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Por Natália Escouto

 

Vamos conhecer uma receita ancestral?

Quando vi essa receita pela primeira vez fiquei muito encantada, sempre fui apaixonada por amendoim e desde criança aprendemos a consumir o “cri cri” ou “carapinha” das festas juninas, ou a famosa paçoquinha. Lembro também do “amendocrem”, uma pasta de amendoim comercializada no supermercado, ainda bem distante da loucura que temos por pasta de amendoim hoje em dia (muito mais pela influência dos Estados Unidos do que qualquer outra coisa). O amendoim é o grande astro dessa receita que tem inúmeras variações e aqui vamos compartilhar uma versão vegetal feita com couve.

Na verdade, queria preparar essa receita com alguma PANC, mas vamos primeiro falar um pouco mais sobre o amendoim e os pratos tradicionais com mwamba para depois fazermos nossa coleta de PANC para essa receita.

O Amendoim nas Culinárias Africanas

É possível que o amendoim que tem sua origem na América Latina tenha chegado no continente Africano através das viagens de portugueses e espanhóis no comércio de pessoas escravizadas e bens de consumo. Outras literaturas dizem que o caminho foi ao contrário. Sabemos que este trajeto trouxe para o Brasil a banana, o coco, a palmeira com o dendê, o inhame, o quiabo, entre outros ingredientes, além de tecnologias para agricultura e técnicas culinárias que são utilizadas até hoje nas cozinhas afro-brasileira e africanas.

Lá o amendoim é usado de diversas maneiras como em molhos e cozidos, sopas, é feito o leite de amendoim também consumido em molhos, cremes e sopas além de sobremesas e bebidas. Das variações de mwamba, muamba, nkok, que encontrei a maioria leve o azeite de dendê (óleo de palma) e pasta de amendoim.

Outras receitas semelhantes usam pasta de tomates e pimentões, e normalmente é servido com mandioca cozida ou o fufu, um purê de mandioca ou de milho ou de inhame bem firme já que é tradição em muitas culturas africanas comer com as mãos e o fufu serve como uma base para comer molhos e caldos.

O Mwamba que vamos usar de referência nessa receita é feito a partir de uma pasta de pimentões vermelhos, alho e cebola, azeite ou pasta de dendê, pasta de amendoim e água. Além de sal, pimenta e especiarias locais. Este molho ou variações dele encontrei em diversas preparações como Caril de Amendoim com origens Moçambicanas, além do Mwamba Nsusu que é Congolês. Um dos pratos mais tradicionais de Angola é o Muamba de galinha, que também é referência na culinária brasileira, é muito similar ao nosso frango com quiabo. O frango é cozido com cebola, alho, pimentas, e azeite de dendê e um bom molho de tomate e por fim a pasta de amendoim é adicionada na mistura.

O Vatapá baiano, por acaso, é outra receita que faz parte desta influência do amendoim na nossa cultura alimentar. Feito com amendoim torrado, castanhas de caju, dendê, farinha de mandioca ou fubá (e ainda pão dormido), gengibre, pimenta malagueta, cebola, tomate e leite de coco e camarão seco.

Chef Pitchou Luambo – Chefe de Cozinha do restaurante Congolinária, no centro de São Paulo/SP. Pitchou que além de cozinheiro é advogado, veio ao Brasil buscar abrigo uma vez que seu país natal – a República Democrática do Congo, está em guerra civil à anos.  O restaurante familiar serve um rodízio de culinária afrikana com inspiração congolesa adaptando alguns pratos aos ingredientes brasileiros. Couve na mwamba é um dos mais pedidos, e ainda vemos muitas semelhanças entre os nossos ingredientes como a banana, o dendê, arroz e feijão, quiabo, amendoim, além de milho e mandioca. Pitchou ressalta a importância das comunidades de refugiados que vivem no Brasil e como a culinária fortalece as conexões com a terra natal. 

As versões vegetais do Mwamba foram as que mais me deixaram intrigada e curiosa. Na receita do Chef Pitchou (Chef de Cozinha do Restaurante Congolinária em São Paulo), disponível no youtube, ele usa couve como o vegetal da receita, talvez por ser um vegetal folhoso bem acessível aos brasileiros. Já no vídeo (em inglês) da Fabiola (no instagram @shinewithplants) ela chama a receita de Nkok, e usa uma outra planta chamada de Okazi. Tentei achar mais sobre essa planta, mas só achei conteúdos em inglês e em idiomas locais e não quis arriscar na tradução. O engraçado que as folhas de Okazi lembram muito as folhas de Bertalha e da Batata Doce, sendo as duas panc, acho interessante termos essa possibilidade. (ainda não testei, mas compartilho quando fizer). Além disso, o preparo da receita de Nkok me pareceu semelhante ao da maniçoba (prato amazônico da cultura paraense) que é feita a partir da folha da mandioca.

