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Existem hábitos, tão incorporados ao nosso dia, à nossa vida, que raramente questionamos como começaram ou por quê os fazemos. Visto tanto como alimento quanto hábito, o café é um dos itens mais presentes no cotidiano da maioria das pessoas.

Com exceção da água, o café é a bebida mais consumida no mundo inteiro (1). Logo, o hábito de tomar café todos os dias extrapola as fronteiras brasileiras e se torna, praticamente, um hábito mundial.

Para entender o papel que essa bebida tem na nossa vida e no mundo, fizemos uma linha do tempo para entender o contexto histórico desta que é bebida, planta, ritual e símbolo social carregado de história, cultura, problemas, dinheiro e popularidade.

Da África ao Brasil

Não existe um registro que confirme quando ou quem descobriu o café. No entanto, a maioria dos pesquisadores concordam que o café é originário da região que hoje chamamos de Etiópia, na África (2). Existem diferentes histórias e versões sobre como o café foi descoberto, uma das mais conhecidas é a do pastor que, ao levar seu rebanho para pastar, notou que as ovelhas que comiam um fruto vermelho ficavam mais agitadas e não demonstravam cansaço. Ele, por sua vez, ao provar o fruto se sentiu revigorado e cheio de energia (3). Então ele levou os grãos para um monge, que ficou curioso e resolveu preparar uma infusão com as folhas e frutos.

Caso você queira saber mais sobre as histórias de origem do café e suas versões, de forma resumida, confira o vídeo produzido pela revista Exame:

Há registros de que o consumo do café, como fruto, começou por volta de 575 d.C., coincidindo com o período das lendas. Inclusive, a Etiópia ainda é hoje uma região produtora de café, conhecida por realizar uma elaborada cerimônia do café, que envolve café torrado e moído na hora manualmente, e braseiros de carvão para aquecer os utensílios especiais de cerâmica, onde o café será fervido e servido (2). O tempo pode variar, mas há cerimônias que duram até uma hora.

No entanto, seria apenas uma questão de tempo até os frutos do café começarem a ser comercializados e ganharem popularidade em outras regiões. A península arábica, que é separada da Etiópia por um braço do Mar Vermelho, foi o local onde o café, enquanto bebida como conhecemos hoje, começou a ser consumido, mais especificamente no Iêmen (2).

Os árabes da região usavam a palavra qahwa para se referir ao café, sendo a mesma palavra se referiam ao vinho – essa é uma das possíveis origens da palavra café. Em um primeiro momento, a bebida era considerada sagrada e também usada como medicamento; depois, famílias mais abastadas começaram a ter a sua própria sala de café, destinadas a cerimônias; e para aqueles que não dispunham de recursos, começaram a surgir as casas de cafés, chamadas de kaveh kanes. (2)

Os árabes da região usavam a palavra qahwa para se referir ao café, sendo a mesma palavra se referiam ao vinho – essa é uma das possíveis origens da palavra café. Em um primeiro momento, a bebida era considerada sagrada e também usada como medicamento; depois, famílias mais abastadas começaram a ter a sua própria sala de café, destinadas a cerimônias; e para aqueles que não dispunham de recursos, começaram a surgir as casas de cafés, chamadas de kaveh kanes. (2)

No final do século 15, peregrinos mulçumanos já haviam introduzido o café no mundo Islâmico pela Pérsia, Egito, Tuquia e norte da África. Em 1475, foi criada a primeira cafeteria na Turquia, dando ao café um aspecto social3. Em 1570, já haviam mais de 600 só na cidade de Constantinopla – hoje, Istambul – e a popularidade do café só continuava a crescer. (4)

Demoraria alguns anos e longos caminhos até o café chegar na europa e, posteriormente, às Américas. 

Entretanto, foi por volta de 1600 que algumas amostras de grãos/sementes de café foram surrupiadas por um peregrino indiano e levadas ao sul da Índia, nas montanhas de Mysore. Após, em 1616, os holandeses, que dominavam o comércio mundial por navios na época, transportaram uma árvore de café do Iêmen para a Holanda. A partir disso, começaram a plantar café em suas colônias por Timor, Sumatra e Java, sendo os abastecedores de toda a Europa. (5)

Em 1629 começaram a surgir as primeiras cafeterias europeias em Veneza, no entanto seguindo os modelos turcos e árabes (4). Visto que o café tinha origem em países mulçumanos, a igreja católica considerava a bebida pecaminosa, e foi um dos grandes entraves que a Europa teve para popularizar o café.

 Por mais que a disponibilidade do café estivesse em crescimento na Europa, vale lembrar que, nessa época, o café ainda se tratava de um artigo de luxo.

