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O vício invisível: é hora de desistir da cafeína?

O vício invisível: é hora de desistir da cafeína?

Traduzido por Eduardo Stigger

Este texto é uma tradução da matéria “The invisible addiction: is it time to give up caffeine?” publicada no The Guardian, em 06 de julho de 2021, e escrito pelo brilhante – e frequentemente citado aqui – Micheal Pollan. Acesse a matéria original aqui. A publicação deste texto tem o objetivo de complementar o conteúdo publicado no dia 14 de abril de 2022 sobre a história do café e como ele se tornou a bebida mais consumida no mundo, o texto Café: uma volta ao mundo. Esta matéria trata das dinâmicas sociais em torno do café e levantando questionamentos sobre a nossa relação atual com a bebida. As opiniões, em sua totalidade, não representam as opiniões da Crioula – Curadoria Alimentar. As afirmações e opiniões são de responsabilidade da equipe autora da matéria.

A cafeína nos torna mais energéticos, eficientes e rápidos. Mas nos tornamos tão dependentes que precisamos dela para apenas fazer o básico.

por Michael Pollan

Depois de anos começando o dia com um café grande de manhã, seguido de vários copos de chá-verde em intervalos, e um eventual cappuccino depois do almoço, parei de cafeína, de uma vez só. Não era algo que eu particularmente queria fazer, mas relutantemente cheguei à conclusão de que a matéria que eu estava escrevendo exigia isso. Vários dos especialistas que eu estava entrevistando sugeriam que eu realmente não conseguia entender o papel da cafeína na minha vida – seu poder invisível, mas penetrante – sem largá-la e depois, presumivelmente, voltar. Roland Griffiths, um dos principais pesquisadores do mundo de drogas que alteram o humor, e principal responsável por obter o diagnóstico de “abstinência de cafeína” incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), a bíblia dos diagnósticos psiquiátricos, me disse que não havia começado a entender seu próprio relacionamento com a cafeína até que parou de usá-la e realizou uma série de autoexperimentos. Ele me incentivou a fazer o mesmo.

Para a maioria de nós, ser “cafeinado” em um grau ou outro simplesmente se tornou o básico da consciência humana. Cerca de 90% dos humanos ingerem cafeína regularmente, tornando-a a droga psicoativa mais usada no mundo e a única que damos rotineiramente às crianças (geralmente na forma de refrigerantes). Poucos de nós sequer pensam nisso como uma droga, muito menos no nosso uso diário como um vício. É tão difundido que é fácil ignorar o fato de que ser cafeinado não é uma consciência básica, mas, na verdade, um estado alterado. Acontece que é um estado que praticamente todos nós compartilhamos, tornando-o invisível.

Os cientistas listaram, e eu pontualmente notei, os sintomas previsíveis da abstinência de cafeína: dor de cabeça, fadiga, letargia, dificuldade de concentração, diminuição da motivação, irritabilidade, angústia intensa, perda de confiança e disforia. Mas, sob esse rótulo falsamente leve de “dificuldade de concentração” esconde-se nada menos que uma ameaça existencial à obra de um escritor. Como você pode esperar escrever algo quando não consegue se concentrar?

Adiei o máximo que pude, mas finalmente chegou o fatídico dia. De acordo com os pesquisadores que entrevistei, o processo de abstinência na verdade começou durante a noite, enquanto eu dormia, durante o “vale” no gráfico dos efeitos diurnos da cafeína. A primeira xícara de chá ou café do dia possui a maior parte de seu poder – a alegria! – não tanto pelas suas propriedades eufóricas e estimulantes, mas pelo fato de estar suprimindo os sintomas emergentes da abstinência. Isso faz parte da insidiosidade da cafeína.

Seu modo de ação, ou “farmacodinâmica”, combina tão perfeitamente com os ritmos do corpo humano, que a xícara de café da manhã chega bem a tempo de evitar a angústia mental iminente desencadeada pela xícara de café de ontem. Diariamente, a cafeína se propõe como a solução ideal para o problema que a cafeína cria.

Na cafeteria, em vez do meu habitual “semi-cafeinado”, pedi uma xícara de chá de menta. E nesta manhã, aquele agradável clarear da névoa mental que a primeira dose de cafeína traz nunca chegou. A neblina caiu sobre mim e não se moveu. Não é que eu me sentisse mal – não cheguei a ter uma forte dor de cabeça – mas durante todo o dia senti uma certa tontura, como se um véu tivesse descido no espaço entre mim e a realidade, uma espécie de filtro que absorvia certos comprimentos de onda de luz e som.

Consegui trabalhar um pouco, mas distraidamente. “Sinto-me como um lápis sem ponta”, escrevi em meu caderno. “Coisas ao redor se intrometem e não serão ignoradas. Não consigo me concentrar por mais de um minuto.”

Ao longo dos dias seguintes, comecei a me sentir melhor, o véu foi levantado, mas ainda não era eu mesmo, nem o mundo. Nesse novo normal, o mundo parecia mais monótono para mim. Eu parecia mais maçante, também. As manhãs eram as piores. Cheguei a ver como a cafeína é essencial para o trabalho diário de nos juntar novamente após o cair da consciência durante o sono. Essa reconsolidação do eu levou muito mais tempo do que o normal e nunca pareceu completa.

A familiaridade da humanidade com a cafeína é surpreendentemente recente. Mas não é exagero dizer que essa molécula refez o mundo. As mudanças provocadas pelo café e pelo chá ocorreram em um nível fundamental – o nível da mente humana. O café e o chá inauguraram uma mudança no clima mental, aguçando as mentes que estavam enevoadas pelo álcool, libertando as pessoas dos ritmos naturais do corpo e do sol, tornando possíveis novos tipos de trabalho e, sem dúvida, novos tipos de pensamento  também.

No século 15, o café era cultivado no leste da África e comercializado em toda a península arábica. Inicialmente, a nova bebida era considerada um auxiliar de concentração e usada pelos Sufis, no Iêmen, para evitar que cochilassem durante suas observâncias religiosas. (O chá também começou como um pequeno auxiliar para os monges budistas que se esforçavam para permanecer acordados durante longos períodos de meditação.) Em um século, cafeterias surgiram em cidades de todo o mundo árabe. Em 1570 havia mais de 600 deles apenas em Constantinopla, e eles se espalharam para norte e oeste com o império otomano.

O mundo islâmico nessa época era, em muitos aspectos, mais avançado que a Europa, em ciência, tecnologia e em aprendizado. É difícil provar que esse florescimento mental tenha relação com a prevalência do café (e a proibição do álcool), mas, como argumentou o historiador alemão Wolfgang Schivelbusch, a bebida “parecia ser feita sob medida para uma cultura que proibia o consumo de álcool e deu origem à matemática moderna”.

