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PANC: 10 anos do acrônimo no Brasil | Autobiografia de Valdelly Kinnup

PANC: 10 anos do acrônimo no Brasil | Autobiografia de Valdelly Kinnup

Valdelly Kinnup

O Brasil é o país da megafitodiversidade, contudo, utiliza pouco da sua vasta riqueza botânica para o consumo corriqueiro nas nossas triviais três grandes refeições diárias. Os ingredientes diferenciados mesmo na dita Alta Gastronomia ou Alta Cozinha são utilizados de forma incipiente. Mesmo restaurantes mais refinados e com pegadas inovadoras de valorização dos ingredientes locais, regionais ou nacionais ainda deixam muito a desejar em termos de usos reais e de forma mais intensa e constante, nos cardápios fixos ou mesmo nos cardápios diários ou sazonais. E muitos dos que tem feito isso nos últimos anos, na maioria das vezes, fazem de uma forma um pouco equivocada, pois utilizam os ingredientes inusitados em quantidades muito pequenas e/ou apenas os utilizam na finalização de pratos e, muitas vezes, apenas como elemento decorativo.

Naturalmente, que um dos gargalos para o uso mais efetivo e real destes ingredientes não convencionais é a falta da matéria-prima, ou seja, não tem produtores e fornecedores com regularidade e/ou quantidade/qualidade. Mas, a demanda gera a oferta e a oferta atrelada a informação advinda dos trabalhos de pesquisa, ensino e extensão podem também gerar a demandas. A célebre frase: “Não vende porque não tem e não tem (nas feiras, restaurantes,…) porque não vende” (i.e., não tem procura dos clientes e comensais).

Diante deste grande potencial alimentício da flora brasileira, desde os tempos coloniais, diferentes naturalistas e autores de áreas diversas do conhecimento vem tentando sistematizar a catalogar a diversidade de plantas com potenciais para a alimentação humana. Contudo, era algo feito de forma bem acadêmica e com circulação mais restrita, seja pelo escopo da obra seja pelas limitações gráficas, de divulgação e circulação consequência dos longínquos mais de 300 anos de colonização fechada do Brasil.

Mesmo, no século XX as poucas publicações disponíveis no Brasil sobre plantas com potenciais alimentícios eram muito escassas e de pouca envergadura, abordando em geral poucas espécies, sem receitas ou receitas sem as devidas ilustrações e/ou fotografias que não instigava tanto a comunidade acadêmica e nem os comensais em geral. Além disso, não tinha uma expressão ou sigla/abreviatura/acrônimo eufônico e midiático que congregasse esta temática de pesquisa, ensino e extensão e atualmente uma área de engajamento profissional e de empreendedorismo com facetas múltiplas.

Muitos destes trabalhos (livros, cartilhas, Dissertações ou Teses) tinham no título palavras como “plantas ruderais”, “ervas espontâneas”, “frutas indígenas”, “pomalogia”, “plantas úteis”, “alimentos regionais”, “ervas daninhas comestíveis”, “ervas comestíveis”, “plantas alimentícias alternativas”, “plantas comestíveis silvestres”, entre outros termos e/ou expressões pouco chamativos ou convidativos. Além de muito limitantes geograficamente e/ou em relação às partes com usos alimentícias (e.g., segregando frutas, hortaliças, plantas aromáticas, condimentares e miscelâneas com usos alimentícios de difícil categorização, e.g., sucedâneas de produtos diversos, tais como sal, açúcar, corantes, água,…). Mesmo expressões um pouco mais técnica tinham restrições em relação a grande diversidade que deve ou deveria compor nossa alimentação cotidiana, e.g., “hortaliças não convencionais” (HNC); “hortaliças tradicionais” (HT) ou “hortaliças regionais” (HR) e estes acrônimos sem vogais e/ou muito curtos não tiveram e não têm muito chamariz e apelo.

Eu mesmo nos meus primeiros textos e títulos de resumos ou palestras e minicursos por um tempo usei o nome pouco informativo ou limitado e que podia ser interpretado de forma errada (“plantas alimentícias alternativas”). O acrônimo seria “PAA” que eu saiba nunca foi utilizado neste sentido e não cairia no gosto popular. Atualmente é o acrônimo do Programa de Aquisição de Alimentos. Programa interessante, mas que ainda deixa a desejar nas diferentes regiões do país, pois a lista a ser adquirida é um pouco fechada e, em geral, não contempla ou não aceita alimentos não convencionais devido ao desconhecimento ou da falta em escala de ingredientes das PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Aqui cabe destacar que muitos autores e pesquisadores usam ainda o termo comestíveis ao invés de alimentícias, daí falam e/ou escrevem “plantas comestíveis alternativas” ou “plantas comestíveis silvestres”. Além dos acrônimos não ficarem eufônicos, o termo “comestíveis” é limitado, pois literalmente não incluiria os alimentos líquidos ou pastosos que são bebidos (“bebíveis”) e não comidos.  A própria FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) tem no seu nome “alimentação” e define como plantas alimentícias (“food plants”). E “alternativas” e “silvestres” também tem suas limitações e restrições bem explicitado na introdução do livro PANC.

O que são plantas alimentícias?

 

Conforme a FAO e outras fontes referenciadas no livro PANC, este é o conceito que adotamos na minha Tese e no livro: plantas alimentícias sensu lato são aquelas que possuem uma ou mais partes (e ou derivados destas partes) que podem ser utilizados na alimentação humana, tais como: raízes tuberosas, tubérculos, bulbos, rizomas, cormos, talos, folhas, brotos, flores, frutos e sementes ou ainda látex, resina e goma, ou que são usadas para obtenção de óleos e gorduras alimentícios. Inclui-se neste conceito também as especiarias, substâncias condimentares e aromáticas, assim como plantas que são utilizadas como substitutas do sal, como edulcorantes (adoçantes), amaciantes de carnes, corantes alimentícios e aquelas utilizadas no fabrico de bebidas, tonificantes e infusões.

O que são as PANC?

 

PANC nada mais é do que um acrônimo para tentar contemplar as Plantas Alimentícias Não Convencionais, ou seja, plantas que possuem uma ou mais das categorias de uso alimentício citada(s) antes que não são comuns, não são corriqueiras, não são do dia a dia da grande maioria da população de uma região, de um país ou mesmo do planeta, já que temos atualmente uma alimentação básica muito homogênea, monótona e globalizada. Não estamos usando plural, pois apesar do uso corrente e comum do ’s e/ou do s (e.g., PANCs ou PANC’s; SAFs ou SAF’s; PFNMs ou PFNM’s, só para citar alguns acrônimos comuns no meio agronômico, florestal e agora gastronômico-nutricional), pois pelo que nos consta não é correto no português clássico. Neste caso, o plural faz-se com o artigo (e.g., a PANC ou as PANC). Facilita a fala e a grafia, enfim a comunicação.

O conceito PANC é o mais adequado e o mais amplo e por isso mesmo caiu no gosto popular e hoje até as crianças brincam e falam, além permitir trocadilhos diversos. O termo PANC contempla todas as plantas que têm uma parte ou mais partes ou porções que pode(m) ser consumida(s) na alimentação humana, sendo elas exóticas, nativas, silvestres, espontâneas, ruderais ou cultivadas. Inclusive espécies alimentícias convencionais, mas que possuem partes, porções e/ou produtos alimentícios não convencionais também pelo meu conceito amplo são consideradas PANC. Logo, o acrônimo contempla a bananeira (e.g., uso do coração e do palmito); mamoeiro (com uso da medula, dos frutos verdes, sementes e/ou flores) e chuchu (e.g., uso das raízes tuberosas e folhas/talos) e outras espécies que têm formas usos e partes de usos alimentícios potenciais, mas pouco ortodoxos e mal conhecidos ou desconhecidos pela maioria esmagadora da população. Estas espécies não podem ficar de fora, pois um dos objetivos da popularização das PANC é apresentar opções de plantas ou partes destas que possam ser consumidas, trazendo à tona, à baila espécies negligenciadas e subutilizadas.

Como “nasceram” as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC)

 

Antes preciso contextualizar como eu nasci, onde e como vivi e depois como eu vivo. Eu nasci em 1976 na zona rural (São Sebastião do Paraíba, município de Cantagalo/RJ). Este distrito (Arraial) fica à margem do rio Paraíba do Sul na divisa do Rio de Janeiro (RJ) com Minas Gerais (MG). Nasci de parto natural em casa. Sou o sétimo de nove irmãos (seis homens e três mulheres). Meus pais eram agricultores e toda a família trabalhava na roça como colono numa propriedade rural bem distante e com condições bem limitantes, inclusive sem luz elétrica e sem água encanada. Quando eu tinha aproximadamente 1,5 ano minha família mudou-se para outro sítio bem afastado no distrito de Amparo, Nova Friburgo/RJ para trabalhar como caseiro cuidando da propriedade. Neste sítio também sem energia elétrica vivi até os 19 anos. Desde muito pequeno participava das atividades na roça, seja levando comida ou ajudando nas lidas diárias de roçagens, capinas, manejos em geral, cuidando das criações, plantios, colheitas e na cozinha preparando comidas. Estudei à luz de lamparinas a querosene e/ou velas até o atual Ensino Médio morando e trabalhando no sítio.

Aos 19 anos fui aprovado no Vestibular da UEL (Universidade Estadual de Londrina) para Ciências Biológicas e então mudei (1996) radicalmente do Sudeste para o Sul do Brasil e do interior para uma das maiores cidades da região Sul do país. A UEL foi uma experiência formidável e inesquecível e lá iniciei meus estudos botânicos de modo formal e me apaixonei ainda mais pelas plantas que eu comia, cozinhava e usava como forrageiras para os coelhos e porcos desde a infância. Durante a graduação tive muitas oportunidades de estágio e vivências e viagens pelo Brasil. Sempre coletando e herborizando plantas e comendo/inventando receitas com aquelas espécies que já conhecia ou tomava conhecimento serem alimentícias. Conheci superficialmente a Amazônia, o Pantanal, a Caatinga e o Cerrado, além da Mata Atlântica do Sul e a Mata com Araucária e campos nas disciplinas e viagens para cursos de campo e congressos durante a graduação.

No início de 2000 já com a faculdade concluída faltando apenas a colação de grau fiz estágio com o icônico Agrônomo-Botânico e autor dos didáticos e aprazíveis livros de Botânica da Editora Plantarum, Harri Lorenzi. Em 2000 mudei para Manaus/AM para fazer Mestrado na Botânica do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) onde ampliei meus conhecimentos botânicos e tive oportunidade de conhecer parte da rica flora amazônica, notadamente aquelas de interesse alimentício, sempre experimentando novos sabores nos trabalhos de campo e nas incursões às feiras e mercados locais.

