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Culpa ao comer

Culpa ao comer

Por Kellen Vieira

A gente sempre fala por aqui que alimentação não é só sobre nutrientes, e que ela contempla aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos., especialmente durante as festas de final do ano, a comida ganha um valor diferenciado, já que passamos por festividades que utilizam como prerrogativa as grandes ceias para unir a família e celebrar o Natal, Kwanzaa e Ano novo! 

Junto com essa época do ano, também temos a autocobrança das resoluções que fizemos no ano anterior e não cumprimos. Várias pessoas têm dentre esses objetivos aquele “projeto verão” que vem se arrastando desde 2005 e até hoje não foi alcançado, não é mesmo? Seria possível conciliar a diversão de uma boa comilança  e atingir esse objetivo? 

Pensando na conta comer x emagrecer, muitas pessoas se sentem culpadas ao comer aquele docinho após o almoço, ou até mesmo de passar da conta nas festas do final do ano. Entretanto, será que estamos mesmo em busca de uma vida saudável ou apenas buscando padronizar nossos corpos? 

Ao normatizar os corpos, tentamos enquadrar esses em padrões estabelecidos, separando-os entre normais e anormais. A padronização de corpos ao longo da história não é linear, variando de acordo com a visão sociológica entre as pessoas e a comida. Em períodos em que ter uma disposição contínua de alimentos era um luxo, ser gordo era símbolo de poder, fartura e riqueza, por exemplo.

Com um maior acesso aos alimentos, principalmente ultraprocessados, e consequentemente um aumento das doenças relacionadas à má alimentação como, diabetes, doenças cardiovasculares e hipertensão, o excesso de gordura corporal vem sendo cada vez mais estigmatizado. Nesse sentido, a concepção do que é considerado ideal à saúde está relacionado ao corpo magro. 

Nesse cenário, surge o debate sobre a aceitação e respeito pelas pessoas que saem desse padrão, em especial pessoas gordas. O primeiro ponto a se pensar é que: todos os corpos são diferentes. Existem pessoas que têm anatomia grande e pequena, assim como a altura, o formato e estilo do nosso corpo é variante. O segundo ponto e o mais polêmico: Saúde.

Sempre que falamos de “alimentação saudável” as imagens que povoam o imaginário popular são de  vida fitness, saladas, barrinhas de cereais e dietas – tudo o que o marketing e o capitalismo gostaria que você comprasse. No entanto, vale lembrar que a “saúde alimentar” está muito mais relacionada ao acesso à alimentação, à diversidade alimentar, ao consumo de alimentos que tenham sido produzidos de maneira sustentável, por exemplo.

Relacionar saúde ao corpo magro nada mais é do que gordofobia, uma vez que o emagrecimento também pode ser um indicativo de doenças. Além disso, simplesmente relacionar problemas de saúde à gordura é minimizar problemas muito mais profundos relacionados à alimentação, afinal uma pessoa que é magra pode ter uma alimentação ruim e possuir colesterol alto, hipertensão e diabetes.

Associar “ser magro” com “ser saudável” e reduzir a nada o conceito de saúde

É inegável a relação entre entre excesso de gordura e doenças crônicas não transmissíveis, mas queremos trazer a análise de que, para além da preocupação com o peso, pensar em alimentação saudável é pensar em todo um sistema alimentar que seja saudável e adequado para as pessoas e para o mundo.

Restringir, vigiar ou culpabilizar corpos por serem como são, só contribui com um sistema que oprime e mascara o real problema que temos que lidar: nós estamos nos alimentando mal.

A ditadura do corpo magro não questiona o fato de estarmos inserides em um sistema onde o fast e ultraprocessado é valorizado, e esse mesmo sistema se adequa a um mercado da “alimentação saudável” através do greenwashing.

Vamos quebrar esse estigma de que peso e saúde são perspectivas associadas e começar a pensar na nossa alimentação não numa perspectiva restritiva, mas sim abrangente, na qual você se permita conhecer, experimentar e apreciar cada refeição. Afinal de contas, comer não é sobre ganhar ou perder peso. Comer é se alimentar!