Em 1629, os primeiros cafés da Europa, inspirados nos modelos árabe e turco, surgiram em Veneza, e o primeiro estabelecimento desse tipo na Inglaterra foi aberto em Oxford em 1650 por um imigrante judeu. Chegaram a Londres pouco depois e proliferaram: em poucas décadas havia milhares de cafés em Londres; no seu auge, um para cada 200 londrinos.

Chamar os cafés ingleses de um novo tipo de espaço público não é o suficiente. Se pagava um centavo pelo café, mas a informação – na forma de jornais, livros, revistas e conversas – era gratuita. (Os cafés eram muitas vezes referidos como “universidades de um centavo”.) Depois de visitar cafés de Londres, um escritor francês chamado Maximilien Misson escreveu: “Você tem notícias de todas as formas lá; Você tem uma boa lareira, junto à qual pode sentar-se o tempo que quiser: Você tem café; você encontra seus amigos para a transação de negócios, e tudo por um centavo, se você não quiser gastar mais.”

As cafeterias de Londres se distinguiam umas das outras pelos interesses profissionais ou intelectuais de seus clientes, o que acabou por lhes dar identidades institucionais específicas. Assim, por exemplo, comerciantes e homens com interesses em transporte marítimo reuniam-se no Lloyd’s Coffee House. Lá você poderia saber quais navios estavam chegando e partindo, e comprar uma apólice de seguro para sua carga. A Lloyd’s Coffee House acabou se tornando a corretora de seguros Lloyd’s de Londres. Tipos eruditos e cientistas – conhecidos então como “filósofos naturais” – reuniram-se no Grecian, que se tornou intimamente associado à Royal Society; Isaac Newton e Edmond Halley debateram física e matemática lá, e diz-se que uma vez dissecaram um golfinho no local.

A conversa nos cafés londrinos frequentemente se voltava para a política, em vigorosos exercícios de liberdade de expressão que provocaram a ira do governo, especialmente após a restauração da monarquia em 1660. Charles II, preocupado com a possibilidade de conspirações serem organizadas nos cafés, decidiu que os lugares eram fomentadores perigosos da rebelião que a coroa precisava suprimir. Em 1675, o rei decidiu fechar os cafés, alegando que os “relatos falsos, maliciosos e escandalosos” que deles emanam eram uma “perturbação do sossego e da paz do reino”. Como tantos outros compostos que alteram as qualidades da consciência nos indivíduos, a cafeína era vista como uma ameaça ao poder institucional, que se movia para suprimi-la, em um prenúncio das guerras contra as drogas que viriam.

Mas, a guerra do rei contra o café durou apenas 11 dias. Charles descobriu que era tarde demais para reverter a maré da cafeína. Àquela altura, o café era um elemento tão importante na cultura e vida cotidiana inglesa – e tantos londrinos importantes haviam se tornado viciados em cafeína – que todos simplesmente ignoraram a ordem do rei e continuaram bebendo café tranquilamente. Com medo de testar sua autoridade e não encontrá-la, o rei silenciosamente recuou, emitindo uma segunda proclamação revertendo a primeira “por consideração principesca e compaixão real”.

É difícil imaginar que esse crescimento político, cultural e intelectual que borbulhou nos cafés da França e da Inglaterra no século 17 poderia ter se desenvolvido em uma taverna. O tipo de pensamento mágico que o álcool patrocinava na mente medieval começou a dar espaço a um novo espírito racionalista e, um pouco mais tarde, ao pensamento iluminista.

O historiador francês Jules Michelet escreveu: “O café, a bebida sóbria, o poderoso alimento do cérebro, que, ao contrário de outros destilados, aumenta a pureza e a lucidez; café, que limpa as nuvens da imaginação e seu peso sombrio; que ilumina a realidade das coisas de repente com o clarão da verdade”.

A ver, com clareza, “a realidade das coisas”: esse era, em poucas palavras, o projeto racionalista. O café tornou-se, junto com o microscópio, o telescópio e a caneta, uma de suas ferramentas indispensáveis.

Após algumas semanas, as deficiências mentais da abstinência diminuíram e eu pude mais uma vez pensar de forma coerente, manter uma abstração em minha cabeça por mais de dois minutos e afastar os pensamentos periféricos do meu campo de atenção. No entanto, continuei a me sentir mentalmente um pouco atrasado, especialmente quando na companhia de bebedores de café e chá, o que, logicamente, estava o tempo todo e em todos os lugares.

Eis do que eu sentia falta: do jeito que a cafeína e seus rituais costumavam ordenar meu dia, especialmente pela manhã.

Os chás de ervas – que quase não são psicoativos – não têm o poder do café e do chá para organizar o dia em um ritmo de picos e vales energéticos, à medida que a maré mental da cafeína diminui e flui. A onda da manhã é uma bênção, obviamente, mas também há algo reconfortante na maré vazante da tarde, que uma xícara de chá pode reverter suavemente.

Em determinado momento, comecei a me perguntar se talvez fosse tudo coisa da minha cabeça, essa sensação de que eu havia caído um degrau mental desde que parei de tomar café e chá. Então decidi olhar para a ciência, para aprender o que, se é que existe, o aprimoramento cognitivo pode realmente ser atribuído à cafeína. Encontrei vários estudos realizados ao longo dos anos relatando que a cafeína melhora o desempenho em uma série de medidas cognitivas – de memória, foco, estado de alerta, vigilância, atenção e aprendizado. Um experimento feito na década de 1930 descobriu que os jogadores de xadrez com cafeína tiveram um desempenho significativamente melhor do que os jogadores que se abstiveram. Em outro estudo, usuários de cafeína concluíram uma variedade de tarefas mentais mais rapidamente, embora cometessem mais erros; como um artigo colocou em seu título, as pessoas que consomem cafeína são “mais rápidas, mas não mais inteligentes”. Em um experimento de 2014, indivíduos que receberam cafeína imediatamente após aprenderem um novo conteúdo memorizaram melhor do que os indivíduos que receberam placebo. Testes de habilidades psicomotoras também sugerem que a cafeína nos dá uma vantagem: em exercícios de direção simulada, a cafeína melhora o desempenho, especialmente quando o sujeito está cansado. Também melhora o desempenho físico em métricas como contra-relógio, força e resistência muscular.

É verdade que há motivos para desconfiar um pouco dessas descobertas, mesmo porque esse tipo de pesquisa é difícil de ser bem-sucedida. O problema é encontrar um bom grupo de controle em uma sociedade em que praticamente todo mundo é viciado em cafeína. Mas o consenso parece ser de que a cafeína melhora o desempenho mental (e físico) até certo ponto.

Se a cafeína também aumenta a criatividade é outra questão, no entanto, e há algumas razões para duvidar disso. A cafeína melhora nosso foco e capacidade de concentração, o que certamente melhora o pensamento linear e abstrato, mas a criatividade funciona de maneira muito diferente. Pode depender da perda de um certo tipo de foco e da liberdade de deixar a mente livre do pensamento linear.