Em 2002 me mudei para Porto Alegre/RS onde em poucos meses consegui uma vaga como Professor Substituto no Departamento de Botânica da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Nesta oportunidade conheci grandes botânicos, colegas desta universidade e de outras instituições deste estado que tem uma grande tradição nos estudos botânicos e que muito contribuiu e contribui para a Botânica Nacional. Trabalhando com diversas disciplinas, entre elas: Botânica Econômica e “Trabalho de Campo”, pude focar na minha grande paixão que é comer! E comer comida, especialmente, feita com ingredientes inusitados ou não convencionais. E a melhor das comidas é aquela comida da “mão para a boca”, ou seja, frutos, folhas, flores e miscelâneas que podes ser coletados e consumidos in natura, uma questão de sobrevivência ou de bem-estar (saciar a fome e/ou a sede e entreter) no dia a dia nas andanças e trabalhos nas roças, nas florestas, nos campos e mesmo pelas cidades.

A partir destas disciplinas e de contatos com colegas que direta ou indiretamente pesquisavam plantas diferenciadas que podiam ser consumidas começou a gerado as ideias e os ideais que levariam mais tarde a criação e popularização da expressão Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Um dos focos fortes na disciplina de Botânica Econômica era o potencial alimentício subutilizado ou negligenciado da flora nativa e das exóticas cultivadas ou naturalizadas com visitas a feiras, agricultores e apresentação de seminários sobre a temática, além provarmos receitas com estes ingredientes até então raros ou desconhecidos para a grande maioria, senão todos da turma. E nas expedições de campo aos finais de semana íamos identificando plantas nas constantes paradas ao longo das rodovias, falando dos seus potenciais e já consumindo aquelas que podia ser consumidas cruas e estavam no ponto de coleta.

Além disso, era comum levar o excedente e aquelas que precisavam de processamento e/ou eram mais saborosas quando processadas (notadamente cozidas, fritas ou assadas) para preparar à noite nos alojamentos. E as mais abundantes eram trazidas inclusive para minha casa para o preparo saladas, pratos salgados diversos e as frutas para sucos, frisantes, geleias e licores. Assim começaram a surgir receitas e formas de aproveitamento inusitadas que geralmente eram compartilhadas com os colegas e estudantes nas semanas seguintes. Desta forma as pessoas começaram a conhecer e apreciar espécies até então desconhecidas como alimento.

Neste período conheci diversos professores que muito contribuíram para minha formação e consolidação das pesquisas e do conhecimento botânico e etnobotânicos. Cabe destacar o querido e já falecido Prof. Dr. Bruno Edgar Irgang que sempre deu um apoio moral e aportes de informações preciosas, além de ter me apresentado a sua então orientanda de doutorado, Andréia Maranhão Carneiro, que tinha como tema geral o estudo de plantas comestíveis espontâneas. Ela me indicou e/ou emprestou as referências bibliográficas mais básicas sobre plantas com usos alimentícios para que eu iniciasse uma leitura mais aprofundada e técnica sobre aquilo que já gostava de comer porque tinha aprendido com alguém ou em outras fontes e experimentações, mas sempre embasadas em conhecimentos botânicos e noções de Quimiotaxonomia prévios.

Mais adiante o B.E. Irgang me apresentaria a minha futura orientadora de doutorado. Deste período destaca-se também os colegas professores Dr. Paulo Brack e João André Jarenkow, com os quais aprendi muito da vegetação e flora gaúchas. Com este último, aprendi a comer os brotinhos tenros das pontas dos ramos da araucária, hoje imortalizado e difundido para o mundo, tornado de domínio público, no livro PANC. Logo em seguida tive a oportunidade de conhecer o célebre pesquisador argentino, Prof. Dr. Eduardo Hugo Rapoport (falecido em 15/05/2016 e a quem o livro PANC é dedicado), coorientador da A.M. Carneiro na pesquisa anteriormente mencionada. Ele proferiu uma agradável e pitoresca palestra no XI Encontro de Botânicos do RS (Santa Cruz do Sul – UNISC, 2002) sobre as “Malezas Comestibles”. No dia seguinte a palestra, passeamos juntos pelos terrenos baldios e ruas de Santa Cruz do Sul/RS observando, comendo e coletando algumas plantas alimentícias. Daí nasceu boa amizade e colaborações. Ele me indicou posteriormente bibliografias importantes e compartilhou seus artigos e livros. Como fruto desta parceria eu fui ministrar palestras e oficinas de campo e cozinha com ele em duas oportunidades na Argentina, perfazendo quatro províncias e ele veio proferir palestra no Congresso de Botânica em Curitiba/PR (2005) e na Reunião da SBPC em Manaus/AM (2009), realizando o sonho de conhecer a Amazônia brasileira.

No ano de 2004 eu apresentei o primeiro resumo expandido sobre o tema (mas, usando “plantas alimentícias alternativas”) no então II Congresso Nacional de Agroecologia em Porto Alegre/RS e ministrei uma oficina de identificação destas plantas e preparo de receitas nas dependências do Jardim Botânico de Porto Alegre, em parceria com A.M. Carneiro. A oficina foi um estrondo de público com mais de 70 participantes entre inscritos e curiosos que abarrotaram a cozinha para ver as plantas coletadas amontoadas e degustar as inéditas receitas. A partir daí até então não parei mais de participar de eventos públicos ou privados com palestras e cursos de campo e cozinha, ajudando sobremaneira a formar ou ao menos instigar outras pessoas a pesquisarem mais e a olharem com outros olhos e outra boca as plantas e ir ao campo, bem como às feiras e aos mercados com olhos clínicos em busca do diferente, do não convencional.

Ainda por volta do ano 2002 apresentei a proposta ao Botânico H. Lorenzi para fazermos um livro com fotos e receitas destas plantas alimentícias desconhecidas pela maior parte da população. Ele ponderou e questionou muito, mas topou o desafio, o qual entre a proposta inicial e sua publicação demandou cerca de 12 anos. Em 2004 iniciei o doutorado na Faculdade de Agronomia/UFRGS, no Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, sob a orientação da Profa. Dra. Ingrid B.I. de Barros e juntos e com muitos amigos e parceiros tanto desta universidade quanto de outras instituições, bem como agricultores e feirantes e notadamente os parceiros do Sítio Capororoca (www.sitiocapororoca.com.br), onde as pesquisas de campo e muitas experiências de culinária e de comercialização na feira foram feitas.

A tese envolveu um trabalho extenuante de campo (coletas, preparo de área/plantios, manejos, viagens, fotografias), de cozinha, de laboratório com as análises de composição centesimal e os preparos para as análises minerais de dezenas de espécies. Bem como o intenso trabalho de revisão bibliográfica e de sistematização dos dados das 312 espécies listadas como tendo potencial alimentício na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). A tese foi defendida no Auditório da Faculdade de Medicina Veterinária/UFRGS no dia 14/11/2007 com eclética banca e o processo foi intenso e longo. Creio que se iniciou às 14:00 horas e terminou completamente por volta das 19:00 horas. Pela minha experiência em defesas dos colegas como plateia e também a bastante tempo participando de bancas diversas Brasil afora como membro de banca avaliadora, a minha defesa teve um público recorde, com mais de 70 participantes e a grande maioria ficou até o final. Soube recentemente que um dos membros da banca, o conhecido e querido Prof. Dr. Lin Chau Ming (também agricultor e entusiasta das PANC), tarimbado pesquisador costuma falar que nunca participou de banca com plateia tão volumosa. Isto não é (só) exibicionismo, mas é um fato histórico e muito gratificante para demonstrar que em 2007, o tema já atraía muitos interessados. Inclusive um membro da plateia pediu autorização para gravar todo ritual de defesa. Salienta-se claro que ao final tinha vários pratos com incorporação destas espécies feitos principalmente por alguns então estudantes de Gastronomia e equipe do Capororoca entusiasmados com estes ingredientes diferenciados.

A versão final da Tese foi entregue no início de janeiro de 2008 tanto a versão impressa (562 p.) quanto a versão em PDF que está desde então disponível para acesso e download no LUME (Banco Digital de Teses e Dissertações) – http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870,  sendo hoje provavelmente a Tese mais acessada de toda a história da Faculdade de Agronomia (28.236 downloads e 41.240 acessos – http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870/stats). E, felizmente, tem servido de subsídios e estímulos para diversos outros trabalhos, monografias, dissertações, teses, artigos, cartilhas, livros, documentários/vídeos, além de estímulos para agricultores repensarem e diversificarem seus cultivos. E não somente no Brasil, a tese tem sido baixada em diversos países do mundo nos diferentes continentes, conforme mostra o site de estatística do UFRGS citado.

Defendida e entregue a tese, alguns meses depois (14/04/2008) comecei a trabalhar como concursado da área de Agroecologia da então Escola Agrotécnica Federal de Manaus, atual IFAM-CMZL (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Campus Manaus-Zona Leste), onde sou docente. Agroecologia e PANC têm tudo a ver e uma das lacunas dos sistemas agroecológicos é a efetiva incorporação aos agroecossistemas das frutas e hortaliças sensu lato PANC, diversificando as matrizes agrícolas locais e incorporando paulatinamente aos cardápios familiares e dos restaurantes ingredientes inusitados.

Por incrível que pareça o acrônimo PANC citado já aqui desde o título e timidamente ao longo do texto, pois é muito difícil atualmente se referir a esta categoria de plantas sem utilizar o “PANC”, nunca foi utilizado nem no título nem nas 562 páginas da minha. Não sei como, mas passou despercebido e não me ocorreu o acrônimo nos títulos e falas das palestras e nem na tese e sempre foi usada a expressão longa. Minha orientadora e nem mesmo os membros da banca sugeriram.

Este nome foi cunhado e começou a ser utilizado durante a execução do projeto coordenado pela Nutricionista Irany Arteche, promovido pela Superintendência da CONAB/PNUD (Companhia Nacional de Abastecimento/ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Este projeto foi realizado em assentamentos e acampamentos do MST no RS (Nova Santa Rita e entorno).  E tornado público a partir da disponibilização online de um documentário (vídeo) gravado por uma dupla de jornalistas do Coletivo Catarse. Na época, final de 2008, o YouTube não aceitava vídeos longo e eles dividiram em quatro partes os cerca de 34 minutos do vídeo, as quais tiveram milhares de acesso cada uma. Agora o vídeo está online em um único vídeo e já foi acessado por milhares de pessoas (64.654 visualizações até 05/03/2018 – https://www.youtube.com/watch?v=iieB_jhhaC0). Pelo que me consta é o vídeo mais assistido deste Coletivo, além ser gravado e bastante projetado em aulas e eventos relacionados à temática Brasil afora.

