocolate têm em comum?

A origem do cacau. Nenhum destes países produzem cacau, apenas o chocolate. Para a produção de chocolates finos, há os cultivos de cacau na América Central, América do Sul e até mesmo Ásia(13). Para a produção dos chocolates comuns, países da África são os principais fornecedores das sementes. Destes, a Costa do Marfim e Gana correspondem a 60% da produção mundial de cacau(14).

Sabor amargo

Em um documentário de 2010, chamado “The Dark Side of Chocolate” (O Lado Escuro do Chocolate), o diretor e roteirista Miki Mistrati e sua equipe se infiltram nas plantações de cacau da Costa do Marfim e registram os inúmeros jovens e crianças, entre 7 e 15 anos de idade, trabalhando em plantações em condições análogas à escravidão. O documentário trouxe fortes denúncias e embates com a indústria do chocolate, mas não houveram consequências para os fabricantes(15)

Se há denúncia, mas não há consequências, nada muda. No entanto, em 2021 o jogo parece virar.

Somente agora as multinacionais tiveram sua iniquidade abalada por uma ação judicial nos Estados Unidos. A peça elaborada pela organização de direitos humanos International Rights Advocates (IRA) relaciona as empresas Nestlé, Mars e Hershey, além de Cargill, Mondelez e Barry Callebaut(16) ao tráfico de crianças, exploração do trabalho infantil e trabalho em condições análogas à escravidão, em países da África Ocidental.

Mesmo com denúncias desde 2005, é a primeira vez que a indústria do chocolate enfrenta este tipo de ação nos Estados Unidos.

Com o depoimento de 8 jovens do Mali, relatando o seu sequestro para trabalhar em plantações de cacau no país vizinho, Costa do Marfim, o texto da ação judicial argumenta que estes jovens representam milhares de outras crianças e jovens que se encontram na mesma situação.

Em um estudo elaborado pela Universidade de Chicago, apontou-se que entre 2018 e 2019, em Gana e Costa do Marfim, aproximadamente 43% da sua população de crianças e jovens, entre idades de 5 a 17 anos, trabalham em plantações de cacau, sob condições perigosas – como uso de facões e aplicação de pesticidas.(17)

Palavras talvez não sejam o suficiente para expressar o absurdo da situação. Então, vamos colocar em desenhos e gráficos:

Gráfico 01

A marca atual e assustadora de 1,56 milhões de crianças e jovens, somente nestes dois países, representa um aumento de 14% no trabalho infantil nas plantações, entre 2018 e 2019, e um aumento de produtividade para a produção de cacau em 62% no mesmo período(18).

Vale ressaltar que, em uma investigação feita pelo jornal estadunidense The Washington Post, estimou-se que a indústria global de chocolate movimenta cerca de US$103 bilhões em vendas anuais. Contudo, ao longo de 18 anos, o setor investiu um pouco mais de US$150 milhões para combater as violações de direitos humanos que envolvem a produção de cacau(19). Extrapolando os valores e dividindo por ano, este investimento da indústria equivaleria a 0,008% das suas vendas.

Gráfico_investimento

Você pode pensar “bem, os produtores de cacau devem lucrar muito”. Ledo engano. Os agricultores ganham, em média, de 45 a 47 centavos por dia. Este cenário de exploração degradante, somado à criação do AFCFTA – African Continental Free Trade Area (Zona de Comércio Livre Continental Africana), faz com que Gana seja um dos países a cogitar uma coibição de importações de cacau para a Suíça para iniciar uma produção própria de chocolates(20).

Além da crise humanitária alarmante, a produção de cacau nestes países da África Ocidental está relacionada a níveis altíssimos de desmatamento florestal(21). E o cacau não é o único insumo polêmico na produção do chocolate. O óleo de palma, que é amplamente usado na indústria alimentícia, também integra a lista de vilões do chocolate que causam devastação ao meio ambiente.

Curiosidade: O óleo de palma é muito conhecido e usado no Brasil. Aqui, chamamos de azeite de dendê. Ingrediente fundamental na culinária nordestina e nortista.

O cacau brasileiro: passado e futuro

 

Tudo pode parecer muito distante quando falamos em países africanos, do outro lado do Atlântico. Mas o Brasil mesmo já foi um dos maiores produtores de cacau do mundo. Com os primeiros registros de cacau na Bahia datados em meados de 1600, o Brasil teve o início do cultivo de cacau para fins comerciais em 1830, e, até os anos 90, passando por diversas mudanças sociopolíticas, a produção de cacau brasileiro ocupava as principais colocações em rankings de exportação(22).No entanto, um fungo veio para mudar tudo. A “vassoura de bruxa” dizimou as plantações de cacau na Bahia. Esta situação, somada à queda dos preços no mercado internacional da época, fez com que o setor sofresse uma grave crise(22) e não voltasse ao mesmo patamar. 

De acordo com uma publicação do Ministério da Agricultura, de 2019, o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial de produção de cacau(23), e existem muitas ambições do setor de retomar os primeiros lugares.

Esta sinalização de interesse deve acender alguns alertas. É bem verdade que os alimentos nativos do nosso país são diversos, abundantes e com um imenso potencial de comércio sustentável, por enquanto sub explorado. No entanto, há de se ter cuidado para não transformar essa valorização de alimentos brasileiros em um novo “boom de commodities”. 