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Dia das mães | Maternidades negras

Dia das mães | Maternidades negras

Por Natália Escouto e Bruna de Oliveira

Este é um texto protagonizado por Natália Escouto em co-autoria com Bruna de Oliveira. Uma discussão que nos provoca a refletir sobre maternidades negras numa perspectiva histórica em diálogo com saúde. São muitos os caminhos que poderiam ter sido percorridos para essa escrita, especialmente considerando os debates de gênero, raça e classe que atravessam o ato de gerar e criar filhos. Não queremos nos furtar do debate que existem pessoas que gestam. Reconhecemos a urgente necessidade de tratar esse assunto de maneira inclusiva, pois parir não é uma capacidade restrita a mulheres e sim a pessoas com constituição biológica para gestar

Nesse contexto, pais e mães são definições que estão abertas para nossas significações e produção de sentidos que não devem estar atrelados ao ato de gestar e parir em si, mas pelo compromisso de cuidado, carinho, amor e respeito de criar laços e conduzir o desenvolvimento de um ser humano. O que abre alas também para pensar tanto a maternidade quanto a paternidade existente nos cenários de adoção de crianças. Complexo, não? E não tem como esgotar todos esses assuntos em apenas uma escrita. Abrimos esse texto reconhecendo os limites da escrita que está sendo proposta. Vamos apresentar de forma sistêmica a realidade de mulheres pretas mães porque, ainda que muitos outros recortes poderiam ser realizados, ainda são escassas reflexões que evidenciam a complexidade vivida por mulheres pretas durante o período de gestação e criação de sua prole.

E é sobre isso, né queridezas? Permitir a criação de um espaço fértil para estimular reflexões que contribuam na criação de novos imaginários e concretizem outras realidades para a sociedade. Desejamos que esse texto ajude na compreensão acerca das maternidades negras e como criar filhos e filhas negras neste país é uma tarefa árdua quando consideramos o recorte de raça como plano de fundo.

Boa leitura.

Notas da Nati

A primeira informação que você precisa ter antes de começar a ler o texto é que eu, Natália, não sou mãe (talvez desejo ser mãe). O desejo de escrever esse texto se deu da minha perspectiva enquanto filha e uma mulher negra que carrega os impactos gerados pelo Maafa* na minha saúde física, mental e emocional, traços de um passado escravocrata que marcou pra sempre (?) a vida de pessoas africanas em África e nas diásporas.

Quando nós da equipe Crioula nos organizamos para pensar nas pautas do mês de maio, logo me saltou aos olhos o Dia das Mães – que vale lembrar, é a segunda data mais importante para o comércio, segunda data com mais vendas depois do Natal segundo os comerciantes. Essa data além de uma celebração, é uma data de agradecimento e valorização destas mulheres que nos permite propor muitas reflexões.

Simone du Beauvoir afirmou no livro O Segundo sexo: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Teremos a audácia de contrariar a autora, entendendo que quando o tema são mulheres pretas, sim, há uma determinação explícita que emerge desde o nascimento. A socialização feminilizada da mulher a partir da discussão promovida por Beauvior não faz sentido quando olhamos para as marcas existentes nas histórias de mulheres pretas. Resgatamos o questionamento de Sojourner Truth: “E não sou uma mulher?”, pergunta ecoada quando enxergamos as contradições entre os modos de vida e bandeiras de lutas erguidas por mulheres brancas e pretas. 

Antes de escrever este texto, eu Natália lembro dos relatos que me foram contados sobre o seu nascimento, um parto cirúrgico, uma cesariana, por escolha da minha mãe. Uma mulher não negra que gerou uma mulher negra. E sobre o momento dessa experiência de parto e aleitamento eu partilho que nasci de uma cesárea para que minha mãe pudesse fazer a ligadura de trompas, entre meu nascimento e, durante o procedimento, eu fiquei pelo menos 3 horas “sozinha” na maternidade e minha primeira alimentação foi glicose já que minha mãe estava no pós cirúrgico ainda desacordada. Mesmo minha mãe não sendo uma mulher negra e eu sim, nós duas naquele momento vivemos violências que não poderíamos calcular os impactos nas nossas vidas desde então

Fui amamentada exclusivamente até os 6 meses como manda o protocolo, depois disso minha mãe voltou ao trabalho e eu fui alimentada com leite congelado, mistura ou fórmulas lácteas para bebês e comecei a introdução alimentar e logo menos eu apresentei um quadro de anemia. Para que minha mãe pudesse trabalhar eu fui cuidada por uma mulher negra. Depois de um tratamento onde não apresentei mais um quadro tão grave de anemia como dessa primeira vez, mas ainda hoje é um cuidado constante, especialmente porque tenho uma alimentação vegetariana estrita. A maioria dos médicos e enfermeiros que consultei têm uma tendência a não ouvir, ou não dar importância quando pontuo essas ocorrências.