É um “termo” fácil de falar e bem eufônico. O conceito representado pelo acrônimo PANC é mais amplo e flexível para tentar categorizar este grupo de plantas subutilizadas ou negligenciadas pelo grande público. Maiores detalhes sobre PANC são discutidos na introdução do livro PANC. Este “movimento PANC” nasceu no RS e espalhou-se para o Brasil timidamente a partir 2003 com minhas palestras e cursos de campo e cozinha e intensificou-se a partir disponibilização da tese online a partir de janeiro de 2008; atingiu um público eclético a partir dos vídeos do projeto PANC anteriormente citado. E vem atingindo proporções históricas a partir da publicação do que chamamos “Livro PANC” – Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas (Editora Plantarum – www,plantarum.com.br). Este livro em coautoria com H. Lorenzi virou o best-seller da Editora e desde seu lançamento em 2014 a tiragem já atingiu 35.000 exemplares. Naturalmente, que este número poderia aumentar muito se o livro estivesse efetivamente exposto em pilhas nas entradas boas livrarias do país, especialmente em livrarias de aeroportos para pronta-entrega.

Por uma feliz e grata coincidência o livro foi concluído em 2014, ano que FAO/ONU decretou o Ano Internacional da Agrobiodiversidade e PANC têm tudo a ver com esta diversificação das espécies agrícolas de interesse para a alimentação humana. E também fomos convidados a participar do Mesa Tendência daquele ano, cujo tema também tinha tudo a ver com as PANC (Conexão Essencial – Agricultor e Cozinha) para divulgar a pesquisa e fazer um pré-lançamento do livro neste consagrado evento da Gastronomia brasileira. Muitos cozinheiros e chefs renomados e talentosos, além de jovens estudantes de Gastronomia e demais interessados na Nutrição e Ciências dos Alimentos e boa comida puderam adquirir a obra autografada pelos autores no evento (04/11/2014). Logo em seguida ocorreu o lançamento oficial no bucólico e didático Jardim Botânico Plantarum em Nova Odessa/SP (www.plantarum.org.br). Ocorreu um Workshop com diversas palestras sobre as PANC com agrônomos, biólogos e cozinheiros. E as PANC foram incorporadas em todos os pratos do almoço para cerca de 300 participantes e teve grande aceitabilidade.

Desde então o tema e o livro têm sido contemplados em diversos programas de TV, matérias de jornais e revistas impressos e online no Brasil e no exterior, sites diversos, blogs e páginas no Facebook com muitos seguidores com a disponibilização de receitas ricas e rebuscadas. Muitos programas de culinária também têm abordados o tema PANC e usados ingredientes de PANC em suas receitas, e,g., Bela Cozinha, Vida + Bela e MasterChef, bem como já abordado em quadros do Fantástico e do Globo Rural.

E 30/03/2018 tivemos o Globo Repórter das PANC com a participação dos principais autores, atores e sujeitos que estudam, produzem, processam, cozinham, vendem, divulgam, compram e, enfim, que comem as PANC. Este é um dos programas mais bem produzidos da televisão aberta brasileira e com grande impacto na sociedade e que atinge um público heterogêneo e muito grande. Espera-se que seja um divisor de água e o acrônimo e a expressão sejam cada vez mais difundidos e popularizados e que as PANC mais comuns, abundantes, de fácil extrativismo/cultivo/processamento sejam melhor incorporadas nas lavouras, hortas e jardins e que cheguem efetivamente à mesa dos brasileiros tanto nas residências, em nossas refeições diárias, como nos restaurantes comerciais e institucionais,  seja como aperitivos, pratos de entradas, pratos principais, bebidas diversas, nas sobremesas e digestivos.

Para a isso conscientização, a informação e formação de tomadores de decisão sejam políticas e/ou de empreendedorismo são essenciais. Especialmente os refeitórios das creches, escolas e universidades, os famosos Restaurantes Universitários (RU), deveriam ser restaurantes didáticos e pedagógicos, ou seja, os estudantes desde a mais tenra idade até a graduação e a pós-graduação deveriam ter acesso verduras, legumes, condimentos, frutas diversos, especialmente os locais, sazonais e mais adaptados e de fácil em cada bioma do Brasil.

Mas, com a simplificação, a quimificação e a crescente urbanização nossa alimentação passou ser cada mais monótona e repetitiva ao longo dos 365 do ano. Monotonia no prato é reflexo de mentes monótonas e da monotonia no campo (i.e., da monocultura baseada em moto-mecanização pesada; insumos industrializados diversos – agrotóxicos, adubos sintéticos; espécies transgênicas e poucas cultivares). Logo, se você leitor(a) ousar comprar ingredientes diferenciados (não convencionais) nas feiras e mercados e deixar de comprar ou minimizar a aquisição de espécies e ingredientes sabidamente pobres em nutrientes e/ou ricos em resíduos de agrotóxicos e/ou que gaste muita energia para ser produzido e/ou transportado até o destino final já estará contribuindo para estimular a Agricultura Agroecológica e para a mudança de paradigma em relação aos ditos “matos” porque não estão nos pratos.

A expressão Plantas Alimentícias Não Convencionais e o acrônimo PANC comemoraram 10 anos em 2018. Um forte indicador do uso e incorporação deste acrônimo pelo meio científico e acadêmico brasileiro é plataforma do currículo Lattes do CNPq:

Apenas pessoas com Doutorado:

  • PANC – 80 currículos cadastrados;
  • PANCs (com s minúsculo – eu mesmo usava no início e não recomendo mais) – 70 CV cadastrados e muito provavelmente a maioria diferente do anterior;
  • Plantas alimentícias não convencionais – 204 currículos.
  • Demais pesquisadores (Mestres, Graduados, Estudantes, Técnicos etc.):
  • PANC – 154 currículos cadastrados;
  • PANCs – 123 currículos cadastrados e muito provavelmente a maioria diferente do anterior;
  • Plantas alimentícias não convencionais – 282 currículos.

Logo, se considerarmos todos os profissionais para o PANC (234); PANCs (193) e a expressão completa – Plantas alimentícias não convencionais (486) profissionais cadastrados na Plataforma Lattes até 05/03/2018 (http://lattes.cnpq.br/).

Ainda estamos muito longe da utopia e, especialmente, da eutopia, que é encontrarmos cardápios e Buffet com a incorporação de PANC e também encontrarmos produtos prontos ou processados como sorvetes, sucos, geleias, licores, cervejas e pães com adição de folhas, frutos/frutas e/ou batatas de PANC. Mas, já existe alguns restaurantes e outros estabelecimentos pioneiros no Brasil com PANC nos pratos, e.g., vitória-régia, taioba, chaia, picão-preto, ora-pro-nóbis, moringa, serralha, minipepinos nativos, flores e frutas diversas, dentre algumas outras espécie. Mas, as PANC é um mundo a parte para ser mais bem pesquisado nos laboratórios, no campo e na cozinha.  Mas como escrevemos na introdução do livro PANC a expectativa é de uma Revolução Gastronômica. Este livro já vem sendo adotado e muito utilizado nas faculdades públicas e privadas de Gastronomia, Engenharia e Ciências de Alimentos, Nutrição, Biologia, Agronomia, entre outras. Logo, estes novos profissionais já adentrarão ao mundo do trabalho com visões mais holísticas e quem sabe comecem a criar demandas por ingredientes não convencionais.

Atualmente, este interesse tem crescido muito na Gastronomia e Nutrição, mas ainda precisa ser muito repensado nas clássicas escolas de Agronomia, onde diversas disciplinas tradicionais precisam ser adequadas às novas demandas por ingredientes não convencionais, locais, sazonais, com a menor liberação de carbono para atmosfera. Assim, o escopo das disciplinas de Fruticultura e Olericultura, por exemplo, precisa ser revisto para enquadrar como frutas e hortaliças, respectivamente, espécies até então tratadas como mato, invasoras, infestantes, nocivas ou daninhas.

Neste período de 10 anos, o “bebê” recém-nascido precisava de cuidados especiais, começou a engatinhar, fazer caretas e gracinhas e a cair no gosto das pessoas. Agora é um pré-adolescente que quer alçar voos próprios. Portanto, a expectativa é que daqui a 10 anos (2028) tenhamos muitos mais ingredientes nativos (autóctones) e os exóticos adaptados aos diferentes biomas brasileiros incorporados às lavouras, pomares, hortas, quintais e jardins, nos sistemas agrícolas rurais e urbanos.

E assim, além das PANC continuarem saindo pelas bocas das pessoas durante as conversas, aulas, palestras e programas de TV cada vez com mais frequência e naturalidade, espera-se que continue e amplie a frequência, a constância e a diversidade de entrada das PANC pela boca, ou seja, sua ingestão como alimento seja cada vez comum na nossa culinária do dia a dia. Afinal, a biodiversidade alimentícia que não entra pela boca não tem valor real e fica apenas no campo da retórica abstrata, não gerando calorias, nutrientes, bem-estar, bem-viver, saúde e conservação da natureza, além de poder contribuir para geração de emprego, trabalho e renda. O uso real das PANC é um campo vasto e muito promissor para setores diversos, como turismo rural, gastronomia e até para indústria alimentícia com incorporação de ingredientes inusitados nas pousadas, hotéis, restaurantes e também nos produtos alimentícios processados.

Todos nós temos que fazer nossas partes, especialmente como comensais que somos, selecionando e valorizando os alimentos locais. Bem como valorizando e valorando melhor o profissional mais importante do mundo que é quem coloca comida em nossas mesas, o agricultor. Afinal “Somos Agro”, mas temos a muito esquecido nosso lado de agricultor e poucos querem trabalhar efetivamente no campo. Eu felizmente consegui retornar ao campo, uma volta às origens que relatei anteriormente e voltei a ser agricultor. Atualmente, vivo e cultivo diversas espécies de PANC para autoconsumo e já forneço para alguns restaurantes. O pequeno sítio onde moro chama-se “Sítio PANC”.

Alimento e água são as coisas mais importantes do mundo e um não se dissocia do outro. As PANC adaptadas aos diferentes ambientes do planeta têm grande potencial para incrementar as matrizes agrícolas mundiais, diversificar cardápios, minimizar a fome real e a fome oculta e contribuir para a conservação dos solos, das águas e dos recursos naturais em geral.

Valdely Kinupp | valkinupp@yahoo.com.br ou val@ifam.edu.br

Doutor em Fitotecnia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Campus Manaus-Zona Leste (IFAM-CMZL) e Fundador-Curador do Herbário EAFM deste instituto. Autor do livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil em coautoria do Harri Lorenzi.

Os artigos deste editorial foram contribuições de pesquisadores e pesquisadoras concedida ao Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares – OBHA para a 5ª edição temática da sessão Fome de Saber que foi lançada em 2018. O OBHA é um projeto do Programa de Alimentação Nutrição e Cultura – Palin da Gerência Regional de Brasília da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Brasília.

Famílias quilombolas do território Kalunga apresentam alimentos da Sociobiodiversidade do Bioma Cerrado em lançamento de produtos ecossociais

Famílias quilombolas do território Kalunga apresentam alimentos da Sociobiodiversidade do Bioma Cerrado em lançamento de produtos ecossociais

Instituto ATÁ e a Cooperativa Central do Cerrado convidam para o lançamento da linha de produtos ecossociais Kalunga no próximo sábado, 13 de abril em São Paulo.