Para existir um futuro saudável do Brasil dentro dos mercados de exportação de cacau, é preciso que se leve em conta os problemas socioambientais enfrentados pelos países que detém os maiores índices de produção. Afinal, aumentar vendas e produção com base em exploração infantil e desmatamento não deve ser um objetivo almejado, não é mesmo? Este alerta é importante, pois, ainda hoje, com uma produção consideravelmente menor do que Gana e Costa do Marfim, o Brasil ainda enfrenta diversas denúncias de trabalho análogo à escravidão em plantações de cacau(24).

Você já se perguntou se quem planta o cacau, chega a comer o chocolate(25)? A maioria das pessoas que prestam serviços de base no nosso país, infelizmente, não desfruta do produto do seu trabalho. E esta é uma realidade dura de alienação e expropriação da Vida.

No entanto, na contramão desta mentalidade hegemônica de produção e consumo, existem diversas iniciativas, e até mesmo empresas pequenas da indústria do chocolate, que prezam pela qualidade de vida e trabalho dos agricultores e do meio ambiente.

 

Chocolate que faz bem para as pessoas e o planeta

 

A maioria do cacau plantado no Brasil é cultivado em sistema cabruca, onde se preserva a vegetação nativa para auxiliar no crescimento dos cacaueiros. Apesar desta técnica não se restringir apenas a plantações orgânicas, é amplamente utilizada em produções orgânicas e agroecológicas.

O movimento da Reforma Agrária é um dos maravilhosos exemplos de cultivo de cacau e produção de chocolates ecológicos e de qualidade. Em movimentos como Teia dos Povos, Povos da Mata e o Movimento Estadual de Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas (Ceta), muitos agricultores e agricultoras, que antes trabalhavam numa lógica de exploração, hoje são apresentados a um processo de trabalho emancipatório. Dos saberes de povos tradicionais para o cultivo do cacau, até à produção das barras de chocolate, os agricultores são incentivados a participarem de todas as etapas de produção(26).

Não basta ser “bean-to-bar” (do grão à barra) –  movimento de produção artesanal de chocolate, que visa uma cadeia curta de produção – para ter um chocolate de qualidade. A qualidade vai muito além do sabor. Por isso, separamos aqui algumas marcas brasileiras de chocolate que utilizam matéria prima orgânica e cacau de produção cabruca.

outros cacaus

Nem só de cacau se faz chocolate e nem só chocolate se faz do cacau.

Além das barrinhas doces, o cacau tem diversas outras potencialidades alimentares subutilizadas e, por isso, é considerado uma Planta Alimentícia Não Convencional. A polpa da fruta pode ser utilizada em diversas preparações. Talvez a mais conhecida delas seja o suco de cacau – que mesmo assim, não é muito popular em algumas regiões do Brasil. Somente no livro Guia das PANC(5), há três receitas diferentes preparadas com a polpa de cacau: geleia, bolo e salada de cacau verde.

Nesse sentido, como já abordamos anteriormente, se faz necessário observar que temos diversas espécies de cacau, para além das três variedades mais comercializadas pelos produtores de chocolate.

Esta biodiversidade também se expressa em outras variedades de “chocolates alternativos” que são comercializados. Os dois mais populares são:

Alfarroba

alfarroba

A alfarroba é um doce feito a partir das sementes de bagas da Alfarrobeira (Ceratonia siliqua), muito parecido com chocolate na aparência, que não leva adição de açúcar na produção, uma vez que as sementes já possuem sabor adocicado.

Cupulate

cupulate

O Cupulate é um doce muito parecido com o chocolate, feito a partir das sementes do Cupuaçu (Theobroma grandiflorum), fruta amazônica parente do Cacau (Theobroma cacao). O doce possui sabor um pouco mais ácido – característica predominante no sabor do cupuaçu – e é facilmente encontrado em versões veganas para consumo.

 

Não falamos aqui sobre a quantidade obscena de açúcar refinado encontrada na maioria dos chocolates, nem da extensa lista de aditivos químicos que a indústria utiliza, ou do contra-senso de muitos destes chocolates quase não terem cacau na sua composição.  

Nosso objetivo o de construir um contexto histórico para repercutir a ação judicial que escancara a iniquidade dos grandes conglomerados da indústria frente às assombrosas, históricas e recorrentes violações de direitos humanos, que somente agora começam a ser seriamente questionadas.

É muito simbólico e sintomático que esta atividade comercial tenha começado com o massacre dos povos mesoamericanos e até hoje rouba a vida de milhares de pessoas. A ação judicial movida pela International Rights Advocates (IRA) é um marco histórico com potencial de, pela primeira vez, abalar a indústria do chocolate a ponto de efetuar mudanças significativas. Que seja apenas o início, e que não pare no chocolate.

Fontes:

1) TED | The history of chocolate – Deanna Pucciarelli
https://ed.ted.com/lessons/the-history-of-chocolate-deanna-pucciarelli

2) Revista Galileu | Chocolate para todos os gostos
http://galileu.globo.com/edic/117/rep_chocolate.htm#:~:text=Estima%2Dse%20que%20foi%20do,que%20surgiu%20a%20palavra%20chocolate.&text=Em%201519%2C%20Cortez%20tomou%20contato,divino%2C%20que%20aumenta%20a%20resist%C3%AAncia.

3) History Stories | Chocolate’s Sweet History: From Elite Treat to Food for the Masses
https://www.history.com/news/the-sweet-history-of-chocolate

4) G1 | Reportagem
http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/09/pesquisa-diz-que-cacau-e-originario-da-amazonia-nao-da-america-central.html

5) KINUPP, Valdely Ferreira; LORENZI, Harri. Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil –  Guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas, 2014.