Pensando em todos os detalhes e acontecimentos que passei, sei que é uma realidade tão atual, e escancaradamente atual, principalmente com a chegada da pandemia de Covid 19. Falar sobre maternidade negra, aleitamento e alimentação é um lugar que fala de violência obstétrica, nutricídio e principalmente racismo estrutural. Nesse texto vou compartilhar sobre os impactos destes problemas para a saúde da população negra, principalmente analisando o papel do aleitamento e alimentação para mães e crianças negras no Brasil. E claro, não poderia deixar de falar de questões subjetivas e de saúde mental que perpassam essas pautas.

* Maafa é um termo que refere-se ao holocausto africano, holocausto da escravidão ou holocausto negro. Caracteriza-se enquanto neologismos políticos que se tornaram populares a partir de 1998 usados para descrever a história e os efeitos contínuos das atrocidades infligidas ao povo africano, particularmente quando cometidos por não-africanos, especificamente no contexto da história da escravidão, incluindo o tráfico árabe de escravos e o comércio atlântico de escravos e dito como “presente até os dias atuais” através do imperialismo, colonialismo e outras formas de opressão.

O papel da Mulher Negra mudou?

Para adentrarmos no assunto maternidade negra e alimentação precisamos observar as mudanças sociais que atrelam a mulher negra ao papel de “mulher forte”, “guerreira”, “disponível” entre outros adereços que marcam a vida de mulheres negras há séculos. 

Aqui precisamos tratar essencialmente de questões estruturais do racismo desde o período escravocrata até os dias atuais. Mulheres africanas em situação de escravidão tinham um papel essencial para os senhores de engenho: fabricar mais escravos. São inúmeros documentos que comprovam que mulheres negras eram submetidas a gravides atrás de gravides, gerando 1 filho por ano. Na tentativa de fugir deste crime, aconteciam abortos, fugas e infanticídeos para que o trabalho da mulher negra não fosse interrompido.  Impossibilitadas de criar seus próprios filhos, elas eram babás e amas de leite dos filhos de seus patrões.

Vivemos outros tempos pós abolição, mas os papéis sociais não mudaram só se tornaram legalmente aceitos. Em 2020 presenciamos a morte do Menino Miguel – sua mãe, Mirtes Santana, empregada doméstica da família Corte Real que precisou levar o menino para o trabalho, já que no auge da pandemia de Covid-19 não havia creches disponíveis. Cumprindo ordens da patroa Sarí Corte Real, Mirtes precisa passear com o cachorro da patroa e nesse período seu filho Miguel morre após cair do nono andar do prédio. Miguel estava sob os cuidados da patroa.

Antes escrava, ama de leite, hoje diarista, empregada doméstica, babá, auxiliar de cozinha. Após a abolição ficou escancarada a problemática do mito da democracia racial, e apesar de não mais vivermos legalmente num sistema político econômico escravocrata as condições sociais, econômicas e políticas da população negra brasileira continuam semelhantes a 130 anos atrás. A humanidade, a maternidade e afeto são negados a mulheres negras.

Jurema Werneck expõem no artigo Racismo Institucional e Saúde da População Negra que a luta a diretos básicos para a população negra é antiga e só ocorreu legalmente através da manifestação intenção de movimentos socias como o Movimento de Mulheres Negras e o Movimento Negro. Neste artigo publicado em 2016, Jurema nos mostra que o racismo estrutural e institucional são os maiores aceleradores da morte de pessoas negras e compartilha a escassez de material científico direcionado à saúde da população negra brasileira, principalmente à saúde da mulher negra.

Saúde da Mulher Negra: heranças genéticas, marcadores sociais e econômicos

Em 2009 foi criada pelo Ministério da Saúde brasileiro, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) que reconhece e assume a necessidade da instituição de mecanismos de promoção da saúde integral da população negra e do enfrentamento ao racismo institucional no SUS. Na terceira edição do documento (2017) ele traz informações sobre as doenças genéticas ou hereditárias mais comuns na população negra, além de dados socioeconômicos.