Psicólogos cognitivos às vezes falam em termos de dois tipos distintos de consciência: consciência holofote, que ilumina um único ponto focal de atenção, tornando-o muito bom para o raciocínio, e consciência lanterna, na qual a atenção é menos focada, mas ilumina um campo de atenção mais amplo. As crianças pequenas tendem a exibir a consciência de lanterna; assim como muitas pessoas sob efeito de psicodélicos. Essa forma mais difusa de atenção se presta à divagação mental, à livre associação e à criação de novas conexões – tudo isso pode nutrir a criatividade.

Em comparação, a grande contribuição da cafeína para o progresso humano tem sido intensificar a consciência de holofotes – o processamento cognitivo focado, linear, abstrato e eficiente mais associado ao trabalho mental do que ao lazer. Isso, mais do que qualquer outra coisa, é o que fez da cafeína a droga perfeita não apenas para a era da razão e do Iluminismo, mas também para a ascensão do capitalismo.

O poder da cafeína de nos manter acordados e alertas, de conter a maré natural de exaustão, nos libertou dos ritmos circadianos de nossa biologia e assim, junto com o advento da luz artificial, abriu a fronteira da noite para a possibilidade de trabalho.

O que o café fez por clérigos e intelectuais, o chá logo faria pela classe trabalhadora inglesa. De fato, foi o chá das Índias Orientais – fortemente adoçado com açúcar das Índias Ocidentais – que alimentou a Revolução Industrial. Pensamos na Inglaterra como uma cultura do chá, mas o café, inicialmente a bebida mais barata, inicialmente foi dominante.

Logo depois que a Companhia Britânica das Índias Orientais começou a negociar com a China, o chá barato inundou a Inglaterra. Uma bebida que apenas os abastados podiam beber em 1700 era, em 1800, consumida por praticamente todos, da matrona da sociedade ao operário da fábrica

Suprir essa demanda exigia um empreendimento imperialista de enorme escala e brutalidade, especialmente depois que os britânicos decidiram que seria mais lucrativo transformar a Índia, sua colônia, em um produtor de chá, do que comprar chá dos chineses. Isso exigia primeiro roubar os segredos da produção de chá dos chineses (uma missão cumprida pelo renomado botânico e explorador de plantas escocês Robert Fortune, disfarçado de mandarim); confiscando terras de camponeses em Assam (onde o chá crescia de forma selvagem) e depois forçando os agricultores à servidão, colhendo folhas de chá do amanhecer ao anoitecer. A introdução do chá no ocidente foi uma questão de exploração – a extração de mais-valia do trabalho, não apenas em sua produção na Índia, mas também em seu consumo pelos britânicos.

O chá permitiu à classe trabalhadora britânica suportar longos turnos, condições de trabalho brutais e fome mais ou menos constante; a cafeína ajudou a acalmar as dores da fome, e o açúcar nela se tornou uma fonte crucial de calorias. (Do ponto de vista estritamente nutricional, os trabalhadores teriam ficado melhor com a cerveja.)

A cafeína do chá ajudou a criar um novo tipo de trabalhador, mais adaptado ao domínio da máquina. É difícil imaginar uma Revolução Industrial sem ela.

Então, como exatamente o café e a cafeína em geral nos tornam mais energéticos, eficientes e rápidos? Como essa pequena molécula poderia fornecer energia ao corpo humano sem calorias? A cafeína poderia ser o proverbial almoço grátis? Ou pagamos um preço pela energia mental e física – o estado de alerta, foco e resistência – que a cafeína nos dá?

Infelizmente, não existe almoço grátis. Acontece que a cafeína só parece nos dar energia. A cafeína funciona bloqueando a ação da adenosina, uma molécula que se acumula gradualmente no cérebro ao longo do dia, preparando o corpo para descansar. As moléculas de cafeína interferem nesse processo, impedindo que a adenosina faça seu trabalho – e nos mantendo alertas. Mas, os níveis de adenosina continuam a subir, de modo que, quando a cafeína é eventualmente metabolizada, a adenosina inunda os receptores do corpo e o cansaço retorna. Assim, a energia que a cafeína nos dá é emprestada, na verdade, e, eventualmente, a dívida deve ser paga.

Desde que as pessoas bebem café e chá, as autoridades médicas alertam sobre os perigos da cafeína. Mas até agora, a cafeína foi inocentada das acusações mais graves contra ela. O consenso científico atual é mais do que tranquilizador – na verdade, a pesquisa sugere que o café e o chá, longe de serem prejudiciais à nossa saúde, podem oferecer alguns benefícios importantes, desde que não sejam consumidos em excesso. O consumo regular de café está associado a uma diminuição do risco de vários tipos de câncer (incluindo mama, próstata, colo-retal e endometrial), doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, doença de Parkinson, demência e possivelmente depressão e suicídio. (Embora altas doses possam produzir nervosismo e ansiedade, e as taxas de suicídio aumentam entre aqueles que bebem oito ou mais xícaras por dia.)

Minha análise da literatura médica sobre café e chá me fez pensar se minha abstenção poderia estar comprometendo não apenas minha função mental, mas também minha saúde física. No entanto, isso foi antes de falar com Matt Walker.

Um neurocientista inglês do corpo docente da Universidade da Califórnia, Berkeley, Walker, autor de Why We Sleep, é obstinado em sua missão: alertar o mundo para uma crise invisível de saúde pública, que é o fato de que não estamos dormindo o suficiente, o sono que estamos tendo é de má qualidade, e o principal culpado desse crime contra o corpo e a mente é a cafeína.

A cafeína em si pode não ser ruim para você, mas o sono que ela está roubando pode ter um preço.

De acordo com Walker, a pesquisa sugere que o sono insuficiente pode ser um fator chave no desenvolvimento da doença de Alzheimer, arteriosclerose, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, depressão, ansiedade, suicídio e obesidade. “Quanto menos você dorme”, ele conclui sem rodeios, “mais curta sua expectativa de vida”.

Walker cresceu na Inglaterra bebendo grandes quantidades de chá preto, de manhã, ao meio-dia e à noite. Ele não consome mais cafeína, exceto pelas pequenas quantidades em sua xícara ocasional de descafeinado. Na verdade, nenhum dos pesquisadores do sono ou especialistas em ritmos circadianos que entrevistei para esta história consome cafeína.

Walker explicou que, para a maioria das pessoas, o “quarto de vida” da cafeína geralmente é de cerca de 12 horas, o que significa que 25% da cafeína de uma xícara de café consumida ao meio-dia ainda está circulando em seu cérebro quando você deita na cama à meia-noite. Isso pode ser o suficiente para destruir completamente seu sono profundo.

Eu me considerava um bom dorminhoco antes de conhecer Walker. Durante o almoço, ele me questionou sobre meus hábitos de sono. Eu disse a ele que geralmente tenho sete horas sólidas, adormeço facilmente, sonho na maioria das noites.

“Quantas vezes por noite você acorda?” ele perguntou. Acordo três ou quatro vezes por noite (geralmente para fazer xixi), mas quase sempre volto a dormir.