6) Candy Industry | 2021 Global Top 100 Candy Companies | Candy Industry
https://www.candyindustry.com/2021/global-top-100-candy-companies

7) Phayanat | What are the different varieties of cacao?
https://chocolatephayanak.com/unkategorisiert/what-are-the-different-varieties-of-cacao/

8) Chocólatras Online | Chocolates premium serão como vinhos
https://chocolatrasonline.com.br/chocolates-premium-serao-como-vinhos/

9) Perfect Daily Grind | Getting to know the three main cacao varietieshttps://perfectdailygrind.com/2018/08/is-criollo-chocolate-really-king-the-myth-of-the-3-cacao-varieties/

10) Estadão | Chocolate rosa chega às lojas do Brasil e é tendência para 2019
https://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,chocolate-rosa-chega-as-lojas-do-brasil-e-e-tendencia-para-2019,70002703349#:~:text=Apresentado%20como%20uma%20intensa%20experi%C3%AAncia,processadoras%20de%20cacau%20do%20mundo.&text=Os%20gr%C3%A3os%20do%20cacau%20que,no%20Brasil%20e%20no%20Equador.

11) BBC | A redescoberta da árvore de cacau responsável pelo ‘Rolex dos chocolates’
https://www.bbc.com/portuguese/vert-tra-52945424

12) Forbes | 10 países que mais consomem chocolate no mundo
https://forbes.com.br/listas/2015/07/10-paises-que-mais-consomem-chocolate-no-mundo/

13) CACAU FINO: conceitos e evolução no Brasil | Universidade Estadual de Santa Cruz
https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/ceplac/publicacoes/chocolates-finos-e-de-aroma/cacau-fino-conceitos-e-evolucao

14) Folha de São Paulo | Ação nos EUA liga indústria do chocolate a trabalho infantil na África
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/02/acao-nos-eua-liga-industria-do-chocolate-a-trabalho-infantil-na-africa.shtml?origin=folha

15) IMDB | The Dark Side of Chocolate
https://www.imdb.com/title/tt1773722/

16) Folha de S.Paulo | Ação nos EUA liga indústria do chocolate a trabalho infantil na África
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/02/acao-nos-eua-liga-industria-do-chocolate-a-trabalho-infantil-na-africa.shtml

17) NORC | Assessing Progress in Reducing Child Labor in Cocoa Growing Areas of Côte d’Ivoire and Ghana
https://www.norc.org/Research/Projects/Pages/assessing-progress-in-reducing-child-labor-in-cocoa-growing-areas-of-c%C3%B4te-d%E2%80%99ivoire-and-ghana.aspx

18) The Guardian | Chocolate industry slammed for failure to crack down on child labour
https://www.theguardian.com/global-development/2020/oct/20/chocolate-industry-slammed-for-failure-to-crack-down-on-child-labour

19) Folha de S.Paulo | Boa parte do chocolate que você compra começa com trabalho infantil
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/boa-parte-do-chocolate-que-voce-compra-comeca-com-trabalho-infantil.shtml

20) Jornal Clarin Brasil | Gana Opta Por Não Fornecer Mais Cacau Para A Suíça
https://jornalclarinbrasil.com.br/2021/03/13/gana-opta-por-nao-fornecer-mais-cacau-para-a-suica-e-pretende-o-proprio-pais-produzir-em-solo-africano-o-chocolate-mais-famoso-do-mundo/

21) ONU News | ONU alerta para impacto ambiental da produção de cacau 
https://news.un.org/pt/story/2019/04/1668941

22) Mercado do Cacau | História do Cacau
https://www.mercadodocacau.com.br/artigo/historia-do-cacau/rss.xml

23) Ministério da Agricultura | Brasil quer ganhar posições na produção mundial de cacau e chocolate
https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/brasil-quer-retomar-protagonismo-no-cenario-global-de-cacau-e-chocolate

24) Repórter Brasil | Monitor: O Trabalho escravo no Cacau da Bahia
https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2020/10/Monitor-6-Cacau-PT.pdf

25) Hypeness | Eles produzem milhões de toneladas de cacau na Costa do Marfim, mas nunca tinham provado o resultado: chocolate.
https://www.hypeness.com.br/2014/09/produtores-de-cacau-da-costa-do-marfim-provam-chocolate-pela-primeira-vez/

26) O Joio e o Trigo |  Nascida da ‘Reforma Agrária’, a quarta geração do Cacau na Bahia
https://ojoioeotrigo.com.br/2019/10/nascida-da-reforma-agraria-a-quarta-geracao-do-cacau-na-bahia/

Diga adeus a tudo que é fast

Diga adeus a tudo que é fast

Por Kellen Vieira

Nos anos 90 o mundo entrou numa onda de consumo “fast and furious” onde tudo é pra ontem. Na alimentação, falamos muito sobre como os fast foods podem ser nocivos à nossa soberania alimentar e até mesmo à nossa saúde. Mas o que temos a dizer sobre o fast fashion?

Para quem ainda não conhece esse termo, o fast fashion se refere à parte da indústria da moda representada por tendências rápidas, acompanhadas por uma produção em larga escala e de maneira globalizada. Por isso os sites estrangeiros conseguem vender os mesmos modelos de roupa para o mundo todo.

É muito comum ver nas etiquetas, caixas e demais produtos a etiqueta “made in china” (feita na china). Inclusive, não só a China, mas vários países orientais, são protagonistas e cresceram suas economias com essa produção em larga escala que perpassa a lógica do fast fashion.

E qual o impacto real disso?