O lançamento é uma das etapas da execução do Projeto Baunilha do Cerrado do Instituto Ata que desenvolve processos de cultivo, pesquisa e aplicações culinárias para a Baunilha do Cerrado que integra o bioma Cerrado onde está localizado o território quilombola dos Kalunga.

Desde de 2004 este projeto é desenvolvido na região com famílias que aceitaram compor essa equipe de reconhecimento e difusão de alimentos tradicionais da região. Famílias do Vão de Almas, uma das comunidades do maior quilombo da América Latina, participam da iniciativa cultivando a orquídea silvestre que dá origem à fava da baunilha.

Com o objetivo de contribuir no desenvolvimento local desta localidade e reconhecendo a baunilha como um produto de alto valor agregado para a gastronomia, o fortalecimento das cadeias de produção, escoamento e comercialização revelam-se importantes oportunidades de transformação social e popularização de alimentos da sociobiodiversidade do Cerrado.

Neste sábado, a partir das 11 horas da manhã no BOX  29 – Central do Cerrado no Mercado Municipal de Pinheiro, venha conhecer os produtos ecossociais produzidos pelas famílias do Vão de Almas, Quilombo Kalunga, no estado de Goiás, Brasil.

Representantes das famílias Kalunga estarão cozinhando juntamente com o chef de cozinha Raul Godoy.

Serão lançados 6 produtos

 

Farinha de Mandioca

2 variedades de Arroz de Pilão

Farinha de Mesocarpo de coco babagú

Gergelim

Pimenta de Macaco

Todos os produtos serão comercializados nos pontos de vendas da Central e parceiros. Em breve serão publicados os locais em que os produtos estarão disponíveis. Venha fortalecer essa rede cidadã agroalimentar que oportuniza janelas de transformação social e promoção à saúde humana e ambiental no campo e na cidade!

SERVIÇO

Degustação + Lançamento Produtos Ecossociais Kalunga no Mercado Municipal de Pinheiros, São Paulo.

DATA: 13.abril – sábado
HORÁRIO: das 11h às 16h
LOCAL: Rua Pedro Cristi, 89 – BOX 28
Mercado Municipal de Pinheiros

Para mais informações acompanhe as atualizações no link do evento.

 

Foto e texto: Bruna de Oliveira

Publicação realizada para a Cooperativas de produtos ecossociais Central do Cerrado

Banquetaço em Brasília serve mil pessoas com comida de verdade

Banquetaço em Brasília serve mil pessoas com comida de verdade

Brasília foi uma das 40 cidades em 22 estados que participaram do ato de protesto contra a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA

O ato ocorreu no dia 27 de fevereiro, com representação de 22 estados em manifestações realizadas em 40 cidades no país. No Distrito Federal, o banquetaço ocorreu em Brasília entre os prédios do CONIC e shopping Conjunto Nacional em frente a rodoviária central.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA é um espaço legítimo de participação popular, na construção de políticas públicas de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional no país. Essas políticas contribuem para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável. Historicamente, este órgão congrega ativistas, representantes de movimentos sociais e/ou povos e comunidades tradicionais, organizações e entidades implicados no monitoramento, planejamento e articulação intersetorial de ações para o combate à fome e melhoria da qualidade alimentar e nutricional no Brasil, o que quer dizer: uma alimentação que seja socialmente justa, culturalmente referenciada e ambientalmente sustentável.

Tanto a sociedade civil quanto parlamentares do congresso foram o público alvo da ação que se colocou como um instrumento de sensibilização e educação sobre o tema para que tanto a população saiba requerer seu direito por uma alimentação saudável e de qualidade quanto os representantes públicos incluam nas suas pautas de gestão a Segurança Alimentar e Nutricional em suas ações.

Banquetaço Brasília | Resumo do dia

A articulação do ato ocorreu de forma virtual e presencial, o grupo de whatsapp da comissão de Brasília congregou, aproximadamente, 100 pessoas com envolvimento no tema dos mais diversos segmentos da sociedade. As reuniões preparatórias para planejamento e organização da manifestação na cidade, contou com um grupo nuclear de trabalho operando com cerca de 30 pessoas presencialmente. Organizações e entidades ligadas à agroecologia e compostagem urbana; sindicatos; alunos/as e professores/as de graduação da Universidade de Brasília; ativistas de movimentos sociais como o Slow Food Cerrado e o Bem Viver; agricultores/as e coagricultores/as das Comunidades que Sustentam a Agricultura – Rede CSA Brasília, assim como parlamentares de diferentes partidos políticos, nutricionistas, cozinheiros/cozinheiras e donos de restaurantes compuseram esta rede de cores, sabores e afetos em torno do alimento.

Uma equipe de aproximadamente 30 pessoas se envolveram nas preparações que foram distribuídas gratuitamente à população como uma forma de sensibilização sobre a importância do CONSEA para a sociedade, bem como, a relevância de considerar a origem do nosso alimento como um elemento determinante e impulsionador de processos que fortalecem diferentes cadeias de produção de alimentos. A escolha da oferta de comida de verdade produzida com alimentos agroecológicos e regionais do bioma cerrado teve a intenção de mostrar o quanto é possível garantir o acesso à alimentação adequada e saudável de forma, boa, limpa e justa. Se não conseguimos até hoje acabar com a fome no Brasil, pode-se perceber que é uma questão política de agenda de gestão.

O lema da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: “Comida de verdade, no campo e na cidade” foi evocado nas falas de diferentes representações que participaram do evento. Entende-se por comida de verdade, segundo o documento da conferência realizada em 2017:

“aquela que reconhece o protagonismo das mulheres, respeita os princípios da integralidade, universalidade e equidade. Não mata nem por veneno nem por conflito. É aquela que erradica a fome e promove alimentação saudável, conserva a natureza, promove saúde e a paz entre os povos”

Mais de mil refeições foram entregues aos passantes do local que não só puderam experimentar preparações elaboradas por diferentes voluntários e voluntárias, como também, conheceram melhor a atuação do CONSEA e conceito de comida de verdade por meio de pratos produzidos com alimentos vindos da agricultura familiar, sem agrotóxico, valorizando ingredientes regionais do bioma cerrado como o pequi e o baru. As Plantas Alimentícias Não Convencionais – PANC –, também marcaram presença nas receitas como o coração de bananeira que virou recheio para escondidinhos de mandioca e abóbora.

Cozinheiros como Paulo Mello, Tonico Lichtsztejn, Cristina Roberto apoiaram a ação coordenando as equipes das cozinhas dos restaurantes apoiadores. O laboratório de técnica dietética do curso de Nutrição da Universidade de Brasília também foi utilizado, assim como a cozinha da casa da nutricionista Bruna de Oliveira com a do-supervisão da cozinheira Talitha Ferreira foram os pontos de encontro entre práticas alimentares e técnicas gastronômicas com muito amor, implicação política e compromisso com a causa de SAN.

A participação ativa de produtores e agroextrativistas foi o cerne do ato por meio do trabalho do casal extrativista Dona Ana e Seu Zilas, integrantes do Movimento Slow Food, e, a generosidade e articulação da Rede CSA Brasília que doou a majoritária quantidade de alimentos produzidos de forma agroecológicas e sem o uso de agrotóxicos. Considerando que o conceito de de Segurança Alimentar e Nutricional abrange a cadeia de produção de alimentos da semente ao prato, o movimento de Agricultura Urbana também esteve presente com a presença do jornalista Juarez Martins, também empreendedor social do projeto Horta Linda com a distribuição de mudas de hortaliças.

Além de um ato público com representações políticas e institucionais, música, teatro e poemas compuseram o ambiente de um verdadeiro festejo popular! Cecília, artista, realizou uma performance apresentando as diferentes realidades de vida e morte contidas na forma de produção de alimentos em crítica ao sistema agroalimentar hegemônico no país, mais conhecido como agronegócio. Ainda, Martinha do Coco, cantora renomada na região, embalou o compartilhamento das comidas com muita música, alegria e resistência.

Até o momento, ainda não está definido como a Medida Provisório nº 870 tramitará no congresso nacional, contudo, espera-se que o Banquetaço Nacional sirva como gatilho para o fortalecimento das lutas por comida de verdade para todas as regiões do país. Enquanto a MP não é votada, muito ainda pode ser feito para difundir o tema da alimentação saudável e sustentável entre todos e todas neste vasto e biodiverso Brasil. A rede que se formou para realização deste ato expressa um coletivo na cidade de Brasília que pode ser importante para o tema da SAN/DHAAS no contexto político – histórico nacional.

Banquetaço DF em números

  1. Mais de 1000 refeições distribuídas gratuitamente;
  2. Aproximadamente 1 tonelada de alimentos preparados;
  3. 23 preparações elaboradas;
  4. Resíduos direcionados à compostagem urbana;
  5. 100% dos alimentos doados pela Rede CSA Brasília produzidos de forma agroecológica e sem o uso de agrotóxicos;
  6. 7 cozinhas de preparo
  7. Uma equipe de 30 cozinheiros e cozinheiras;
  8. Mais de 50 pessoas envolvidas na execução da manifestação

Restaurantes apoiadores

  • Hughub
  • Dona Lenha
  • Pinella
  • Bioon
  • Cristina Roberto Buffet
  • Buriti zen
  • Departamento de Nutrição/FS/UnB | OPSAN/UnB

Acompanhe o movimento e as repercussões deste ato nas redes sociais do coletivo Banquetaço (@banquetaco.nacional). As fotos do ato em Brasília estão disponíveis aqui. Está previsto uma reunião de avaliação do Banquetaço para definição de papéis e formulação de uma agenda de atividades no tema. Acompanhe as chamadas pelas redes sociais.

Presidência extingue CONSEA da estrutura da gestão nacional

Presidência extingue CONSEA da estrutura da gestão nacional

Entenda porquê não é bom que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, instância consultiva da Presidência da República ser removida dos órgãos de assessoramento imediato do governo.

A cada quatro anos, o dia primeiro de janeiro é mais do que comemorar a paz no mundo no Brasil: é o dia em que toma posse a pessoa que foi eleita como representante geral do Brasil. Este ano, não foi diferente e após o término do governo da presidenta Dilma Rousseff, sorrateiramente impeachmada pelo golpe que vivemos em 2016, assumiu este posto de gestor e representante nacional o #elenão. Neste mesmo dia, saiu a edição do Diário Oficial da União – DOU na seção 1 a Medida Provisória Nº 870 que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios.