As doenças mais comuns na população preta são:

Anemia falciforme — Doença hereditária, decorrente de uma mutação genética ocorrida há milhares de anos, no continente africano. A doença, que chegou ao Brasil pelo tráfico de escravos, é causada por um gene recessivo, que pode ser encontrado em frequências que variam de 2% a 6% na população brasileira em geral, e de 6% a 10% na população negra.

Diabetes mellitus (tipo II) — Esse tipo de diabetes se desenvolve na fase adulta e evolui causando danos em todo o organismo. É a quarta causa de morte e a principal causa de cegueira adquirida no Brasil. Essa doença atinge com mais frequência os homens negros (9% a mais que os homens brancos) e as mulheres negras (em torno de 50% a mais do que as mulheres brancas).

Hipertensão arterial A doença, que atinge de 10% a 20% dos adultos, é a causa direta ou indireta de 12% a 14% de todos os óbitos no Brasil. Em geral, a hipertensão é mais alta entre os homens e tende ser mais complicada em negros, de ambos os sexos.

Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenaseAfeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo. Apresenta frequência relativamente alta em negros americanos (13%) e populações do Mediterrâneo, como na Itália e no Oriente Médio (5% a 40%). A falta dessa enzima resulta na destruição dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica e, por ser um distúrbio genético ligado ao cromossomo X, é mais frequente nos meninos.

Falando sobre a saúde da mulher negra, os dados mostram que mulheres negras são as que menos fazem pré-natal, as que menos fazem exames, as mais jovens, as mais pobres e na maioria das vezes mães solo. Em dados que observam a taxa de mortalidade materna em 2012, o percentual era de 60% para mulheres negras, mortes que poderiam ter sido evitadas.

Quando falamos sobreViolência Obstétrica estamos falando sobre um conceito que mostra como o parto antes um ritual natural e feminino se tornou um procedimento cirúrgico da obstetrícia dando o protagonismo para o homem-médico, que antes era da mulher.

Violência obstétrica destaca-se por ser um tipo específico de violência contra a mulher, é considerada uma violação dos direitos das pessoas grávidas em processo de parto, que inclui a perda da autonomia e decisão sobre seus corpos, além de compreender o uso excessivo de medicamentos e intervenções no parto, como a realização de práticas dolorosas e desagradáveis que não possuem embasamento científico.

Para mulheres negras os resultados das pesquisas mostram que elas são maioria dos casos de depressão pós parto, vinculam-se menos à maternidade para o parto, recebem poucas orientações e fazem um pré-natal com menor número de consultas e exames, a pesquisa também verificou que 25% das mulheres ficaram sem acompanhantes durante toda a internação para o parto.

Correlacionando as doenças não transmissíveis que prevalecem na população preta precisamos destacar que nós somos a população que mais sofre com a insegurança alimentar. É imprescindível que entendamos a Insegurança Alimentar não só como a falta de alimentos ou o não acesso a alimentos. O mais assustador é quando a insegurança alimentar é substituída por alimentos ricos em nutrientes e vitaminas, por alimentos mais baratos e de menor qualidade nutricional, com mais gorduras saturadas, açúcar, sódio e calorias como é o caso de alimentos processados e ultraprocessados.

Nesse momento precisamos entender que mulheres negras são as que mais trabalham na informalidade, com salários baixos, em situações de vulnerabilidade social, muitas vezes sendo chefes de família responsáveis financeiramente por toda a família sozinha. A mesma situação de uma mulher escravizada que não tem o direito de cuidar, alimentar e amar seu próprio filho para se alimentar e ter afeto pelo filho dos patrões acontece hoje em dia.

Aleitamento e Nutricídio

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Guia Alimentar da População Brasileira, os bebês devem receber exclusivamente leite materno até os 6 meses. Mas a realidade é outra, segundo pesquisas do Enani (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil).

Amamentação em 2020:

  •  45,7% das crianças recebem exclusivamente leite materno até os seis meses
  • Para 53,1% dos bebês de até 1 ano o aleitamento era feito de forma complementar à alimentação

O estudo também em consideração a licença maternidade e a volta ao trabalho de mulheres com trabalhos formais e informais e neste caso o desmame acontece ainda mais cedo. 