Essa pergunta é importante pois devemos pensar sobre o ciclo que envolve a indústria da moda, e por mais que às vezes a gente não associe nossas roupas à agricultura, muitas malhas são feitas a partir de uma plantinha, o algodão.

Da mesma forma que alimentos como a soja e o milho deixaram de ser alimentos para virar commodities, o algodão também integra esta categoria. Isso significa que ele faz parte de um ciclo de monocultura que inclui muitos agrotóxicos e transgênicos – 80% do algodão produzido no Brasil é transgênico e, em escala global, cerca de 64% da produção corresponde à plantações de algodão transgênico. 

Mas como nem tudo são plantas, o poliéster veio como um material que não amassa e que tem uma durabilidade muito boa. Inclusive, ele demora 400 anos para se decompor, isso porque sua produção é feita com a utilização de óleo, mais especificamente o petróleo, muita água e uma parte de algodão – olha ele aqui de novo.

O poliéster pode poluir a água e o ar através da liberação de toxinas resultantes da sua produção, o que impacta diretamente nas comunidades próximas aos locais de produção, bem como a fauna e a flora local.

Por falar em fauna, não podemos esquecer do couro: esse famoso e procurado material que tem origem animal, e que faz parte da história da moda.

O couro passa por diferentes processos para virar aquele material de cheiro forte nas lojas. Considerando que ele é a pele de um animal, podemos imaginar a quantidade de produtos químicos e a quantidade de água que é utilizada para chegar ao resultado final. Todos esses processos possuem impactos significativos para o meio ambiente. 

E se não bastasse a poluição resultante da produção, temos também a poluição resultante do descarte. Como sabemos, quando jogamos algo fora, nunca é para fora do planeta e sim para fora das nossas casas. A produção de lixo tem ganhado destaque quando falamos de comida, afinal é visto como desperdício, mas para onde vai aquela meia velha que você jogou fora?

Para o lixo. 

O lixo têxtil tem se tornado um grande problema, advindo da prática de produção e consumo do fast fashion. Afinal, se não posso repetir roupa e tenho que “estar na moda”, as roupas da coleção passada eu faço o que? 

A doação em si não é uma má ação, muitas famílias precisam de roupas e agasalhos. Porém, com a lógica de produção, consumo e descarte que temos atualmente, nem a doação daria conta de toda a roupa que é descartada. E para se ter uma idéia, só o Brasil produz anualmente 175 mil toneladas de lixo têxtil por ano. Vale lembrar que nem somos o país que mais produz.

É importante falar do descarte, é importante falar da origem, mas precisamos também falar da produção.

A produção mexe com um assunto mais sensível: os fatores sociais por trás das relações de trabalho, que são empregadas no sistema do fast fashion. Alguém costurou essa blusinha linda que você está vestindo enquanto lê tudo isso. 

Historicamente, a indústria têxtil é marcada por condições precárias de trabalho. O fast fashion agravou uma situação que já era ruim. A alta demanda de produção e a diminuição do preço dos produtos, resultam em trabalhadores recebendo menos para trabalhar mais. Diversos dossiês apontam que, principalmente no oriente, mas também no Brasil, diversas marcas famosas vistas como “grife de departamento” utilizam trabalho análogo à escravidão em suas cadeias produtivas.

E aqui trago a reflexão sobre o lucro, pois, nessa lógica, para o consumidor o preço é caro e o produtor tem que fazer tudo para o produto ser cada vez mais barato.

Se você chegou até aqui, você, com certeza, já absorveu muita informação sobre como é a cadeia produtiva na lógica fast fashion e já deve estar pensando: “o que eu posso fazer?”.

O que podemos fazer é parar de pensar na moda como um sinônimo para o consumo. A moda também não se limita a roupas. A moda é um estilo de vida que expressa a particularidade dos indivíduos para o mundo e pode ser expressada através do jeito de se vestir.

Ao assumir a moda como um estilo de vida, devemos pensar também na diversidade da vida no planeta, abraçando a moda de um viés mais devagar.

O Slow fashion vem em contrapartida ao fast fashion, trazendo diferentes perspectivas ao consumo de roupa, desde peças biodegradáveis, com algodão orgânico, roupas recicladas e até mesmo os brechós e bazares que fazem as peças circularem por mais tempo e impedem que sejam jogadas no lixo.

Peço que pense no seu vestuário como você pensa sua comida, valorize o local, rejeite os sintéticos, diga não aos transgênicos e não desperdice! 

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FONTES:

https://ehjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12940-018-0433-7

https://ejesam.ufsc.br/fast-fashion-x-slow-fashion/

https://www.fashionrevolution.org/brazil-blog/como-comecam-nossas-roupas-saiba-como-o-poliester-algodao-e-viscose-sao-produzidos/#:~:text=Para%20a%20fabrica%C3%A7%C3%A3o%20da%20fibra,e%20os%20mant%C3%A9m%20alinhados%20continuamente.

http://www2.eca.usp.br/moda/monografias/Julia.pdf

https://www.canalrural.com.br/noticias/curiosidades-que-voce-precisa-saber-sobre-algodao-68417/

https://www.metropoles.com/colunas/ilca-maria-estevao/estudo-alerta-para-os-impactos-ambientais-do-fast-fashion

Conheça o Jambolão

Conheça o Jambolão

O jambolão (Syzygium cumini) é a nossa PANC de hoje. Trata-se de uma árvore originária da Índia, pertencente à família das Mirtaceae, assim como a jabuticabeira, a gabiroba, a pitangueira e o araçá. No Brasil, também é conhecido como jamelão, jalão, jambeiro, guapê e baga de freira.