A princípio, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, que até então fazia parte dos órgãos de assessoramento imediato a presidência da república, não fará mais parte desse rol de conselhos para compor a gestão do atual governo brasileiro. A extinção do conselho, parece ser mais que uma hipótese ou especulação. A LEI Nº 11.346, de setembro de 2006 (que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada) já foi atualizada com a retirada do CONSEA da sua constituição, ou seja, legislativamente, não existe nenhum respaldo para a manutenção deste órgão que existe antes mesmo do sistema nacional e possui uma relevância estruturante na operação das políticas públicas de alimentação, nutrição, abastecimento e meio ambiente por meio da produção de alimentos no Brasil.

Esta é uma notícia alarmante compreendendo a importância do Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA e o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional – SAN enquanto estratégia política que incida nas questões pertinentes à manutenção da vida humana, bem como a saúde ambiental por meio da produção, distribuição e consumo de alimentos de maneira mais sustentável e equitativa possível. Por certo, o consumo não é a última parte deste processo onde ainda podem ser integradas reflexões e proposição sobre descarte, redução e/ou tratamento de resíduos orgânicos, especialmente nos grandes centros urbano do país.

O CONSEA existia como órgão de assessoramento imediato à presidência da república desde antes da criação do SISAN em 2006. O CONSEA aparece na Medida Provisória nº 103, de janeiro de 2003 que estabeleceu a organização do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após a criação do SISAN, descreve-se melhor as atribuições do CONSEA na lei, instituindo como suas responsabilidades:

  1. convocar a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com periodicidade não superior a 4 (quatro) anos, bem como definir seus parâmetros de composição, organização e funcionamento, por meio de regulamento próprio;
  2. propor ao Poder Executivo Federal, considerando as deliberações da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, as diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, incluindo-se requisitos orçamentários para sua consecução;
  3. articular, acompanhar e monitorar, em regime de colaboração com os demais integrantes do Sistema, a implementação e a convergência de ações inerentes à Política e ao Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;
  4. definir, em regime de colaboração com a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, os critérios e procedimentos de adesão ao SISAN;
  5. instituir mecanismos permanentes de articulação com órgãos e entidades congêneres de segurança alimentar e nutricional nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, com a finalidade de promover o diálogo e a convergência das ações que integram o SISAN;
  6. mobilizar e apoiar entidades da sociedade civil na discussão e na implementação de ações públicas de segurança alimentar e nutricional;

Eu bem que tentei, mas não consegui encontrar todas as medidas provisórias de todos os governos desde então. Conduto, fica nítido que o CONSEA desenvolveu seu trabalho de forma excelente com presidentas com expertise no assunto como a Atropóloga Maria Emília, posteriormente, a Nutricionista Elisabetta Recine juntamente com uma comissão de conselheiros e conselheiras dos mais diversos segmentos sociais na defesa do DHAA e saudável procurando abarcar todas as etapas da cadeia de produção de alimentos, assim como o maior número de atores que formam os sistemas alimentares.

A título de contextualização cabe dizer que a segurança alimentar e nutricional no brasil abrange diferentes dimensões no que tange a alimentação da população. A alimentação pode é compreendida como um elemento estruturante na organização social de homens e mulheres no campo e na cidade. Também, reconhece-se que o ato de comer movimenta diferentes setores da sociedade como agronômica, de saúde humana e ambiental, educação, economia, entre outros aspectos que também merecem destaque como a conservação de culturas e modos de produção mais ecológicos e dignificantes para homens e mulheres trabalhadoras dessa imensa e complexa rede que é o sistema agroalimentar atual.

O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, seguindo a lei, consiste:

na realização do direito de todos (e todas) ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciai, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentável. (BRASIL, 2006).

Materializar esse conceito requer muita agenda política e máxima expressão de intersetorialidade para que as ações dessa política sejam efetivas e capilarizadas no território nacional. Particularmente, lamento imensamente essa notícia que expressa a atenção dada a esta atual gestão no que tange ao tema. Alguns Conselhos como o Nacional do Esporte e o Nacional de Cultura (com a adjetivação de especial… o que será que quer dizer esse especial) migraram para o grande Ministério da Cidadania junto das políticas nacionais de assistência e desenvolvimento social, além da política de drogas. Trouxe exemplos aleatórios para apresentar que grande mistério é esse que congrega não somente universos teórico-práticos distintos como o desafio de articular esses espaços transdisciplinares de uma forma pouco sinérgica e articulada.

Vamos acompanhar as cenas dos próximos capítulos. Estou alerta quanto ao posicionamento do, talvez, último CONSEA dos próximos 4 anos, como também, iniciar os planejamentos para ações da sociedade civil de maneira mais assertiva e intensa para concretude da garantia do direito humano à alimentação adequada. Precisamos resgatar o divino, o sagrado, o central do alimento em nosso cotidiano, não dá mais para pensar que problemas de alimentação estão presentes apenas entre as camadas menos privilegiadas da população, ou que dilemas como fome, sobrepeso e obesidade infantil, crescente incidência de suicídio entre produtores rurais ou a contaminação e mercantilização dos nossos recursos naturais, especialmente a água, não estão relacionados e revelam quão doente socialmente estamos enquanto grupamentos humanos.

Não mencionar uma instância consultiva da magnitude do CONSEA é no, no mínimo, negligência como inúmeras questões extremamente relevantes na gestão pública. Se ele não existe legalmente em nenhum lugar, como não foi extinto? Será substituído por outra instância? O SISAN permanece com qual operação sem esse agente importante na sua dinâmica de funcionamento. Se não foi extinto? Qual a proposta de transformação? Quais medidas e estratégias pensadas para que o SISAN não prossiga manco.

O CONSEA, uma instância de pluri representação: da sociedade civil, povos ancestrais e originários, famílias rurais e urbanas à organizações que trabalham com a violação do direito à alimentação e setores governamentais. Com congregava essa imensidade de saberes e conhecimentos para apoiar, impulsionar e sensibilizar a todos e todas do destaque merecido que a Segurança Alimentar e Nutricional merece na sociedade e na agenda pública.

Estou aguardando as próximas cenas desse capítulo. Lamentando os sinais que se apresentam depois de tantos avanços que estavam sendo consolidados, também, pelo trabalho do CONSEA.

REFERÊNCIAS:

Edição Especial do Diário Oficial da União, 1 de janeiro de 2019. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=01/01/2019&jornal=701&pagina=1&totalArquivos=15> Acessado: 2 jan 2019.

Medida Provisória Nº 870, de 1 de janeiro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv870.htm> Acessado: 2 jan 2019.

LEI Nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11346.htm> Acessado: 02 jan 2019.

Da horta ao prato | Brasília Patrimônio Vivo – Sustentabilidade

Da horta ao prato | Brasília Patrimônio Vivo – Sustentabilidade

Participei de uma matéria especial sobre sustentabilidade para o Correio Brasiliense. <3 A série Brasília, patrimônio vivo: os protagonistas da história da capital é uma parceria entre o Correio Braziliense e o Centro Cultural Banco do Brasil. Elaborada por diferentes jornalistas, esta edição destacou a história de pessoas que tem feito a sua parte para a preservação do meio ambiente e o crescimento sustentável de Brasília. Agradeço à Gabriela Walker pela sensibilidade da escrita da minha história. =)

Sobre a terra, a vida e a mudança necessária

A ciência já atestou: estamos em deficit com o planeta. Se a cultura da exploração dos recursos naturais e do consumo não mudar, sofreremos em demasia. Racionamento de água é só o começo. A série Brasília, patrimônio vivo: os protagonistas da história da capital, parceria entre o Correio Braziliense e o Centro Cultural Banco do Brasil, destacamos pessoas que fazem sua parte para preservar o meio ambiente e contribuir para o crescimento sustentável.

Fazer diferente para fazer a diferença

Sustentabilidade não é um conceito mercadológico. É atitude, consciência e condição para a vida humana se manter por aqui. Há pessoas, em Brasília, contribuindo para isso

CRISTINE GENTIL – Especial para o Correio

13/04/2018. Crédito: Breno Fortes/CB/D.A. Press. Brasil. Brasília – DF. Cidades. Crise hídrica. Foto aérea feita com drone da Barragem do Descoberto.

Brasília nasceu e logo foi vista como um eldorado, lugar onde as pessoas chegariam para garantir assento entre os ricos. Mais do que oportunidade, muitos enxergaram a facilidade de expandir suas intenções, as boas e as más, infelizmente. Pode-se dizer que, em pelo menos um quesito, a capital de JK foi cruelmente castigada ao longo do tempo. A prática de ocupar, explorar e saquear as terras públicas foi — e ainda é — recorrente.

A ilegalidade gerou e gera prejuízos ao meio ambiente e compromete o futuro de Brasília, do cerrado e do planeta. Como mudar essa realidade? Além da ação do governo e dos demais poderes legalmente constituídos, é possível que cada cidadão faça sua parte. E há um bocado de gente fazendo. Não apenas na difícil missão de controlar invasões e denunciar irregularidades, papel das autoridades e também da imprensa. Mas também nos quintais — os próprios, os dos vizinhos e por aí vai.

Pioneiros e jovens têm resistido, interferido e criado mecanismos para tentar mudar a persistente cultura que induz ao desperdício, ao consumo em excesso, à produção de lixo, ao desgaste da natureza. No nono capítulo da série Brasília, patrimônio vivo: os protagonistas da história da capital, parceria entre o Correio Braziliense e o Centro Cultural Banco do Brasil, vamos mostrar quem são as pessoas que tomam a iniciativa de proteger a natureza, disseminam ideias que ajudam a tornar o mundo de fato sustentável, sensibilizam outras pessoas a mudar de atitude em relação ao planeta, etc.

A elas, devemos o despertar para uma nova consciência, que pode nos devolver a certeza de um futuro mais promissor. Por enquanto, não estamos apenas em alerta. Estamos em perigo.

O que é sustentabilidade?

Termo usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades dos seres humanos sem comprometer o futuro das próximas gerações. Relaciona-se ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente, usando recursos naturais de forma inteligente. Para garantir o desenvolvimento sustentável, deve-se trabalhar para que a exploração dos recursos vegetais de florestas e matas seja controlada, fazendo o replantio sempre que necessário. Além disso, preservar áreas verdes não destinadas à exploração econômica, incentivar cultivo e consumo de orgânicos, usar energias limpas e renováveis, reciclar resíduos sólidos. E mais: promover e adotar ações para o consumo controlado da água e a não poluição de recursos hídricos, entre outras medidas.

Da horta ao prato

Bruna de Oliveira, nutricionista, decidiu ser o mais sustentável possível. Também trabalha para que as panc entrem no cardápio do brasiliense

GABRIELA WALKER – Especial para o Correio

Bruna de Oliveira queria ir à África, em missões humanitárias, para ajudar pessoas carentes, mas a mãe foi clara: ela precisava estudar e se preparar. Seguindo o conselho, Bruna entrou na faculdade de nutrição, mantendo como foco a vontade de encontrar alternativas que pudessem aliviar a fome de populações marginalizadas. Em 2011, na academia, descobriu as plantas alimentícias não convencionais (PANC) e, desde então, se dedica a entender e promover conhecimento sobre esses alimentos saudáveis e acessíveis que, até pouco tempo atrás, ficavam fora das mesas de refeição.