Ele balançou a cabeça gravemente. “Isso não é nada bom, todas essas interrupções. A qualidade do sono é tão importante quanto a quantidade de sono.” As interrupções estavam minando a quantidade de sono “profundo” ou de “ondas lentas” que eu estava tendo, algo acima e além do sono REM que eu sempre pensei ser a medida de uma boa noite de repouso. No entanto, parece que o sono profundo é tão importante para a nossa saúde, e o tempo que temos tende a diminuir com a idade.

A cafeína não é a única causa nessa nossa crise de sono; telas, álcool (que é tão problemático para o sono REM quanto a cafeína é para o sono profundo), produtos farmacêuticos, horários de trabalho, poluição sonora e luminosa e ansiedade podem desempenhar um papel em minar a duração e a qualidade do nosso sono. Mas eis o que é especialmente insidioso a respeito da cafeína: a droga não é apenas uma das principais causas de nossa privação de sono; é também a principal ferramenta com a qual contamos para remediar o problema. A maior parte da cafeína consumida hoje está sendo usada para compensar o mau sono que a cafeína causa – o que significa que a cafeína está ajudando a esconder de nossa consciência o problema que a cafeína cria.

Chegou a hora de encerrar meu experimento de privação de cafeína. Eu estava ansioso para ver o que um corpo que tinha sido privado de cafeína por três meses experimentaria quando submetido a algumas doses de café expresso.

Eu tinha pensado muito sobre que tipo de café eu tomaria e onde. Optei por um “especial”, o termo do meu café local para um expresso duplo feito com menos leite vaporizado do que um cappuccino típico; é mais conhecido como um flat white.

Meu especial foi incrivelmente bom, uma lembrança de quão ruim é um descafeinado falsificado; aqui estavam todas as dimensões e profundidades de sabor que eu tinha esquecido completamente. Tudo em meu campo visual parecia agradavelmente em itálico, fílmico, e eu me perguntava se todas aquelas pessoas com seus copos de papelão envoltos em mantas tinham alguma ideia da droga poderosa que estavam bebendo. Mas como eles poderiam saber?

Eles haviam se habituado há muito tempo à cafeína e agora a usavam para outro propósito completamente diferente. Manutenção do básico, ou seja, um pequeno e bem-vindo impulso. Eu me senti sortudo por essa experiência ter sido disponibilizada para mim. Isso – junto com o sono incrível – foi o maravilhoso dividendo do meu investimento na abstenção.

E, no entanto, em poucos dias eu seria um deles, tolerante à cafeína e viciado novamente. Eu me perguntava: havia alguma maneira de preservar o poder dessa droga? Eu poderia conceber um novo relacionamento com a cafeína? Talvez tratá-lo mais como um psicodélico – digamos, algo para ser tomado apenas de vez em quando, e com maior grau de cerimônia e intenção. Talvez apenas beber café aos sábados? Apenas um.

Quando cheguei em casa, abordei minha lista de tarefas com um fervor incomum, aproveitando a onda de energia – de foco! – correndo através de mim, e colocá-la em bom uso. Eu limpava e arrumava compulsivamente – no computador, no meu armário, no jardim e no galpão. Eu limpei, capinei, coloquei as coisas em ordem, como se estivesse possuído. O que quer que eu focasse, eu focava zelosamente e obstinadamente.

Por volta do meio-dia, minha compulsividade começou a diminuir e me senti pronto para uma mudança de cenário. Eu tinha arrancado algumas plantas da horta que não estavam fazendo a sua parte, e decidi ir à floricultura para comprar algumas substitutas. Foi no caminho que percebi a verdadeira razão pela qual eu estava indo para esta floricultura em particular: tinha um trailer estacionado na frente que servia um café expresso muito bom.

Plantando a regeneração – conheça a primeira mulher africana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz

Plantando a regeneração – conheça a primeira mulher africana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz

Por Milena Ventre

Wangari Muta Maathai nasceu em Nyeri, uma área rural do Quênia (África), em 1940. Ela obteve um diploma em Ciências Biológicas pelo Mount St. Scholastica College em Atchison, Kansas (1964), um mestrado em Ciências pela Universidade de Pittsburgh (1966), e fez doutorado na Alemanha e na Universidade de Nairobi, antes de obter um Ph.D. (1971) da Universidade de Nairobi, onde também ensinou anatomia veterinária. A primeira mulher na África Oriental e Central a obter um doutorado.

Em 1977 junto ao Conselho Nacional de Mulheres do Quênia, a professora Wangari Maathai fundou o Movimento Cinturão Verde (Green Belt Movement), cujo foco principal é a redução da pobreza e a conservação ambiental por meio do plantio de árvores, sendo destinado principalmente às mulheres.

O Movimento capacitou mulheres, a população com deficiência física e os jovens que abandonaram os estudos, tornando-os capazes de plantar e cultivar mudas adequadamente, as quais seriam vendidas para a organização, gerando fonte de renda, e depois redistribuídas gratuitamente para o reflorestamento de árvores nativas.

O Green Belt Movement incentivava as mulheres a criar maternidades de árvores nativas da África. As pessoas viajavam até encontrar as sementes dessas árvores, depois plantavam em um lugar para elas crescerem um pouquinho e darem mais sementes (a tal maternidade de árvores), e então replantavam as árvores nas fazendas e plantavam as sementes novas na maternidade, recomeçando o ciclo.

Mais de 900.000 mulheres quenianas se beneficiaram de sua campanha de plantio de árvores vendendo mudas para reflorestamento.

Numa realidade onde o desmatamento dificultava o acesso a lenha, matriz energética usada no preparo dos alimentos, fazendo com que as mulheres caminhassem em excesso na busca e no carregamento de lenha, prejudicando a saúde das mulheres e toda a alimentação da comunidade, o Green Belt Movement trouxe dignidade à vida das mulheres, plantou novos acessos à lenha, desenvolveu renda e fortaleceu a comunidade, tudo isso se deu ao passo que reflorestou a paisagem.

No seu livro: “Reabastecendo a Terra: Valores Espirituais para a Cura de Nós e do Mundo” Maathai descreve os 4 valores centrais do Movimento Cinturão Verde, os quais eram ensinados nos seminários, são eles:

Amor ao meio ambiente,
Gratidão e respeito pelos recursos da terra,
Auto-capacitação e auto-aperfeiçoamento,
Compromisso com o serviço

 

No filme “Dirt the Movie”, Maathai conta a história do beija flor, mesmo este sendo tão pequeno, faz o esforço incessante de carregar uma gota de água para apagar o incêndio na floresta, ao ser questionado pelos demais animais que o assistem paralisados pelo fogo, o beija flor responde: “Estou fazendo o melhor que eu posso! E isso pra mim é o que todos deveríamos fazer”.

No centro de sua mensagem está a demanda por um novo nível de consciência e preocupação ambiental.