A árvore do jambolão – que é frondejante, troncuda e ramosa – chega a cerca de 10 metros de altura e é muito comum nas cidades do Brasil como planta ornamental, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país. Em Porto Alegre, por exemplo, há inúmeras árvores de jambolão nas ruas de todos os bairros da cidade. A capital gaúcha é uma grande plantação de jambolão!

Bem adaptada a climas tropicais, solos ricos em nutrientes e solo úmido ou pouco úmido, a árvore do jambolão produz uma quantidade enorme de flores brancas e frutos. Os frutos maduros do jambolão parecem bagas pretas, muito semelhantes às azeitonas e podem ser consumidos ao natural, direto no pé, ou transformado em geleias, doces, sorvete, bebidas fermentadas, vinho, frisante, licor, tintura e até em vinagre.

Muita gente não sabe o seu nome, mas o pequeno fruto ovóide arroxeado-escuro é conhecido por tingir as calçadas com sua cor e exalar seu cheiro, que atrai muitos pássaros e insetos. As pessoas também não têm o hábito de consumir os frutinhos do jambolão que têm gosto adstringente, mas consistência macia. Entretanto, as pessoas mais velhas que conhecem o fruto geralmente usam o chá das folhas da árvore com fins terapêuticos, devido às propriedades antioxidantes presentes nelas, que são ótimas para prevenir o envelhecimento e para fortalecer o sistema imunológico.

O pequeno fruto do jambolão é rico em vitamina C, fósforo, flavonoides e taninos, que são substâncias muito importantes para remediar doenças cardiovasculares e diferentes tipos de câncer. Acredita-se também que o jambolão melhora sintomas de prisão de ventre, diarreia, cólicas, gases intestinais, problemas no estômago e no pâncreas.

Outro potencial de uso do jambolão é a cocção da casca da árvore do jambolão, que apresenta propriedades anti-inflamatórias e anticarcinogênicas, assim como as folhas, que, acredita-se, provoca ação hipoglicemiante. E o chá da casca pode ser usado para aliviar processos inflamatórios. No entanto, não há evidências científicas de que os chás das folhas ou da casca de jambolão realmente tenham efeito anti-hiperglicêmico e/ou antidiabético. Já o extrato das folhas do jambolão apresenta ação antiviral, anticarcinogênica, antibacteriana e antialérgica.

As sementes, as folhas, os frutos e produtos derivados do jambolão podem ser encontrados em sites que comercializam sementes e mercadorias fitoterápicas. Mas se você passear pelas ruas de seu bairro e de sua cidade, há grandes chances de você se deparar com uma grande árvore de jambolão sobre a calçada ou em praças.

Texto por André Torresini

Algumas indicações de leitura sobre as propriedades terapêuticas do consumo do jambolão:

Ayyanar M, Subash-Babu P. Syzygium cumini (L.) Skeels: a review of its phytochemical constituents and traditional uses. Asian Pac J Trop Biomed. 2012. March;2(3):240–6. – PMC – PubMed.

Chagas VT, França LM, Malik S, Paes AM. Syzygium cumini (L.) Skeels: a prominent source of bioactive molecules against cardiometabolic diseases. Front Pharmacol. 2015. November;6:259. – PMC – PubMed.

LOGUERCIO, A. P. et al. Atividade antibacteriana de extrato hidro-alcólico de folhas de jambolão (Syzygium cumini (L.) Skeels). Ciência Rural, Santa Maria, v. 35, p.37-376, Mar./Abr. 2005.

Raza A, Butt MS. Iahtisham-Ul-Haq, Suleria HAR. Jamun (Syzygium cumini) Seed and Fruit Extract Attenuate Hyperglycemia in Diabetic Rats. Asian Pac J Trop Biomed. 2017;7(8):750–4.

Teixeira, Claudio Coimbra. Syzygium cumini (L.) Skeels no tratamento do diabetes melito tipo 2 : resultado de um ensaio clínico randomizado, controlado, duplo-cego e double-dummy. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Medicina: Clínica Médica. 2004.

A maconha é PANC

A maconha é PANC

Por Kellen Vieira

Hoje dia 20/04, na lógica da data estadunidense, dia 04/20 é o dia dela, a que tem vários nomes e apelidos, extremamente popular e polêmica, e com toda certeza muito versátil: A Maconha!

Membro da família Cannabaceae que inclui 11 gêneros e mais de 170 espécies que inclui a Cannabis sativa, Cannabis ruderalis e Cannabis indica, não se sabe ao certo quem foram os primeiros a registrar os usos da Cannabis em sua cultura.

Há indícios que os chineses já utilizavam a Cannabis para fins medicinais, bem como o cânhamo para a confecção de papel. Também há registros do uso da planta na Índia durante a era védica e, por fim, existem alguns registros da presença da cannabis na Pérsia.

Independente disso, sabemos que a cannabis era utilizada como um medicamento, sendo registrado na primeira farmacopeia da história: o livro chinês Pen Tsao. Lá era indicado o uso para alívio de dores articulares.

Registros históricos também mencionam a presença do cânhamo na fabricação de tecidos, papéis, palitos, óleo, velas e cordas de navio desde a Grécia e Roma antiga até o período de expansão marítima. Inclusive, as velas e cordas das caravelas portuguesas que vieram para o que hoje é o Brasil, eram feitas de cânhamo.

Por sua versatilidade de uso, a maconha já foi um dos principais produtos agrícolas europeus, marcando o momento renascentista onde as telas eram feitas a partir do cânhamo. Nesse sentido, a palavra canvas, que significa tela em diversas línguas, tem origem na palavra cannabis.