Natural de Porto Alegre, Bruna, hoje com 27 anos, se mudou para Brasília em 2015, pouco depois de concluir a graduação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Na capital, ela atua como pesquisadora associada do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (OBHA), órgão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Brasília que promove e valoriza a evolução cultural da alimentação.

“A gente respalda e incentiva a segurança alimentar nutricional, que entende uma alimentação saudável como aquela que é socialmente justa e ambientalmente sustentável”, explica.

No projeto Clube do Jardim, promovido pela fundação, a nutricionista trabalha modificando a imagem do paisagismo tradicional e promovendo a aceitação de flores comestíveis e variadas plantas que podem entrar para o cardápio. Bruna defende a educação dos consumidores para uma alimentação saudável e reforça que a cura para crises e problemas de saúde está em refeições equilibradas e conscientes.

“A gente percebe que as pessoas na cidade são analfabetas ecológicas. Não conhecem os princípios da natureza e da ecologia e vivem uma vida totalmente descompassada”, analisa.

Hortas urbanas

Há dois anos e meio em Brasília, a nutricionista ajuda na implantação de hortas comunitárias e na mobilização de pessoas, participa de oficinas, faz mutirões e ensina como plantar e incluir plantas não convencionais no dia a dia. “Quando cheguei à cidade, eu encontrava algumas panc no Ceasa, mas, fora de lá, o circuito de comercialização era muito pequeno”, lembra. Hoje, diferentes iniciativas que produzem orgânicos oferecem panc no menu e vários restaurantes acrescentaram as plantas nos cardápios.

Segundo Bruna, os consumidores brasilienses estão entre os mais sensíveis à responsabilidade social envolvida no processo de alimentação. Existem hoje, no Brasil, cerca de 100 Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA) — 30 delas estão na capital. Essas organizações seguem um modelo de desenvolvimento sustentável que permite ao produtor vender diretamente ao consumidor, sem a necessidade do intermédio de grandes cadeias de distribuição. A prática valoriza o pequeno agricultor e a adoção de preços justos, além de contribuir com a saúde dos trabalhadores agrícolas e dos compradores.

A velocidade em que esse tipo de iniciativa se expande na cidade mostra o crescente interesse dos brasilienses em apoiar uma agricultura saudável, sem agrotóxicos e de qualidade. Bruna é um exemplo de como uma vida sustentável pode ser compatível com a correria da rotina urbana.

 

Além da minha história, você também pode conhecer a trajetória de outras pessoas, suas famílias e/ou projetos que tem feito de Brasília um lugar mais sustentável na versão completa da reportagem disponível neste link.

Acredite, o mundo precisa [muito!] de nutricionistas

Acredite, o mundo precisa [muito!] de nutricionistas

Este texto foi elaborado em coautoria com minha colega, Tatita Donatti, para o discurso da cerimônia de formatura das egressas na Unisinos em 18 de Julho de 2015. Gratidão memorar essas palavras que seguem ecoando na minha prática profissional. Já nos pediram tantas vezes esse texto e, por acaso, o encontrei na bagunça digital do meus documentos. Resolvi compartilhar em comemoração aos 3 anos dessa comemoração. Se for o caso, que inspire outras colegas também. Espero que apreciem!


 

Como refletir em palavras os múltiplos sentimentos gerados nesse dia? Como falar por 32 pessoas tão diferentes entre si em apenas cinco minutos? Infelizmente, foi este o tempo que nos deram para expressar a caminhada longa de 5, 7, 10 ou até 18 anos de formação. E por falar em Tempo, este é uma dimensão cretina: o que parecerá segundos para nós que estamos aqui em cima será um caminhão de horas para muitos da plateia. Inevitável, esses contrapontos. Bem, hoje nesta cerimônia fazemos um acordo contigo, tempo. Um acordo com as memórias, com o acúmulo de vivências e aprendizagens que nos construíram e deram forma e cor as nossas formações e vidas.

Enfim chegou o dia 18 de Julho! Segunda-feira, temos duas certezas: a primeira é que precisamos de um emprego (e logo!), e a segunda é que, antes de receber um bom dia, as pessoas irão nos pedir uma dieta. Na verdade já pedem, desde que informamos: “passei no vestibular, vou cursar Nutrição!”. Por falar em perguntas, vamos retomar algumas corriqueiras:

“Estou fazendo minha lista de compras, vi uns alimentos novos no Globo Repórter, que tu acha?”; “Vou começar a treinar na academia, qual a melhor marca de Whey?”; Óleo de côco é bom? E Chia? Posso tomar shake?”; “Então… você estuda nutricionismo?”

Apesar dessas e outras perguntas que nos tiram a vontade de viver, temos certeza que esta turma de nutricionistas fará a diferença. Seremos profissionais que se importam com o ser humano e com os fatores que o rodeiam, afinal somos muito mais que quilocalorias por quilo de peso. Somos aquelas que levantam a bandeira de que a Nutrição precisa alçar voos mais altos:

Precisa se articular mais com outros campos de conhecimento; precisa se aventurar a desbravar novos caminhos e realizar novas descobertas. Somos uma turma que reconhece o acúmulo e produção realizados até aqui, sabe o peso de responsabilidade que um jaleco pode trazer. Mas acima de tudo, que quer se aventura a ter outros apetrechos como seu Equipamento de Proteção Individual: microscópios, pipetas e reagentes químicos… entrevistas domiciliares, questionários intermináveis, SPSS… chapéu para proteger do sol, sementes crioulas para começar uma horta.

Os restaurantes seguirão precisando de nós; os hospitais nem se falem. Conquistamos espaços enquanto categoria, destes não recuaremos, exerceremos nosso trabalho com excelência onde quer que estejamos. Nenhum passo atrás, a Nutrição é uma ciência linda em crescente expansão e cabe a nós, com ética e senso político seguir nesses avanços evidenciando a importância que temos e valorizando as articulações que podemos realizar.

Somos bolsistas do PROUNI ou do FIES, somos estudantes, trabalhadoras e estudantes-trabalhadoras que  vivenciam as dificuldades de um sistema falido que insiste em afirmar que seus métodos funcionam. É este sistema que em nome do Kapital impulsiona a utilização de agrotóxicos na produção agrícola e seus monocultivos; que potencializa os vícios de consumo dos ultra-processados; que cega muitos que buscam em cápsulas e dietas milagrosas o perfeito corpo socialmente aceito. Colegas, não se deixem enganar, este sistema traz falsas verdades maquiadas com muito açúcar e gordura trans! Uma maquiagem que produz câncer, diabetes, hipertensão, obesidade e fomes.

Fome de vida, fome de saúde, fome de respeito e acolhimento. A sociedade tem fome… muita fome de comida mas também de algo mais. A humanidade está hipertensa de estresse, violência e medo; Está obesa de intolerância e fragmentação, em tudo isso não nos admiremos que venham os cânceres de preconceito e discriminação. Vivemos tempos de doença e a nossa constatação é: o mundo precisa de  nutricionistas.

Claro, quem deveria conhecer os meandros do alimento? Suas características organolépticas e manejos dietéticos? Quem saberia propor um plano alimentar que respeite as diversidades culturais, os valores simbólicos e os ritos relacionados em uma refeição? Quem reconheceria que sentar a mesa é um ato político, social e cultural? Quem poderia afirmar que alimento é base para o corpo, complemento para a alma? Que é matéria viva que incorpora e deixa-se incorporar mostrando que é na pluralidade e na relação que se preparam os melhores manjares?

O mundo precisa de nutricionistas! Daquelas que digam: “Paaaaaarem! Mastiguem devagar, aproveitem o momento.”; Daquelas que vão te incentivar a procurar um educador físico para fugir do sedentarismo ou a feira do seu bairro para adquirir orgânicos. O mundo precisa de nutricionistas cidadãs que vão passar mais do que dez minutos num leito de hospital e irão ouvir histórias que vão além das respostas sobre a consistência das fezes e consumo diário de alimentos.

Neste dia de imensa alegria, nós visualizamos em cada semblante neste palco a  materialidade de sonhos e conquistas que vem ao encontro do que compartilhamos até aqui. Foram muitas mensalidades, provas, trabalhos, sorteios para ver quem seria a única componente do grupo a apresentar o trabalho, troca de provas e estudos de casos (quando os professores nos devolviam). Alguns graus C’s, só pra dar uma emoção! Cervejas no Rapach, panquecas no Alemão, confraternizações nas aulas, visitas técnicas, algumas polêmicas nas reuniões, afinal, 32 mulheres tentando entrar em acordo, não é uma tarefa fácil.

Sentiremos saudades destes dias. Temos a certeza que este não é o fim, estamos apenas começando!

 

Onde encontrar alimentos locais na cidade?

Onde encontrar alimentos locais na cidade?

O comemos muda o mundo! Saiba onde encontrar alimentos locais em diferentes cidades no Brasil.

 

Um jargão muito utilizado quando falamos de alimentação e saúde é: ”você é o que você come”, isso porque realmente a qualidade e quantidade dos alimentos que consumimos todos os dias contribui para a manutenção do nosso organismo e bem-estar. Acontece que alimentação não está restrita a essa relação biológica das nossas necessidades.

Alimentação é algo difícil de definir, ela é um processo biológico que faz a nutrição do nosso corpo; é um setor econômico que movimenta parte das relações de trabalho no mundo, como também, um fenômeno social com expressões culturais que dão identidade às refeições das sociedades. Alimentação é uma intensa marca da humanidade na natureza ao mesmo tempo que por meio dela somos marcados. Alimentação está tão arraigado no nosso dia-a-dia que esquecemos de pensar sobre esse ato.

Por isso, eu acredito que o mundo é o que comemos. Conhecer o caminho que acontece da semente ao prato é essencial para buscarmos saúde para nós mesmos e o ambiente. O consumo de alimentos locais é um ato de amor! Mesmo na cidade, nós urbanóides podemos contribuir para os impactos positivos que nosso planeta precisa e merece.

Alimentação local é aquela que utiliza alimentos que foram cultivados perto de onde moramos, e não pense que proximidade é sinônimo de restrição. Principalmente aqui no Brasil, onde todos os 5 biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Amazônia e Pampa) apresentam uma diversidade de comidas e culturas gigantesca. Cada bioma brasileiro é uma imensidão de cores, sabores e histórias de homens e mulheres que carregam essas paisagens em seus modos de vida e isso também se expressa na alimentação. Já aproveita e põe aí nos comentários a sua região e qual é o prato mais delicinha que você encontra só por aí!