As folhas de Okazi são bem comuns na África e são vendidas em porções congeladas da folha finamente picada. Fabiola lavou as folhas e bateu no liquidificador e levou numa panela com água em fogo alto e deixou ferver por quase uma hora. Significa que essas folhas precisam de mais tempo de cozimento do que a couve por exemplo. Depois adicionou uma pasta de dendê e por último a pasta de amendoim, além de sal e açúcar. De acompanhamento mandioca cozida no vapor. E também falou sobre uma mandioca fermentada. Vale conferir.

E vamos a receita no nosso Mwamba!

Ingredientes:

  • 1/3 de xícara de azeite de dendê
  • 1 cebola pequena cortada em cubos pequenos
  • 1 dente de alho cortado em cubos pequenos
  • 2 tomates cortados em cubos pequenos
  • 1 pimentão vermelho pequeno cortado em cubos pequenos
  • ½ xícara de extrato de tomate ou molho de tomate
  • 1 Molho de couve verde ou manteiga cortado finamente
  • ¾ xícara de pasta de amendoim
  • +/- 500ml de água
  • Sal e pimenta do reino a gosto

Pode usar pimenta dedo de moça, pimenta malagueta, páprica picante e outros temperos que preferir. Gosto de fazer com um pouco de gengibre.

Modo de preparo:

  • Primeiro comece deixando todos os ingredientes prontos e picados para poder preparar a receita com calma e atenção. 
  • Numa panela média, aqueça o azeite de dendê e acrescente nessa ordem a cebola e deixe murchar um pouco e depois acrescente o alho. 
  • Em seguida acrescente os tomates e os pimentões e deixe dourar bem até desmanchar, se precisar acrescente um pouco de água para facilitar o cozimento.
  • Pode tampar e deixar cozinhar por uns 10 minutos. Quando o molho estiver com os legumes desmanchados acrescente o molho de tomate e misture bem, apertando um pouco com a colher para amassar o que ainda estiver com pedaços.
  • Por fim, acrescente a couve, misture e acrescente água até cobrir e a pasta de amendoim. Misture muito bem e veja se necessita de água novamente, a receita deve ficar bem cremosa. 
  • Deixe cozinhar por mais 5 minutos e misture de vez em quando para não grudar no fundo.
  • Tempere com sal e pimenta e sirva com mandioca cozida, ou ainda inhame.

Esta é uma receita para voltarmos pra casa, sentimos o gosto do que nossos ancestrais cultivaram. Conhecer as nossas origens culinárias também é um processo de cura e de resgate. Principalmente para valorização da nossa cultura. Desfrute!

Fontes de pesquisa: 

Chef Pitchou Lumabo e Restaurante Congolinária – https://congolinaria.com.br/

CRUZ. M. S. R.; MACEDO. J.R. A transmissão do saber em elementos da culinária baiana como depositário da tradição cultural: uma análise à luz da contemporaneidade. V Unecult – UFBA 2009

Fabiola – Shine with Plants (Canal no Youtube) – https://www.youtube.com/channel/UCVPAZQXFNi6yYW6_MKajyvQ/featured 

Muamba Nsusu: Congolese Peanut and Palm Oil Stew (Muamba Nsusu: Ensopado com amendoim e óleo de palma congoles) – https://blog.arousingappetites.com/muamba-nsusu-congolese-peanut-palm-oil-stew/

Órfãos da Terra: Julia Dalavia aprende receita com Chef Congolês – https://youtu.be/DRkN1udSe2c 

PAIVA. M. C. A presença Africana na Culinária Brasileira: sabores africanos no Brasil. 2017 UFJF Pós Graduação Lato Sensu em História da África

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Sobre a autora:

Natália Escouto:

Natália Escouto (@preta.nati) é gastróloga, cozinheira e professora de culinária vegetal. Ministra aulas e oficinas de culinária, consultorias e cria conteúdo nas redes sociais pensando o comer como política, cultura e afeto. Vegetariana há quase 10 anos, é apaixonada pela culinária brasileira e praticidade na cozinha. Pesquisa sobre referências africanas na nossa alimentação e referências ancestrais de se relacionar com o alimento e com o cozinhar.