“Hoje enfrentamos um desafio que exige uma mudança no nosso pensamento, para que a humanidade pare de ameaçar o seu suporte de vida. Somos chamados a ajudar a Terra, a curar as suas feridas e, no processo, curar as nossas – a abraçar, de verdade toda a criação em toda a sua diversidade, beleza e maravilha. Reconhecer que o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz só resultam juntos.”

Em 1992, enquanto protestava contra a distribuição de terras do presidente Daniel arap Moi, Maathai foi espancada até ficar inconsciente, felizmente resistiu e mesmo diante de toda brutalidade ela seguiu destemida, Wangari Muta Maathai lutou contra a expropriação de terras, contra abusos dos direitos humanos e pela proteção do meio ambiente no Quénia.

“São as pessoas que devem salvar o meio ambiente. São as pessoas que devem fazer seus líderes mudarem. E não podemos ser intimidados. Portanto, devemos defender aquilo em que acreditamos.”- Wangari Maathai

Ao todo o Green Belt Movement plantou 51 milhões de árvores, e Wnagari inspirou as Nações Unidas a lançar uma campanha que levou ao plantio de 11 bilhões de árvores em todo o mundo.

Em 2004 Maathai recebeu Prêmio Nobel da Paz por tudo o que fez pelo meio-ambiente, pelas mulheres e pela democracia no seu país. Em 2011 aos 71 anos, Wangari Maathai deixou de existir num corpo físico.

Após sua morte, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chamou Maathai de “pioneira na articulação dos vínculos entre direitos humanos, pobreza, proteção ambiental e segurança”. O ativista ambiental nigeriano, Nnimmo Bassey, comentou: “Se ninguém aplaude esta grande mulher da África, as árvores baterão palmas”

Toda vida humana é co criada junto à Terra, o convite para regenerar nossa relação com a Terra está feito! Já é sabido que a nossa cultura mercadológica só resulta em lixos e escassez, esquecemos o quão precioso é compreender o organismo vivo ao qual habitamos, além da nossa espécie, existe o infinito da criação, todos os seres, formas de vida, habitando nesse tempo espaço (templo) da Terra.

Wangari Maathai recebe o Prêmio Nobel da Paz em Oslo – a primeira mulher negra africana a fazê-lo.

Uma ancestral que tem muito a nos ensinar!

Engana-se quem pensa que construir um futuro digno para as pessoas e o planeta é uma batalha simples de ser travada. Não há romantismo, é de fato uma disputa de narrativa e práticas frente a forças com poder econômico, político e, muitas vezes, bélico. As mulheres são protagonistas nas lutas em defesa da natureza, desde muito tempo, são elas que trabalham de maneira alinhada aos princípios da agroecologia e soberania alimentar dos territórios aos quais pertencem.

Siga acompanhando nossos conteúdos para conhecer mais mulheres inspiradoras que fazem desse mundo um lugar mais solidário e nutrido.

A Crioula | Curadoria Alimentar tem como propósito trazer ancestralidade, conceitos sobre regeneração, princípios de ecologia, alimentação biodiversa, e partilhar isso com a sociedade, espalhando nossas sementes, construindo uma cultura regenerativa. Para isso acontecer é importante que mais pessoas contribuam conosco, através do Clube de Assinaturas da Crioula ou fazendo uma transferência via pix pela chave: oi.crioula@gmail.com.

REFERÊNCIAS:

Youtube – Wangari Maathai e a luta pela defesa do meio ambeinte. Disponível em: link para vídeo  

Green Belt Movement

http://www.greenbeltmovement.org/

DW – Wangari Maathai: A ambientalista queniana que ganhou o Nobel da Paz. Disponível em:. link

Wangari Maathai e as florestas da África

https://medium.com/@oquecoisa/wangari-waathai-e-as-florestas-da-%C3%A1frica-d52746ec0a4d

Onu – Wangari Maathai, a mulher das árvores morre.

https://www.un.org/africarenewal/web-features/wangari-maathai-woman-trees-dies

Facebook – Green Belt Movement

https://m.facebook.com/greenbeltmovement/reviews/

Reflorestamento no Quênia

http://www.womenaid.org/press/info/development/greenbeltproject.html

Green Belt Movement Principais discrusos e artigos. Acesse em:

https://www.greenbeltmovement.org/wangari-maathai/key-speeches-and-articles

Viemeo. Filme – A visão de Wangari Maathai

https://vimeopro.com/marlboroproductions/taking-root-the-vision-of-wangari-maathai

Filme – Criando Raízes

http://takingrootfilm.com/

GBM – Iniciativa Nacional de Plantio de Árvores

https://www.greenbeltmovement.org/node/854

Universo Solo

Universo Solo

Milena Ventre  

Por dezenas de milhares de anos a água e o clima operaram para que rochas fossem decompostas e é deste movimento que surge o solo. Inicialmente o solo era uma estrutura simples, não tendo a capacidade de acumular água e os nutrientes necessários para manter formas de vida. Os primeiros seres vivos a habitar o solo foram os líquens, capazes de recolher água do ambiente e capturar nitrogênio.

Numa dança de milhões de anos, essa interação de líquens + solo permitiu que novas espécies pudessem existir, tal como o surgimento das plantas terrestres e suas micorrizas* (fungos+raízes)*, as quais aumentaram a absorção de nitrogênio e outros nutrientes do solo e rochas.

O solo é 50% sólido, o restante é composto de “vazio” (ar, vapor d’água e pequena quantidade dela em estado líquido). É neste “espaço vazio” que a vida dos microrganismos existe, criando conexões com as plantas e permitindo o movimento de nutrientes.

As plantas e sua capacidade fotossintética, capturando gás carbônico (CO²) disponível na atmosfera por meio de suas folhas e transformando-o em carboidrato, levando diretamente ao solo através de suas raízes, permitindo, assim, que outras formas de vida possam se constituir. Por isso, fungos e bactérias se conectam as plantas e, em contrapartida, fornecem fósforo, magnésio, enxofre, zinco, cobre e tudo mais que as plantas precisam para se desenvolver. No instante em que as plantas vivem, toda uma infinidade de animais também podem existir, e esses permitem a existência de outros, formando assim, não uma pirâmide, mas uma rede viva e mágica.

 

A vida no solo se expandiu muito! Só de plantas conhecemos umas 350 mil espécies, inclusive árvores com até 83 metros de altura ((quê lokura né!?)) imagina todas as conexões subterrâneas que ela tem, e a capacidade de organizar e estruturar carbono.

A maior árvore do mundo

 

Nessas conexões subterrâneas, entre o solo e as plantas, foram cocriados caminhos de água pelo planeta, que permeiam desde as folhas pela sua transpiração às raízes pela troca com o solo, passando pelas rochas, pelos rios e mares, abastecendo os lençóis freáticos e formando as nuvens, compondo, assim, os ciclos hidrológicos.