No vídeo IDEIAS PARA MELHORAR O MUNDO: ALIMENTAÇÃO LOCAL, eu falo sobre os benefícios de uma alimentação local. Aqui no texto eu quero apresentar algumas iniciativas lindinhas que trabalham com alimentos da sociobiodiversidade brasileira. Conheça essas iniciativas e descubra quão perto de você podem estar esses alimentos bons, justos e limpos para quem produz e quem consome! <3

Feira do Produtor – CEASA/DF | Foto: Bruna de Oliveira

Feiras Orgânicas: as feiras agroecológicas são espaços onde muitos produtores e produtoras regionais comercializam suas colheitas e produtos beneficiados como geleias, compotas, queijos ou polpa de frutas. Aqui em Brasília existem muitas feiras nas quadras residenciais no plano piloto, tem também a CEASA-DF onde, aos sábados, tem a feira do produtor com vários stands de cooperativas de produção, assentamentos da reforma agrária, etc. Você pode conhecer feiras perto de vocês por meio de uma ferramenta chamada Mapa de Feiras Orgânicas, idealizada pelo Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, com objetivo de tornar os produtos orgânicos mais acessíveis aos consumidores e fomentar uma alimentação saudável em todo Brasil.

Empreendimentos de Economia Solidária: Eu não sei você, mas eu acredito que podemos inovar nas relações de trabalho e considero que os princípios da economia solidária estão muito alinhados às práticas comunitárias de trabalho. Existem associações, cooperativas e centrais de cooperativas empenhadas em potencializar a construção e o fortalecimento de mercados para produtos das mãos de comunidades tradicionais e campesinas.

  • Central do Cerrado: A Central do Cerrado é uma central de cooperativas sem fins lucrativos estabelecida por 35 organizações comunitárias de sete estados brasileiros que desenvolvem atividades produtivas a partir do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado.
  • COPABASE: Com a missão de organizar e comercializar produtos artesanais e culturais da Região do Vale do Urucuia de maneira sustentável. A COPABASE é uma cooperativa que se dedica a agricultura familiar e a Economia Solidária, com sede em Arinos/MG no Vale do Urucuia. Sua atuação regional estende aos municípios de Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritis, Formoso, Pintópolis, Riachinho, Urucuia e Uruana de Minas.

Movimentos da Sociedade Civil: existem muitas pessoas se juntando para construir realidades mais ecológicas e amorosas por meio do setor de alimentos.

  • Movimento Slow Food Brasil: Esse movimento, que começou na Itália e se espraiou pelo mundo tem dado bons fruto aqui no Brasil também. Por meio do projeto Alimentos Bons, Limpos e Justos tem ajudado muito nessa rede cidadã agroalimentar, sendo um eixo conector entre quem produz e quem consome. Você sabia que no site desse movimento existem as Fortalezas e Comunidades do Alimento separadas por região? Tem sido muito legal acompanhar as atividades do Slow Food nesse projeto, uma das etapas que aconteceu foi o Seminário de Construção de Mercados para Alimentos Bons, Limpos e Justos na região Centro-Oeste, você pode saber o que rolou aqui.
  • App Responsa: O Responsa é fruto da parceria entre o Instituto Kairós e a cooperativa de trabalho EITA. Nele, você pode encontrar locais, iniciativas e grupos que adotam e fomentam práticas de responsabilidade na produção e consumo. Há iniciativas da economia solidária, grupos de consumo responsável, iniciativas de agroecologia, centrais de comercialização, pequenos produtores, cooperativas de trabalho, feiras orgânicas, restaurantes com produtos orgânicos, hortas comunitárias em todo o Brasil.

Produtores/as e consumidores/as em seminário sobre alimentação e sociobiodiversidade Slow Food. | Foto: Nzinga Bonne

Muitos desses produtos podem ser encontrados em restaurantes, empórios e lojas com princípios da sustentabilidade e agroecologia. Se você não conhece os alimentos locais da sua região, sugiro começar com o livro Alimentos Regionais Brasileiros, desenvolvido pelo Ministério da Saúde em 2015. A publicação tem o objetivo de  favorecer o conhecimento acerca das mais variadas espécies de frutas, hortaliças, leguminosas, tubérculos, cereais, ervas, entre outras, existentes no Brasil.

Uma coisa é certa, precisamos fortalecer as redes entre quem produz e quem consome, abraçando os princípios ecológicos e da economia solidária. A sociobiodiversidade alimentar brasileira é formada por mulheres e homens do campo e da cidade, preocupados com o cuidado com o meio ambiente, com todos os seres que compõem a natureza e em como essas relações se estabelecem. E não menos importante, pelo sabor dos nossos pratos!

Estamos cada vez mais conectados com o mundo inteiro e todas as coisas boas que a diversidade global pode nos oferecer. Ao mesmo tempo, estamos cada vez mais desconectados de todas as coisas boas que também existem pertinho da gente. Bora botar em prática o bom e velho “pensar globalmente, agir localmente”. Acho que um ótimo jeito de começar é através da alimentação: uma coisa que todo mundo faz, todos os dias! Comer localmente pode beneficiar o mundo inteiro.

Ah, você pode me mandar um e-mail (brunacrioula@gmail.com) contando sobre lugares legais que você sabe que poderiam estar nesta postagem. Compartilho projetos que fazem parte do meu cotidiano, é sempre bom aprender e compartilhar informações! Vamos conversar!

Texto escrito para o site do PorQueNão? – Mídia Interdependente

As PANC no programa Conexão | Novas formas de alimentação

As PANC no programa Conexão | Novas formas de alimentação

Estive – via vídeo chamada – com a Eliane Benício, apresentadora do programa Conexão do Canal Futura conversando sobre as PANC – Plantas Alimentícias Não Convencionais.

Novas formas de alimentação foi o tema do programa que contou com a participação – em estúdio – de outras iniciativas maravilhosas como a Tatiana Dutra Perez, fundadora da comunidade Comida da Gente, que existe a 4 anos! =)

O programa foi ao ar no dia 09 de março e está disponível por meio deste link.

A proposta do programa, segunda a editoria, foi apresentar as novas formas de alimentação, incluindo dietas inovadoras, estilo de vida moderno, e principalmente, o “Wellness” ou “Bem-Estar”, que chegam a gerar mais de 16 milhões de posts nas redes sociais.

O Conexão é um espaço dedicado a entrevistas com foco na prestação de serviços e na análise crítica e contextualizada de assuntos de interesse público, parte da agenda nacional e das principais discussões do universo digital.

Dicas de ouro para quem busca alimentos “diferentões”.

Dicas de ouro para quem busca alimentos “diferentões”.

Plantas Alimentícias Não Convencionais | Dicas de ouro da Bru! Você já parou para pensar que existe comida para além dos espaços onde as compramos? Você sabia que comemos menos de 1% das 30 mil possibilidades alimentares que temos pelo mundo? Onde estão os outros 99% de alimentos no mundo? Então, elas estão pelas ruas, praças e ruelas das cidades disfarçadas de mato ou nas hortas e espaços de produção agrícolas intituladas erva daninha ou inço. Há muito o que conhecer, atualmente um conceito muito trabalhado tem sido o das Plantas Alimentícias Não Convencionais, as PANC! PANC é um termo usado para categorizar muitos tipos de plantas e suas respectivas partes com alguma funcionalidade alimentar para o ser humano. Serralha, beldroega, trapoeraba, picão branco, mangará, dente de leão, caruru, celósia, espinafre indiano, malvavisco, ora pro nóbis são exemplos desses recursos alimentares que abrem um universo de possibilidade para diferentes sabores na nossa alimentação. As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) estão ganhando a boca do povo! Dos lugares mais inusitados, estão aparecendo em programas de televisão, revistas de grande circulação, textos em sites e blogs e vlogs como o que está no canal do PQN?! Eu já escrevi um texto fazendo um resumão sobre elas. Hoje eu quero compartilhar algumas dicas práticas para você se sentir mais seguro na hora de reconhecer, coletar ou plantar e cozinhar essas lindas! =) Dica 1 | Não tenha medo de nomes científicos Para saber se uma planta é alimentícia ou não você precisa investir tempo estudando as características de folhas, frutos, flores, sementes, caule. Memorizar não somente os nomes populares como também seu nome científico é importante para não confundir espécies que podem ser parecidas mas não iguais. Existem gêneros ou famílias de plantas que possuem espécies comestíveis e outras tóxicas, é sempre bom estar seguro para reconhecer um planta para consumir. Uma mesma planta pode ter vários nomes populares, ou, um nome popular pode servir para mais de uma planta. Um exemplo é a Major Gomes, esse é um nome popular (também é chamada de Maria Gorda ou Beldroegão ou Cariru ou Bênção de Deus….) para pelo menos 2 espécies diferentes, a Talinum paniculatum e a Talinum triangulare.  
Talinum triangulare

Talinum triangulare

Talinum paniculatum

Talinum paniculatum

  No início você pode ficar inseguro em reconhecê-las, mas isso diminui com o tempo e, acredite, nossa mente tem a capacidade de armazenar muitas informações. Desbrave as possibilidades em aprender mais sobre botânica e taxonomia (os amigos e amigas biólogos agradecem!). Quer links legais para saber como estudar as estruturas das PANC e seus nomes científicos? Dica 2 | Onde posso encontrar? Já existem muitas feiras agroecológicas onde agricultores e agricultoras familiares comercializam esses alimentos. Também têm horta comunitárias onde elas são cultivadas ou nascem espontaneamente por animais polinizadores. Essas são boas formas de conhecer plantas novas sem os riscos de identificar errado ou coletar em lugar insalubre (com a presença de cocô ou xixi alheios, microrganismos de esgoto ou excesso de poluição dos carros em grandes vias).
  • Você pode saber se existe uma feira perto de você no Mapa de Feiras Orgânicas produzido pelo IDEC. =)
  • Existe um mapa colaborativo que você pode identificar o local e a PANC que você encontrou para outras pessoas, o nome desse aplicativo é Ka’a-eté. Só fazer o cadastro, já tem vários “pins” indicando lugares em que queridezas sinalizaram a existência dessas plantas.
Dica 3 | Na dúvida não coma! Não coma nada que você não tenha certeza que é comestível! Meu pai fala que tudo é comestível uma vez na vida pelo menos. Brincadeiras a parte, existem plantas tóxicas que precisamos evitar ingerir obviamente, como também, existem aquelas que precisam passar por algum procedimento prévio de preparo para serem consumidas. Isso não é um privilégio PANC, lembremos de alimentos “comuns” como o feijão que deixamos de molho e precisamos cozinhar por muito tempo ou do espinafre que recomenda-se consumir sempre refogado ou cozido. Por isso que a dica 1 é tão importante! Dica 4 | Na dúvida, cozinhe! Se você sabe que algo é comestível mas nunca comeu, prefira consumir em pouca quantidade e depois de refogar, fritar, cozinhar de maneira geral. Ninguém sabe algo que possa ter no alimento que nos causa alguma reação. Parcimônia e paciência nos ajudam a comer cada vez mais alimentos novos com segurança e tranquilidade. Quer fazer receitas com PANC?
  • O livro Mais que Receitas é uma publicação do projeto Ideias Na Mesa e tem uma sessão dedicada às PANC;
  • Tem um achado antigão de receitas PANC nesse link aqui.
Posso dar um conselho? D-E-S-B-R-A-V-E! Se você tem medo de reconhecer as PANC sozinho, junte um grupo de amigos e caminhe por aí. Se você não quer coletar em lugares públicos porque tem medo de contaminação, vá às feiras e converse com agricultores e agricultoras para eles e elas te ajudarem. Se você tem medo de se queimar ou fazer algum processo errado na corrida, corra para a casa da avó e relembre com ela as receitas que ela fazia e/ou ainda faz mas poucas pessoas apreciam. Você não precisa ser refém das gôndolas do supermercado, você não precisa consumir apenas o que está envolvido numa embalagem plástica colorida. Existe comida em todo o lugar, basta alinharmos nosso olhar com a bela diversidade da natureza! Eu sou suspeita para falar porque sou apaixonada por essa temática. Falar em agrobiodiversidade é falar numa imensidão de possibilidade, é falar de emancipação humana e é falar sobre respeito a natureza que somos nós. Esse não será o último texto que escrever sobre isso e você também pode acompanhar meus experimentos culinários pelo meu perfil no Instagram ou pela página do projeto que faço parte chamado ReFazenda. É sempre um prazer compartilhar saberes e sabores por aí, espero que essas dicas ajudem na sua aproximação nesse assunto que é muito amor! <3 Para saber mais acesse aqui.
Texto escrito para o site do PorQueNão? – Mídia Interdependente
Pobres têm hábitos alimentares?