Desde tecidos, papéis e até mesmo como fonte de energia, a Cannabis tem usos muito além do seu popular psicoativo, o THC – cujo uso, de acordo com pesquisas recentes, acontece há pelo menos 2,5 mil anos.

Um outro uso da verdinha, é o comestível: ela é super nutritiva, com grandes concentrações de ômega 3 e ômega 6. Além disso, é rica em proteínas e minerais. A sua semente, riquíssima em aminoácidos, ácidos graxos e proteína, é utilizada como ingrediente em pratos indianos como Bosa, Mura, Bangue e até mesmo em Chutneys. Algumas etnias sul-africanas também utilizam a semente na alimentação de bebês devido ao seu valor nutritivo.

Além da semente, as folhas também podem ser utilizadas para fazer desde infusões, até pratos mais elaborados como: Pesto, biscoitos, molho chimichurri e saladas.

É importante enfatizar que o THC, canabinóide responsável pelos efeitos psicoativos, estão presentes de maneira insignificante na semente e leve nas folhas, ou seja, o consumidor pode ficar tranquilo que não ficará “chapado”.

Talvez você já tenha ouvido falar de Cruzeta, no Rio Grande do Norte. Uma cidade pequena, que ficou famosa por uma matéria jornalística de 1996 que se popularizou nos últimos anos no YouTube. Na pequena e pacata cidade, vários habitantes faziam uso medicinal de uma planta conhecida por “liamba”, chegando a cultivá-la nos canteiros da cidade. Confira a matéria:

Em 2018, a BBC fez uma longa matéria sobre o caso na cidadezinha. A planta, que se tratava de uma variação de maconha, foi identificada por um policial que deu início a uma investigação na cidade. Os habitantes que faziam uso da planta, em sua maioria, eram idosos e ficaram muito assustados, com medo de serem presos. 

Portanto, apesar desse histórico de usos, atualmente a Cannabis não é legalizada no Brasil para o uso geral, então nada de plantar e dizer que é para botar na salada viu?

De qualquer forma, é importante que a gente abra o diálogo sobre o porquê uma planta é proibida. Mesmo que para tratamentos medicinais com eficiência comprovada em diversos países, como o excelente tratamento para epilepsia, por exemplo. Aqui no Brasil, pessoas enfrentam ações jurídicas para acessar medicamentos à base de cannabis. E, mesmo para o uso recreativo, é necessário questionar a quem serve o interesse de manter esse proibicionismo que trava uma guerra perdida e que leva o Brasil a índices exorbitantes de violência e mortes principalmente de corpos pretos e periféricos.

Fontes:

https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2019/06/encontradas-evidencias-de-fumo-de-maconha-ha-25-mil-anos

O grande livro da cannabis: https://matonoprato.com.br/2019/12/04/maconha/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45475933#:~:text=A%20pequena%20cidade%20de%20Cruzeta,pra%C3%A7a%20e%20at%C3%A9%20no%20cemit%C3%A9rio.

Sistema alimentar brasileiro durante a ditadura

Sistema alimentar brasileiro durante a ditadura

Por Kellen Vieira

No dia 31 de março de 1964 foi o início de um dos piores momentos históricos do Brasil. A ditadura militar brasileira foi uma das ditaduras que durou mais tempo na América Latina, e foi um período de terror, marcado por censura e violência. A ditadura também foi o período do suposto “milagre econômico” que levou o Brasil à falência a partir da década de 70. E tudo teve início com a questão da reforma agrária.

Ao assumir o poder após a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart colocou a reforma agrária no centro do embate político brasileiro. A reforma era mais do que esperada, segundo dados do IBGE da época dos 79,8 milhões de brasileiros, 33 milhões viviam em área rural, em situações de extrema pobreza. Mesmo com uma grande população rural, a produção agrícola era escassa e os latifúndios inúmeros. Importante salientar que esses latifúndios em sua maioria eram improdutivos.

O movimento a favor da reforma agrária era orquestrado pelas Ligas Camponesas e pelo Partido Comunista Brasileira (PCB). Em contrapartida os grandes proprietários de terras, que se opunham à reforma, eram parlamentares.

Mesmo com a tomada de poder pelos militares, a pressão camponesa pela reforma agrária induziu o presidente da época, General Castelo branco a assinar o Estatuto da Terra (Lei Nº 4.504/64) em 30 de novembro de 1964, vigente até hoje. De modo geral, a ditadura foi a principal responsável por estancar o movimento da reforma agrária nos anos 60 e 70, com uma reforma que está apenas no papel.

Em teoria o Estatuto da Terra pensa a estrutura agrária brasileira de acordo com as necessidades econômicas e sociais. É importante enfatizar que a reforma agrária está diretamente ligada ao acesso e produção da alimentação, sendo assim um dos pontos estratégicos para a garantia da Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional para toda a população.

Mesmo passados 57 anos o estatuto ainda não cumpriu seu papel em totalidade apesar de alguns avanços pontuais como: a indenização por desapropriação de terras, a legalização das relações trabalhistas no campo, a apropriação sustentável dos recursos naturais para produção, entre outros. O Estatuto também criou dois órgãos para sua execução: o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária e o Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário.

As limitações em torno dessa lei são expressivas, pois os dispositivos de desenvolvimento agrícola que são dominados por uma política conservadora que não possibilita uma reforma agrária abrangente. Com a constante reeleição de famílias que são latifundiárias, que integram a bancada ruralista, também chamada de Bancada BBB ( bala, boi e bíblia) que usam a máquina pública em favor de seus interesses, a reforma agrária vai se estendendo como um sonho cada vez mais distante.