E o solo, cenário onde ocorrem muitas dessas conexões da vida, abriga um ser que tem uma relação muito especial conosco seres humanos: estamos falando da Mycobacterium vaccae, uma bactéria que, em contato com nosso corpo, estimula nosso cérebro a desenvolver proteínas anti-inflamatórias, auxiliando na redução do estresse e da ansiedade. Que querida ela, não?!

Porém, num dado momento, a humanidade decidiu destruir toda essa criação, toda essa engenharia da vida, desde as sementes, os cursos d’água, as árvores milenares, bactérias e fungos, os elementais, ecossistemas, a biodiversidade… Um plano voraz com foco no PIB que conta as toneladas de alguns 2 ou 3 grãos, controla toda as plantações com adubos químicos e venenos, rezando para que a chuva caia sobre as lavouras.

No ano de 2022 estamos tendo perdas imensas devido a seca. No Paraná, a quebra na safra em função da estiagem chega a 40%, com um prejuízo estimado em R$ 22,5 bilhões, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura.

É evidente que não há como seguir este caminho. Se faz urgente a criação de novos olhares sobre a vida, compreendendo a terra e reinventando a alimentação. Por isso é tão importante que conheçamos os mistérios do planeta e seus fluxos e processos ecológicas para manutenção da vida na Terra. Conhecer o universo do solo é a chave para compreendermos que somos interdependentes de todos os espaços, estruturas naturais e seres vivos que dançam nessa teia da vida.

Ainda há muito o que desbravar no entendimento de como o solo é importante para a vida no planeta. Precisamos captar seus ensinamentos e ressignificar nossas conexões e a alimentação é um portal possível para essas transformações.

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Cosméticos Naturais

Cosméticos Naturais

Por Kellen Vieira

A natureza é construtora de tudo aquilo que utilizamos, desde o alimento, até os utensílios, tudo vem de recursos que a terra proporciona e nós utilizamos. Uma das relações mais antigas que temos com as criações de instrumentos e mecanismos são os cosméticos.

Historicamente, a utilização de plantas e minerais com finalidades cosméticas era muito presente no Egito antigo, onde já existia a cultura de pessoas que  se pintavam e se tatuavam. Estudos sobre esse período relacionam a utilização de argilas para a higiene básica. Inclusive, há registros de muitos faraós que eram enterrados junto de seus diversos bens pessoais, que incluíam cosméticos.

O conceito, produção, uso, abrangência e importância dos cosméticos mudou muito desde os antigos Egípcios. Atualmente, é muito comum associar os cosméticos à recente “revolução da beleza”, que abrange desde tratamentos para resolver problemas dermatológicos (como a acne e alergias) e chega até a problemas mais subjetivos como as rugas, manchas, celulites e demais preocupações estéticas, que hoje estão diretamente relacionadas à indústria da beleza.

No entanto, para  além da manutenção da vaidade humana, os cosméticos estão presentes no nosso dia a dia em itens de higiene para cuidados básicos como: xampu, condicionador, sabonete, creme dental, desodorantes e hidratantes corporais – coisas que utilizamos todos os dias e que praticamente não nos damos conta que também fazem parte dessa indústria.

Os cosméticos compõem uma das maiores indústrias mundiais, com um mercado em constante evolução e crescimento, sendo majoritariamente composta por grandes empresas que fazem parte um modelo comercial ultra capitalista, com produções em larga escala, utilizando de aditivos químicos derivados de petróleo, conservantes e outros elementos que podem ser considerados tóxicos e nocivos tanto para os seres humanos quanto para o meio ambiente. 

Quando falamos de produção em larga escala de qualquer indústria, podemos deduzir que o mercado conta com a participação da monocultura e do agronegócio. E na indústria dos cosméticos isso não é diferente. A extração de matérias primas naturais, nestes casos de produção em escala industrial  é feita com materiais de origem vegetal, animal e mineral, com a adição de insumos sintéticos, muitas vezes criados, e ou, e melhorados em laboratórios.

Para além da problemática da composição de muitos destes produtos, os cosméticos também estão ligados à utilização de animais em testes de eficiência e segurança, para evitar possíveis reações adversas indesejadas. Essa prática carrega uma grande discussão no mundo todo, com o questionamento da necessidade de infringir dor e sofrimento em animais para a fabricação de produtos, considerados supérfulos por muitas pessoas.

  

Recentemente o mundo virtual teve discussões mais afloradas sobre o tema com o vídeo viral “salve o Ralph” que repercutiu no mundo inteiro!

Assista ao vídeo:

Em resposta a esse modelo de produção, se faz necessário olhar para o passado e resgatar as origens de extração, produção e uso dos cosméticos utilizados por tantas culturas diferentes. É a partir desta necessidade que se popularizaram os cosméticos naturais.

Podemos considerar como “produto de beleza” natural desde aquele óleo de coco que a gente aprendeu com nossa avó a passar no cabelo, até produtos artesanais, ou industrializados, com formulações complexas para assuntos específicos – afinal, muito já foi conquistado na indústria dos cosméticos.

Como o nome já indica, os cosméticos naturais, especialmente os que são certificados pelo selo Ecocert, vêm com a proposta de relacionar produtos com matérias primas diretamente extraídas da natureza para os cuidados diários e sem sofrimento animal. Sendo assim, os cosméticos naturais trazem a utilidade de produtos que já conhecemos e utilizamos, somados à vantagem de ter uma origem menos nociva às pessoas e ao meio ambiente.

Nesses anos de Crioula, para além da alimentação, fizemos parcerias com empresas, idealizadas e coordenadas por mulheres maravilhosas, que conversam com a nossa forma de ver o mundo e compactuam com a nossa revolução gentil. 

A alimentação é um caminho dentre vários que podemos abraçar nessa caminhada do cuidado com o planeta com as pessoas, por isso nos juntamos a parceiros como a Eterea | Cosmética Natural e a Anne’s | Ateliê de Cosméticos Naturais, que têm como proposta a utilização de ingredientes naturais para a elaboração de produtos, com fórmulas gentis que não agridem nem o meio ambiente e nem as pessoas que as utilizam.

Produtos da Eterea:

Produtos da Anne’s:

Convidamos a todes que nos acompanham a conhecer esse novo olhar sobre os cosméticos, pois o uso destes itens está diretamente ligado à beleza e ao autocuidado. Apesar desses conceitos serem centrados em indivíduos, não podemos nunca desassociar a pessoa de seu meio. Tendo isso em mente, nada mais coerente do que associar o cuidado do meio ambiente ao auto cuidado, afinal coexistimos com a natureza, fazendo parte dela, ela cuidando de nós e nós cuidando dela.