Lembramos da importância do leite materno e da amamentação para o combate à desnutrição, e doenças infecciosas da primeira infância, diminui os riscos de, no futuro, a criança ter doenças como obesidade, hipertensão e diabetes tipo 1, também diminui a ocorrência de depressão pós-parto.

Um movimento que surgiu nos Estados Unidos chamado Black Breastfeeding Week (Semana de Amamentação Negra) foi criado em 2012 e foi inspiração para psicóloga Fernanda Lopes e pela pediatra Tiacuã Fazendeiro criarem a Semana de Apoio à Amamentação Negra #SAAN. O objetivo do projeto Amamentação Negra é incentivar e apoiar mães negras no processo de amamentação, principalmente no quesito representatividade

Em entrevista ao projeto Nós, mulheres da periferia Fernanda e Tiacuã falam sobre o uso de fórmulas nutricionais para bebês, destacando o assédio da indústria alimentícia, a falta de profissionais qualificados para orientar as mães, a falta de infraestrutura para amamentação e armazenamento de leite em creches e as dificuldades da licença maternidade (atualmente de 4 meses garantida por lei), e a impossibilidade de parar por conta de trabalhos informais de muitas mulheres. 

Como vimos ao longo do texto, são várias questões que precisam ser discutidas além de interseccionar gênero, raça e classe. Bruna de Oliveira, nossa nutricionista, fala no texto “Nossos pratos vêm de longe: a alimentação brasileira numa afroperspectiva” sobre trazer as mulheres negras para o centro do debate já que somos nós que alimentamos a população brasileira como cozinheiras, mercadoras, amas de leite,….Nossos saberes e tecnologias usados para nutrir outro povo que não o nosso, e à nós migalhas. Construindo material para este texto me deparei várias vezes com mães negras destacando os desafios e responsabilidades de parir uma pessoa negra nesse mundo. Ao mesmo tempo que assusta, visto as atrocidades que acontecem diariamente com nosso povo, somos também portais e ferramentas de mudanças para um futuro melhor para nossos filhos.

Anin Urasse, mulherista afrikana e profissional da saúde, traz no seu blog “Pensamentos Mulheristas” reflexões sobre maternidade e ancestralidade, compartilhando sobre os desafios de ser uma mulher africana em diáspora e perceber a complexidade que é estar no ocidente e descolonizar, resgatar suas tradições e suas origens.

Notas da Bru

Idealizar a maternidade é um grande equívoco. Infelizmente, nem todas as mulheres vivem a gestação porque desejam, planejam ou sonham. Os dados apresentados demonstram como uma fase que merece tamanha atenção, cuidado e respeito é violada historicamente na vida de mulheres negras. A capacidade de gestar é considerada divina para muitos povos africanos, é lamentável que tantas mães pretas brasileiras enfrentem tantos problemas diretamente associados ao racismo estrutural e sistêmico.

Nem todo mundo vive uma gestação de milhões como a diva Rihanna. Como tudo na vida de uma mulher africana em diáspora, gestar de maneira digna e saudável é resistência e revolução! 

Felizmente, encontro-me em estado de graça à espera do meu menino Inácio. Desde novembro de 2021, quando vivi a surpresa de saber que era morada de um ser humano, tenho vivido com muita presença e compromisso o meu gestar. O sentimento de plenitude me invade, sinto a potência da criação e uma conexão com a Mãe Terra que jamais pensei que fosse possível.

Sou abençoada de integrar uma comunidade de pessoas que estão celebrando esse momento. Um sonho que carrego desde a adolescência, ser mãe sempre foi um projeto de vida pra mim. Busco não romantizar esse momento, especialmente frente a todo o contexto socioeconômico de violação que muitas irmãs vivem. Justamente por isso, celebro a bênção de ter condições de acolher esse momento da melhor maneira possível. Tenho tido um ótimo acompanhamento de pré natal na rede pública de saúde, estou formando uma família junto ao meu companheiro com muito amor e camaradagem, estou cercada de amizades e familiares que se colocam como rede de apoio ativa nesse momento.