E, apesar da volta da força do movimento agrícola como o MST na década de 80 esse impasse da reforma agrária persiste até hoje, assim como os conflitos sangrentos e perversos no campo que são motivados essencialmente pelos problemas sociais e abuso de poder dos latifundiários, e coronelistas brasileiros.

O período também foi marcado por um grande, e falso crescimento econômico, que deu início ao aumento da desigualdade no país, ao mesmo tempo que fazia o Brasil atingir níveis de inflação acima de 60% ao ano. Com a estratégia econômica do dito “arrocho salarial” para conter a crise, os salários tinham reajustes abaixo dos níveis de inflação, o que deu certo por um tempo. Porém em 1980, nós tivemos a chamada “década perdida”, e essa situação se estendeu até a implementação do plano real, em 1994.

Com a variação diária da inflação, os preços dos alimentos, e outros itens, eram alterados diariamente, e até mais de uma vez por dia. Como estratégia para lidar com essa instabilidade, os brasileiros passaram a fazer todas as suas compras uma vez por mês. Dessa forma, era possível fugir do aumento de preço do dia seguinte e garantir o acesso à alimentação. Esta época foi tão marcante que incorporamos esta medida em hábitos culturais e ela perdura até hoje.

Porém o resultado disso após a estabilização da economia é um consumo exagerado que resulta em um desperdício, por brasileiro, de aproximadamente meio quilo de alimentos por dia, o que equivale a 10% de todo desperdício de alimentos no Brasil, segundo a organização banco de alimentos. Nesse estudo foi constatado que “na colheita, o desperdício é de 10%. Durante o transporte e armazenamento, a cifra é de 30%. No comércio e no varejo, a perda é de 50%”. O resultado disso é que o Brasil é um dos 10 países que mais desperdiçam alimentos no mundo. Esse desperdício está combinado com um alto nível de pobreza e insegurança alimentar.

A ditadura foi um marco da história brasileira que retrata um passado sangrento e que deixou marcas irreparáveis na sociedade. Ver isso sendo comemorado em plenário, ou por pessoas com o pretexto do crescimento econômico e combate a corrupção é infundado e mentiroso, pois como vimos, os políticos continuaram governando esse país com ainda mais liberdades e interferências na vida das pessoas. E mesmo que esse discurso fosse verdadeiro, as atrocidades cometidas e a privação da liberdade não devem ser colocadas à prova em favorecimento ao capital.

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FONTES:

– https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45960213
– https://www.brasildefato.com.br/2019/11/30/lei-da-ditadura-que-estabeleceu-funcao-social-da-propriedade-completa-55-anos
– http://lemad.fflch.usp.br/node/5280
– https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/03/24/1964-pouco-antes-do-golpe-reforma-agraria-esteve-no-centro-dos-debates-no-senado
– https://www.ocomuniqueiro.com.br/2018/09/09/por-que-fazemos-a-compra-do-mes-no-supermercado/
– https://www.ecycle.com.br/3007-desperdicio-de-alimentos.html

Em panelão de existência | Entrevista com Maria Conceição | Matriarcas #8M

Em panelão de existência | Entrevista com Maria Conceição | Matriarcas #8M

Entrevista realizada por BRUNA DE OLIVEIRa

Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, queremos evidenciar histórias de mulheres negras que, ao longo da sua trajetória, lutam pela mitigação das iniquidades adensadas sob o cotidiano da população negra no país. Conversamos com Maria Conceição, mulher uma baiana de nascimento e uma paulista de coração.

Aos 60 anos ingressou numa graduação de Gastronomia e reinventou sua trajetória profissional graças a sua proximidade com as receitas antigas de sua mãe. Maria é bacharel em Gastronomia, atua como cozinheira e pesquisadora da cozinha negra e afro-brasileira. Ministra oficinas em quilombos como mediadora e busca recuperar receitas que atuam na reafirmação da memória de seus antepassados, recuperação da autoestima e fortalecimento do protagonismo às diásporas negras na cozinha.

Conte-me um pouco sobre você. Quantos anos você tem? Onde você nasceu? Onde você mora atualmente? Quais seus projetos atuais? Como você chegou até o tema da alimentação?

Eu tenho 66 anos. Eu nasci em Itabuna, na Bahia. Vim para São Paulo com 8 anos e desde então eu moro aqui [em São Paulo]. Eu carrego a marca do dendê no coração, mas hoje eu me considero paulista. Eu gosto dessa cidade. Eu gosto dos estranhamentos dessa cidade. Quando você faz e tem sua própria “tribo” fica tudo tão mais fácil aqui. Tenho amigos tão dedicados. Eu não penso em morar em outro lugar do mundo que não seja São Paulo, por causa dessa afetividade que a cidade me permitiu.

Há dez, quinze anos atrás, minhas amigas traziam um monte de roupas da África… Aqueles chapéus, aquelas roupas… Hoje, eu não vejo ninguém mais fazer isso. Mas, assim, eu ficava decepcionada, porque eu saía pela cidade vestida com aquelas roupas e ninguém nem olhava para mim, eu só mais uma pessoa da cidade, com estilo próprio, meu jeito…

Eu sempre fui militante de esquerda. Fiz parte daquela galera que iniciou as discussões sobre questões étnico-raciais do movimento negro de São Paulo. Fiz parte da criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo. O meu núcleo era o de Pinheiros. Fiz parte do nascimento da CUT.