Fontes:

PCC Group | Matérias-primas para a produção de cosméticos naturais
https://www.products.pcc.eu/pt/blog/materias-primas-para-a-producao-de-cosmeticos-naturais/#:~:text=Ingredientes%20de%20origem%20animal%20podem,ou%20%C3%A0%20vida%20dos%20animais%20.&text=Al%C3%A9m%20de%20mat%C3%A9rias%2Dprimas%20de,mar%20(por%20exemplo%2C%20algas)

Cosmetic Innovation | Crescimento dos cosméticos naturais, orgânicos, veganos e éticos é tendência irreversível
https://cosmeticinnovation.com.br/crescimento-dos-cosmeticos-naturais-organicos-veganos-e-eticos-e-tendencia-irreversivel/

Chemax | A Famosa Matéria-Prima para os Cosméticos
https://www.chemax.com.br/materia-prima-cosmeticos#:~:text=A%20mat%C3%A9ria%2Dprima%20para%20cosm%C3%A9ticos,amaciantes%2C%20entre%20outras%20subst%C3%A2ncias%20qu%C3%ADmicas.

UFSM Agronomia | Conheça a relação entre a agricultura e a indústria de cosméticos
https://www.ufsm.br/pet/agronomia/2021/06/29/conheca-a-relacao-entre-a-agricultura-e-a-industria-de-cosmeticos/#:~:text=Conhe%C3%A7a%20a%20rela%C3%A7%C3%A3o%20entre%20a%20agricultura%20e%20a%20ind%C3%BAstria%20de%20cosm%C3%A9ticos,-Copiar%20para%20%C3%A1rea&text=Entre%20eles%2C%20destacam%2Dse%20os,por%20diversas%20empresas%20de%20cosm%C3%A9ticos.

Conselho Regional de Química | História dos Cosméticos
https://www.crq4.org.br/historiadoscosmeticosquimicaviva#:~:text=Os%20cosm%C3%A9ticos%20n%C3%A3o%20apenas%20cobrem,cremes%20espec%C3%ADficos%2C%20e%20bastante%20caros.

Namu Portal | Tudo o que você precisa saber sobre cosméticos naturais
https://namu.com.br/portal/estetica/corpo-e-pele/tudo-o-que-voce-precisa-saber-sobre-cosmeticos-naturais/

Forbes | Brasil é o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo
https://forbes.com.br/principal/2020/07/brasil-e-o-quarto-maior-mercado-de-beleza-e-cuidados-pessoais-do-mundo/

Banana: o fruto da musa paradisíaca!

Banana: o fruto da musa paradisíaca!

Com toda a certeza você a comeu, pode até não gostar, provavelmente te ofereceram quando era criança na introdução alimentar. Uma fruta tão rica em nutrientes e tão versátil na culinária tem seus usos nas mais variadas possibilidades como bio fertilizante e até mesmo prato.

Dia 22 de Setembro é o Dia Mundial da Banana, a segunda mais consumida no mundo e também a mais consumida no Brasil. Neste texto vamos compartilhar algumas curiosidades da banana – a Musa Paradisíaca – e adorar esse alimento que é tão importante na alimentação da população brasileira.

Musa paradisíaca L. é o nome científica da fruta e as variedades que mais consumimos são: a Banana Prata, Banana da Terra (Pacova – nome de origem indígena), a Banana Nanica, a Banana Ouro e Banana Maçã. Pode haver alguma mudança de nomenclatura também, aqui no Sul, por exemplo, as mais consumidas são a banana prata que tem tamanho médio e é menos doce, já a banana caturra – em outras regiões conhecida como nanica – é maior (não tão grande como a da terra) e com a textura mais farelenta e mais doce. Além das variedades mais comuns a Banana D´água, a Banana Figo são outras variedades que podemos encontrar com produções menores, principalmente vindas da agricultura familiar e agroecológica, preservando espécies nativas e selvagens.

A origem desta planta é da Ásia, que chegou a África pela expansão Árabe e chegou as Américas pelos portugueses e espanhóis. No período colonial, era a fruta mais consumida tanto por índios e escravos quanto os colonos portugueses e outros europeus. As grandes produções começaram no litoral brasileiro, e aos poucos adentrou o continente. Hoje os maiores produtores são o estado de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, seguidos da Bahia, Pará e Ceará na pesquisa feita pela Pesquisa Agrícola Municipal feita pelo IBGE em 2019. Tamanho é o consumo que apenas 2% da produção não é absorvida pelos consumidores brasileiros.

O que mais me surpreende e a versatilidade de usos, praticamente toda planta pode ser utilizada na alimentação como também em outros setores usando cascas, fibras e folhas para produzir fertilizantes, e até mesmo roupas usando fibras de abacaxi e banana. Podemos consumir a fruta em todos os estágios de maturação, além da casca, o palmito e ainda a flor, também conhecida como coração da bananeira ou mangará. Além a folha é usada para assar alimentos como a pamonha, e o acaçá ou abará da culinária baiana, e serve como prato para aparar e servir algumas refeições.

Confira aqui alguns usos para a Banana e se delicie:

Banana verde: biomassa, ralada no pirão, chips, assada, cozida, na moqueca;
Banana madura, no ponto: natural, esmagada com aveia e sementes, no mingau de aveia, grelhada doce ou salgada, na farofa, na salada, no recheio de bolos, substituindo ovo nas receitas
Banana bem madura: como purê (doce ou salgado), papinhas para bebês, na massa do bolinho de chuva, congelada como base para sorvete, batidas e bebidas cremosas
Casca e Coração: as fibras refogadas podem ser recheio de salgados como empadas, pastéis, quiches, etc. Serve como antepastos, recheios de tortas salgadas, pizzas, etc.

Além do consumo in natura a Banana está muito presente na nossa culinária, está em receitas clássicas como a Moqueca de Banana e ainda o doce antigo Chico Balanceado. É a primeira fruta oferecida aos bebes e é uma das sobremesas mais simples e gostosas como a banana assada com canela. Ainda podemos se lambuzar com a farofa de banana ou uma banana split e claro, servir de base para um sorvete ou batida a base de frutas.

No café da manhã ela é consumida pura, ou ainda cozida, recheando beiju e batida com leite ou com outras frutas. Tem inúmeras versões de bolo como aquele com a banana caramelada ou a banana incorporada na massa! Em refeições como almoço e jantar ele pode estar num ensopado, na própria moqueca, feitas num pirão junto com fubá, inhame ou macaxeira. Assadas servida doce ou salgada, e ainda pode ser frita tanto verde quanto madura, faz até bolinho frito. Tortas das mais gostosas como o Chico Balanceado com banana caramelada, creme de confeiteiro e chantilly e a mais nova sensação nos cafés, a Banoffe, uma torta inglesa com massa podre, doce de leite, caramelo, bananas e chantilly. Ainda é serve de cheio em cucas, na torta flocada e outras delícias. Os doces clássicos são a banana, a banana passa, geleias e schimier, a banana assada com canela e açúcar.