Afinal, as casas de café eram frequentadas, em sua maioria, por intelectuais e membros da alta sociedade (4). E apesar de elitistas, as cafeterias europeias estão diretamente ligadas ao movimento iluminista, que revolucionou as áreas da ciência, artes e filosofia da época, que se tornaram um marco histórico do pensamento humano.(6)

E em 1714, os holandeses tiveram a iniciativa de presentear o rei da França, Luís XIV, com sementes de café – o que acabou se tornando um infortúnio para os holandeses, uma vez que foi assim a planta chegou nas colônias francesas e a França se tornou o principal concorrente comercial da Holanda nas vendas de café. (5)

Mas é em 1727 que o caminho do café chega em um destino, até então, inesperado. Foi por meio de mais plantas de café roubadas, desta vez por um militar luso-brasileiro – Francisco Melo Palheta – com plantas vindas da Guiana Francesa, que o café chegou em solo brasileiro, no Pará. (6, 2)

Do Brasil para o mundo

Ao estudarmos a história do Brasil durante a colonização, aprendemos que os acontecimentos políticos e sociais são fortemente vinculados aos ciclos econômicos. Do século XVI ao XVIII, a grande força econômica do Brasil colônia, assim como diversas outras colônias pelas Américas, foi a produção de açúcar. (7)

Visto que o solo e clima eram propícios para o cultivo de cana-de-açúcar, criou-se uma demanda enorme de mão de obra para as plantações. Na tentativa falha de escravizar os nativos, os europeus deram início ao sequestro em massa de africanos para terras brasileiras. (2) 

Mas o que teria de relação com o café? Quase tudo.

Com as plantações de cana-de-açúcar nas diversas colônias europeias pelas Américas, o açúcar, que antes era uma iguaria destinada à realeza e aristocratas, se tornou popular. E foi este mesmo açúcar que adaptou a bebida amarga do oriente para o paladar europeu. (2)

Apesar do café ter chegado em terras brasileiras em 1727, demoraram alguns anos até o cultivo ser estabelecido como a principal atividade econômica do país. Somente em 1800, dentro do contexto europeu da Revolução Industrial, que a demanda por café aumentou consideravelmente, sendo uma das bebidas mais utilizadas pelos operários das fábricas nas exaustivas jornadas de trabalho.(4, 6)

A produção de café fez a economia brasileira disparar de forma inédita. As plantações ficavam concentradas na região sudeste, principalmente no Vale do Paraíba, entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. (2, 6, 7)

A produção de café fez a economia brasileira disparar de forma inédita. As plantações ficavam concentradas na região sudeste, principalmente no Vale do Paraíba, entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. (2, 6, 7)

Além de estar diretamente ligado a uma imensa devastação ambiental, uma vez que a mata atlântica da região foi destruída para dar lugar às plantações, o café também traz como seu principal legado histórico a intensificação do tráfico de africano e a escravização destes. (6)

O Brasil é o café, e o café é o negro.
Uma frase proferida por um parlamentar brasileiro, em 1880, que dá um bom contexto da mentalidade, economia e sociedade da época. (2, 6)

Além de ser o país que mais recebeu pessoas sequestradas do continente africano, também foi o último país a abolir a escravatura institucionalmente. E a economia cafeicultora foi um dos principais fatores da resistência – chegando a gerar demandas de ressarcimento pelos proprietários de terras, caso a abolição acontecesse. (6)

 

Diferente do que os grandes produtores achavam, a abolição não acabou com a produção de café do Brasil. Os Barões do Café receberam subsídios para trazerem famílias europeias, em sua maioria italianas, para trabalharem nas lavouras de café (6). O ciclo do café só teve seu fim, em 1930, com a Grande Depressão de 29 nos Estados Unidos, que era o principal comprador do Brasil (3). No entanto, até hoje o Brasil é o maior exportador de café do mundo, sendo um dos principais produtores do grão (9).

O café não acabou

Ainda existem muitas perspectivas que eu gostaria de abordar sobre o café. Começar o assunto trazendo essa linha do tempo, nos ajuda a contextualizar, pelo menos um pouco, como esse alimento, tão presente no nosso cotidiano, ajudou a moldar a nossa sociedade-mundo e a nossa sociedade-Brasil.

Uma planta oriunda do continente africano se tornou uma das principais justificativas para a manutenção de um sistema escravocrata que desumanizou pessoas sequestradas deste mesmo continente. O café e o racismo são os frutos da escravização que colhemos até hoje. Ambos com sabor amargo, ambos incorporados ao nosso cotidiano, ambos fomentados pelo sistema capitalista.

O café é a bebida mais consumida do mundo, depois da água. Com essa linha do tempo, temos o “como?”. Em breve, traremos algumas possibilidades do “por quê?”.

As inquietações ao redor do café, no entanto, assim como para diversos outros alimentos tão cotidianos e marcantes em nossos hábitos sociais, não se acabam.

Texto por Betina Aleixo

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