Eu estudava muito, lia muito, tanto que uma amiga minha brincava que eu era a primeira pessoa que antes de entrar na faculdade já tinha um artigo publicado.

Em um momento da minha vida, minha mãe tinha ficado doente, em uma condição não muito legal. Um amigo, o poeta Hamílton Faria de Curitiba, me aconselhou a anotar todas as receitas de minha mãe. Aí eu iniciei o processo de recolher todas as receitas de minha mãe, mas também todas as histórias de mulheres na cozinha. A partir disso, publiquei um artigo sobre mulheres negras na cozinha.

Aos 60 anos, eu decidi deixar de ser autodidata e, logo, entrei na faculdade. Me formei em Gastronomia, continuei trabalhando e nunca deixei de realizar pesquisas. Diante disso, resolvi fazer uma pós-graduação nas áreas que eu mais tinha afinidade: História, Cultura e Gastronomia. Sempre gostei muito de fontes, de pesquisar. Eu não entendo “a receita pela receita”. Gosto de “ir fundo” quando eu faço uma receita. Gosto de pesquisar a origem dessa receita, de onde ela veio, como é a sua história cultural…

Enquanto eu escrevia o livro de receitas de minha mãe e as histórias de mulheres negras na cozinha, eu conheci o movimento negro. Eu me identificava com as discussões que estavam sendo apresentadas pelo movimento. Tudo isso deu um ganho maior de qualidade para as minhas pesquisas posteriores.

Em outro momento da minha vida, eu me deparei com uma “postagem” (sic) sobre Slow Food, da Neide Rigo, e entrei para esse movimento também. Mergulhei e não saí mais.

Assim, a sua própria história com a comida não deve ser única, é preciso mergulhar em várias coisas. Por exemplo, é apaixonante o Movimento Sem Terra (sic)… Tem que olhar para eles e ter esse entendimento que a comida, a cozinha, ela não é só memória, não é só história, cultura… Ela é política também. Tudo isso está no meu panelão.

Existem marcas africanas na culinária brasileira? Se sim, quais são elas?

Sim. Não há como questionar. A culinária africana permeia a cozinha brasileira. Ela é uma forte marca na cozinha brasileira. Na cozinha de santa está impregnada a culinária africana. Vejo-a também impregnada na cozinha dos quilombos, que é de uma pureza incrível. Quando a  gente fala em cozinha brasileira, há muita coisa que por uma questão de modismo a gente não vê mais… E as coisas mudam conforme a chegada de novas modas. A cozinha brasileira é feita de pratos exuberantes. A gente não vê mais rabada, bucho… Um dia fui procurar a rabada para comprar e estava 40 reais o quilo. Ela se valorizou à medida que passou a ser rotulada de gastronomia.

Eu vejo também na cozinha vegana o DNA africano, ainda que o movimento vegano tenha ficado muito marcado pela cozinha da elite branca. Mas tem elementos da cultura negra nela também. Ensopadinho de Ora Pro Nobis, comida de quintal, comida de brejo são preparos que sempre fizeram parte da vida das mulheres negras. Então, eu antevejo um renascimento da cozinha africana no movimento vegano.

Como foi para você entrar na faculdade com 60 anos?

Eu percebi uma certa discriminação etária. Quando se é mais velho, você é meio que deixado de lado. E eu perguntava muito. Sou muito perguntadeira. Criei várias situações com os professores. Muitos deles me odiavam por isso. Mas eu perguntava, porque via coisas que os jovens não viam. Quando eu não entendia, eu perguntava também. e os professores que me deixavam mais à vontade eu entendia os conteúdos mais facilmente. Eu me saí muito bem em matérias que eu não sabia nada. Quando se aprende e se entende, é uma coisa maravilhosa. 

Por um lado, foi bem puxado frequentar a faculdade. Eu saía de casa às 5 e meia. Pegava lotação com uma mala pesadíssima, como todo tipo de facas, utensílios… Eu ficava muito cansada. Houve um dia em que eu estava tão cansada que resolvi ir embora. Quando eu estava saindo, a professora me fez voltar e ficar. E outra vez, outra professora não permitiu que eu sentasse em um banquinho para descansar. Para elas, a cozinha é assim: militarizada. Mas não para mim. Elas viam a cozinha como um lugar rígido, militarizado… Acho isso uma ideia horrorosa. Eu não gosto disso. É como é nos mostrado nesses “reality show”, os chefes acabando com os alunos, humilhando-os. Eu acho isso uma falta de respeito. Enxergo nisso o autoritarismo, o fascimo.

Por outro lado, a pós-graduação foi bem gostosa. Fui apresentada a muitos autores. Conheci e li muitos textos. Foi bem legal.

Que mensagem você deixa para as mulheres mais jovens que desejam trilhar caminhos semelhantes aos teus?

O que eu tenho a dizer às mulheres negras mais jovens é para que esqueçam “o lugar de negro na cozinha”. O nosso lugar é outro, é no alto da cozinha. Eu acho muito legal ver mulheres negras cozinhando, se tornando e se intitulando chefs… Eu acho que as mulheres têm de ir para a cozinha; mas que isso seja feito tornando a cozinha outro lugar. E não esse lugar que nos escravizou, nos deteve, servindo ao patrão… As mulheres devem ir para a cozinha para criação, para se empoderar.

Se inspirem em mim. eu tenho só 10 anos na carreira de cozinheira. Eu tenho material de divulgação, tenho reportagem em jornal da Itália… Eu vou bem, obrigada. Nunca desistam. Olhem para mim, eu estou “aqui”.