No nordeste e nordeste é mais comum o uso da fruta, além de in natura, em receitas salgadas acompanhando tapioca, farinha de mandioca, em caldos e ensopados, assada e frita, principalmente a banana da terra. No sul e sudeste está mais presente em bolos, doces e compotas com a banana prata e caturra. Minha receita favorita com a banana é com a fruta verde levemente grelhada no café da manhã, usando azeite de dendê e pouquinho de sal. Essa combinação banana + dendê é muito gostosa e faz uma farofa incrível. A Banana verde não tem a doçura tão pronunciada o que combina muito bem nas preparações salgadas.

A seguir compartilho uma receita de Paçoca de Banana, feita com banana, farinha de mandioca e amendoim!

Paçoca com banana da terra

Essa receita é uma adaptação de uma paçoca de carne seca e farinha. As paçocas (como a de amendoim) eram feitas antigamente no pilão, onde eram descascados e moídos grãos, sementes, farinhas, dendê, akará. A tradicional paçoca de carne seca era uma alternativa de dar mais sustância ao povo que vivia na escassez e a mandioca era o principal alimento. Vamos utilizar a banana da terra também tradicional na culinária nordestina, mas pode usar a que você preferir.

Ingredientes: 3 bananas da terra maduras, 4 colheres de sopa de óleo ou manteiga de coco (pode usar outro óleo vegetal que for acessível pra ti), 1 cebola média picada em cubos,1/2 xícara de amendoim torrado e moído, 300g de farinha de mandioca, sal quanto baste.

Modo de preparo: Primeiro asse as bananas com cascas por 30 minutos ou até que a casca fique escura e elas estejam bem macias. Depois de esfriar, descasque e corte as bananas grosseiramente, vai virar paçoca, não precisa cortar perfeitamente. Frite a cebola no óleo e adicione a banana, refogue bem e desligue o fogo. Se tu tiver um pilão, que maravilha, se não tiver tudo bem, eu adaptei: em uma bacia ou até em uma panela mais alta e com uma colher de pão ou ainda aqueles martelos para carne, e até uma copo ou uma taça pode ser útil. Se for no pilão, coloca a mistura de banana e cebola e aos poucos vai acrescentando a farinha de mandioca e o amendoim e socando para misturar tudo. Aos poucos vai ficar na consistência de paçoca, apertado um pouco da massa nas mãos e conseguir formar um bolinho. Na panela pode levar mais tempo, mas vale a pena. O processo é o mesmo, e pode usar mais ou menos farinha, dependendo do tamanho das bananas. No processador de alimentos também pode ser feita. Primeiro, prepare a banana assada e depois frita com a cebola e coloque a mistura no processador. Aos poucos acrescente o amendoim e a farinha que pode ser tanto crua ou torrada. Use a função pulsar, e faço o teste pegando um pouco da massa e amassando até virar uma bolinha. Quando já tiver uma massa homogênea está pronto, pode ser consumida assim mesmo ou ainda assar as bolinhas em formato de paçoca até ficarem douradas.

Texto por Natália Escouto

Saiba mais em:

O básico dos básicos – Banana: O Joio o Trigo
Dia da Banana: Banana.Blog

HUE, Sheila Moura, Delícias do Descobrimento – A Gastronomia Brasileira no Século XVI. Editora Zahar 2009 Rio de Janeiro

CASCUDO, Luis Câmara, Antologia da Alimentação no Brasil. 1ª edição digital, Global Editora 2014 São Paulo

PAIVA, Maria da Conceição. A presença Africana na culinária brasileira: sabores africanos no Brasil. Universidade Federal de Juiz de Fora, Pós Graduação Lato Sensu em História da África 2017

Língua de Vaca ou Azedinha

Língua de Vaca ou Azedinha

No outono ou no inverno, em algum gramado, jardim, terreno ou beira de estrada, você já deve ter visto uma plantinha rasteira com folhas verde-escuro alongadas que parecem línguas brotando do chão. Com o passar do tempo, se a planta não tiver sido removida, ela cresce de forma ereta, pequenas flores discretas aparecem e pequenas sementes marrom-esverdeadas envoltas por um tipo de “pele” surgem em pendões. Muitas vezes, em algum dia, a gente passa no local onde a planta estava e percebe que ela desapareceu após algum jardineiro ou trabalhador do serviço público de limpeza cortar a grama. Mas alguns dias depois ressurgem novas plantinhas, jovens, com cor verde ainda mais reluzente. No verão, elas quase desaparecem.

Essa planta é popularmente conhecida como Língua-de-vaca, mas também por labaça e azeda-graúda (Paraná), e no exterior por Lengua de vaca ou Romaza em espanhol e Bitter dock em inglês. São três as subespécies de Língua-de-vaca mais comuns no Brasil: Rumex brasiliensis Link., Rumex crispus L. e Rumex obtusifolius L. A Língua-de-vaca, Rumex obstusifolius L., é nativa da Europa, porém, há muito tempo cresce espontaneamente quase em todo Brasil, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, em áreas de altitude, terrenos agrícolas, pomares, jardins, pastagens e terrenos baldios. Já existem diversas variantes da planta no mundo. A Rumex acetosa L., conhecida como azedinha, é muito parecida com as demais citadas.

As Línguas-de-vaca são herbáceas perenes, que possuem raízes pivotantes profundas com pequenos rizomas na base. Gostam de solos úmidos, compactados e ricos em matéria orgânica. E toleram o frio. Na primavera, florescem e nos verões de calor intenso hibernam. Suas folhas são simples, apresentam pecíolos e parecem línguas, como já foi citado acima. Suas flores são reunidas em inflorescências e frutos pequenos, secos, com a semente presa à parede do pericarpo. Sua propagação se dá através das sementes e rizomas.

As folhas da Língua-de-vaca são comestíveis. Podem ser consumidas cruas, em saladas, ou cozidas, em refogados, cremes, panquecas e sopas. As folhas jovens têm sabor mais agradável e as mais velhas são mais fibrosas. Quando a planta floresce as folhas ficam amargas. As sementes, quando secas ao forno e depois trituradas, podem ser usadas para produzir farinha. É uma hortaliça folhosa muito subutilizada no país. A Crioula | Curadoria Alimentar costuma fazer molho Pesto com Língua-de-vaca e fica uma delícia!

Agora que você conheceu um pouco mais sobre a Língua-de-vaca, que tal experimentá-la em algum preparo culinário?

Caso você queira coletar na rua, em algum terreno, praça ou jardim, evite locais sujos, como calçadas, ao redor de vias de trânsito de veículos, locais onde cães e gatos costumam defecar e urinar, próximo a esgotos e águas possivelmente contaminadas. Na dúvida, compre Língua-de-vaca em feiras, e caso ainda não tenha para vender, converse com a/o feirante, pergunte se conhece a planta e se sim, pergunte se a cultiva, se pode fornecê-la, assim você poderá obter a planta para consumo. Algumas plantas comuns, não-convencionais e espontâneas são cultivadas e consumidas pelos produtores, mas seu valor comercial é baixo ou a planta é tão desvalorizada socioculturalmente que nem sequer é considerada para a venda.

Faça um bom proveito!

Texto por André Torresini