Pobres têm hábitos alimentares?

O projeto Alimentos para Todos, elaborado pela prefeitura de São Paulo, a partir da sanção da Lei 16.704/2017 intitulada Política Municipal de Erradicação da Fome e de Promoção da Função Social dos Alimentos tem dado o que falar. Pesquisadoras/es, professoras/es, nutricionistas e pessoas implicadas nas temáticas de alimentação, nutrição e direitos humanos tem se manifestado sobre o assunto afirmando o retrocesso que essa iniciativa representa nas lutas de combate à fome e desenvolvimento social.

Em Milão, na Itália, o prefeito defende o projeto e menciona que as pessoas contrárias a essa ação se colocam como tal por falta de conhecimento. Também, como lembrado pela vereadora paulistana Sâmia Bonfim há um episódio do programa Aprendiz com João Dória em que ele questiona um dos participantes do reality show se pobre tem hábitos alimentares. O prefeito tenta minimizar a repercussão do vídeo dizendo que é uma fala tirada de seu contexto.

Veja aqui o momento exato do episódio:

 

Eu fui atrás do programa na íntegra, você pode vê-lo aqui. Após assistir o episódio é possível perceber que, não somente o contexto de sua fala é o mesmo: trabalhar com pessoas em situação de rua e/ou em condições vulneráveis socioeconômicas; como sua ação em relação a essa situação não se modificou. Tanto os questionamentos se pessoas pobres possuem hábitos alimentares, quanto a defesa de um programa como o Alimentos para Todos revelam o distanciamento do João e seus apoiadores do que significa hábitos alimentares e todas as conquistas alcançadas pelos movimentos sociais ligados às questões do direito humano à alimentação adequada.

Se o Dória estivesse perguntando para mim: “Bruna, você acha que pobres têm hábitos alimentares?”, prontamente eu responderia: “SIIIIIIIIIIIIIIIIIIM!”.

Primeiro, porque não podemos confundir hábitos com situação que ocorre com frequência ou rotina. Eu sei, parece que estamos falando da mesma coisa, mas não estamos. Genericamente, existe essa compreensão de que um hábito é uma coisa que acontece na nossa rotina e é uma coisa que acontece com frequência. Logo, se eu sou pobre, moro na rua e não tenho acesso a alimentos eu não tenho hábitos alimentares. Isso é um raciocínio lógico, porém incoerente e insuficiente para pensar as questões de justiça social e políticas públicas.

Pensar em hábitos vai para além de pensar frequência. Pierre Bourdieu foi um sociólogo francês que estudou a fundo sobre o conceito de habitus (sim, é com u mesmo). O que é e/ou como se forma um hábito? Para o autor, habitus é o que vincula uma pessoa ao espaço social que ela integra. Habitus é um elo entre uma estrutura estruturada e uma estrutura estruturante. Eu não vou aqui entrar em explicações muito profundas sobre isso porque não sou socióloga, sou uma nutricionista interessada em olhar para a sociedade com lentes que apoiem minhas compreensões. Se escrevo sobre essas aprendizagens e formas pessoais de entender a vida e situações como essa da ração humana é porque acredito que podemos conversar e entender as relações sociais de uma forma fraterna e leve, uma conversa.

Assim, para entender o conceito de habitus precisamos nos aproximar de mais dois conceitos: estrutura estruturada e estrutura estruturante. Bourdieu apresenta como estrutura estruturada as convenções, crenças, regras, dogmas e todo um sistema de comportamento que moldam a sociedade desde antes do nosso nascimento. Nós já nascemos em relações sociais pré estabelecidas. Escolas, faculdades, quartéis, igrejas, organizações sociais, empresas, academias… tudo isso pode ser considerado como estruturas estruturadas.

Uma estrutura estruturante seríamos nós enquanto integrantes destas estruturas sociais que para nos sentirmos pertencente a um lugar reproduzimos, fortalecemos e dessa modo que seguimos consolidando essas estruturas. Dessa forma, quando a gente fala de hábitos alimentares estamos falando das práticas que integram a alimentação de grupamentos humanos. Estamos falando de fluxos que vão da produção ao desperdício, da terra ao prato e, posteriormente, ao lixo. Refletir sobre hábitos alimentares a luz desse autor nos permite ampliar nosso olhar para as estruturas sociais que dão base para construção desses hábitos alimentares.

Não existe pessoa dentro de uma sociedade que não possua hábitos alimentares, nós possuímos hábitos alimentares e estamos inseridos na sociedade de diversas formas. Podemos estar inseridos na média da população, podemos estar num lugar de privilégio, podemos estar inseridos à margem do que é socialmente aceito, do que é medianamente vivido. Todos e todas estamos inseridos/as dentro de sociedade que diferencia os hábitos alimentares conforme o lugar que ocupamos nela.

O conceito de Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é muito importante ser trazido nessa conversa. O DHAA é um dos consensos internacionais registrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre eles está a alimentação como um direito fundamental para a manutenção da vida humana. Eles são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados.

Eu entendo que pobres ou pessoas que estão inseridas na sociedade de uma maneira marginalizada possuem hábitos alimentares, não possuem a garantia do DHAA (e outros também…), eles e elas não possuem o acesso aos alimentos. Isso não significa que uma pessoa em situação de rua não nasceu numa família e que essa família não traz em si uma bagagem cultural, um acúmulo vivencial que dá tom e forma para seus hábitos alimentares.

Dizer que pobres não têm hábitos alimentares é negligenciar o DHAA, é negligenciar que existe sim pessoas que não tem acesso ao um alimento em quantidade e qualidade suficiente, garantia prevista para que ela exerça o seu direito fundamental de vida. Falar de DHAA é falar do direito à vida e de ter dignidade para viver. Todos nós precisamos de alimentos que sejam suficientes para garantir a nossa vida. Pessoas pobres, pessoas com pouco acesso a dinheiro para comprar ou a terra para produzir são pessoas que tem o seu direito à alimentação violado, um direito – como eu já disse – fundamental.

Considerando mais um elemento “equivocado” do projeto que apresenta como “solução para a erradicação da fome” a profusão de um alimento ultraprocessado à população. Concordo com o emprego da expressão ração humana, não só pelo aspecto, mas pela própria natureza desse produto que é destituído de identidade, de acúmulos culturais e construções sociais populares. Todos e todas nós temos heranças socioculturais, todos e todas temos histórias alimentares. Esse projeto se coloca como um mecanismo que destitui de um ser humano parte do que o constitui simplesmente pelo seu não acesso a recursos materiais para comer, vestir e morar.

Essa iniciativa de alimentos para todos é infundada e fracassada desde sua gênese por não considerar as dimensões culturais e simbólicas que todo o ser humano tem. Não somente por isso, mas porque coloca em xeque o que que entendemos por alimentos: eu entendo por alimento uma cápsula? Um suplemento alimentar? Eu restrinjo o alimento a uma massa de nutrientes para dar conta da minha manutenção energética, manutenção fisiológica? Ou eu penso no alimento como base estruturante das nossas histórias, vivências e das nossas culturas sociais?

Respeitar o outro na sua singularidade é não aceitar a afirmação que pessoas pobres não têm hábitos alimentares, é não aceitar que em função de uma vulnerabilidade socioeconômica as pessoas precisam estar agradecidas ou aceitarem qualquer tipo de alimento. Pensar nisso é importantíssimo, pra vida, e especialmente gestores/as públicos/as que executam políticas públicas. É fundamental existir uma gestão pública que perceba as múltiplas dimensões que formam as esculturas sociais de um município, estado ou país. Como os governos se relacionam com as cidadãs e cidadãos dos territórios brasileiros?

Para não acabar esse texto nem pessimista, nem tão reflexiva vou dizer para vocês que São Paulo PULSA de atividades que contribuem para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada! Caberia a gestão municipal olhar para essas iniciativas e identificar como fortalecer os diferentes e numeroso projetos que trabalham com uma alimentação socialmente justa e ambientalmente saudável.

Pessoas de São Paulo são infinitamente mais qualificadas para indicar espaços para serem conhecidos, vou compartilhar alguns que conheço por amigos e que podem ser portas para todo mundo que quiser fortalecer as ações que já existem e contribuem para a segurança alimentar e nutricional da população paulistana. =)

Quebrada Sustentável: ponto de cultura socioambiental Educativo, trabalhando com Permacultura e Agroecologia, co-gerimos o Viveiro Escola União de Vila Nova, subprefeitura de São Miguel Paulista, extremo leste de São Paulo.

Cidades Comestíveis: projeto de cidade que visa estimular uma rede colaborativa de compartilhamento de recursos, conhecimentos e trabalho entre pessoas interessadas em cultivar hortas comunitárias e caseiras.

MUDA SP: movimento da sociedade civil, prefeitura de São Paulo e entidades sem fins lucrativos para incentivar a produção de alimentos sem agrotóxicos na metrópole; ocupar os espaços públicos e resgatar o contato com a natureza; difundir a alimentação saudável e sem desperdícios; devolvendo ao cidadão o direito de cultivar e preparar sua própria comida.

Referência base:

BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Lisboa, 1989. Disponível online.

 

Texto publicado no dia 21/10/2017 no site PorQueNão? – Mídia Interdependente