Os desafios são muito, mas minha história é uma exceção. As bandeiras de luta pelo parto humanizado e um processo de gestação saudável e adequado são direitos que devem ser garantidos a todas as pessoas que gestam. Neste dia das mães, desejo força às irmãs que sofrem e adoecem num momento tão potente e que deveria ser mágico e inspirador. Minha gestação é de milhões não pela minha conta bancária o a ampla audiência do meu trabalho. É de milhões porque há uma realidade material que me permite desfrutar do melhor que esse momento me oferece, especialmente, considerando toda a ancetralidade e saberes que estão associados a esse momento numa perspectiva africana de entender o maternar.

Aspiro que possamos gestar e construir futuros melhor para o nosso povo, futuros que comecem desde a concepção desses seres solares que merecem paz, sucesso e prosperidade nessa vida. Feliz dia.

Acesse conteúdos para nutrir seu sol sobre o tema das maternidades negras: 

LIVES

Igbaya – Amamentação Negra – Refletindo sobre as marcas da maternidade negra: violência obstétrica, amamentação e racismo

 #PapoNinja – Tainá de Paula e Juliana Alves falam sobre mulheres negras e os desafios da maternidade

Saúde Mental Materna UFRJ – Mulheres Negras, maternidade e violência: desafios para o cuidado em saúde mental

NEABI – Núcleo de estudos Afro-brasileiros e indígenas UFOP – Mulheres negras: Maternidade e o mundo do trabalho

DOCUMENTÁRIO

A Dor Reprimida: violência obstétrica e mulheres negras

Uma em cada quatro brasileiras que deram à luz já foi vítima de violência obstétrica. O tratamento hostil, seja na hora do parto, do pré-natal, do puerpério (pós-parto) ou numa situação de aborto é ainda mais comum entre mulheres negras e de periferia. “A dor reprimida: violência obstétrica e mulheres negras” propõe um debate sobre o tema, partindo de depoimentos de mulheres e profissionais que vivenciaram este conjunto de atos desrespeitosos, abusos, maus-tratos e negligência contra as mães. O documentário é o resultado do Trabalho de Conclusão de Curso da jornalista Mariana Sales de Oliveira pela Facom (UFBA).

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REFERÊNCIAS:

Amamentação Negra Site Disponível em https://amamentacaonegra.com.br/

FERREIRA, V. M. Mãe preta, estudo sobre o índice de violência obstétrica entre as mulheres negras. Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros (COPENE), 2018. UFU Disponível em https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/resources/anais/8/1532453580_ARQUIVO_CopeneMG.pdf

Insegurança alimentar prejudica tratamentos e agrava saúde da população negra. Notícia site Faculdade de Medicina Universidade Federal de Minas Gerais, 21 de outubro de 2021. Disponível em https://www.medicina.ufmg.br/inseguranca-alimentar-prejudica-tratamentos-e-agrava-saude-de-populacao-negra/

MARQUES. G.O. Violência Obstétrica Contra Mulheres Negras. Universidade LaSalle, Canoas. 2021 Disponível em https://svr-net20.unilasalle.edu.br/bitstream/11690/1969/1/gomarques.pdf

MINISTÉRIO DA SAÚDE Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), 3ª edição, 2017. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf

Por que precisamos de uma Semana de Apoio à Amamentação Negra? Entrevista Nós, mulheres da periferia. 25 de agosto de 2021. Disponível em https://nosmulheresdaperiferia.com.br/por-que-precisamos-de-uma-semana-de-apoio-a-amamentacao-negra/

WERNECK, J. Racismo Institucional e Saúde da População Negra. Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.3, p.535-549, 2016 Diponível em https://www.scielo.br/j/sausoc/a/bJdS7R46GV7PB3wV54qW7vm/?format=pdf&lang=pt

 

Contra a fome e em defesa da soberania e segurança alimentar e nutricional, ativistas alimentares declaram apoio a Lula

Contra a fome e em defesa da soberania e segurança alimentar e nutricional, ativistas alimentares declaram apoio a Lula

   Foto: Ricardo Stuckert

Bruna Crioula

O restaurante Camélia Ododó, estabelecimento da nutricionista, ativista alimentar e apresentadora Bela Gil, foi palco na última quinta-feira (24) de um jantar entre militantes pela Comida de Verdade e o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores). O principal objetivo deste evento foi declarar apoio nas ações de campanha para o ex-presidente, como também promover o diálogo e reforçar a importância de considerar as pautas de soberania e segurança alimentar e nutricional, combate à fome e fortalecimento da agricultura familiar agroecológica e/ou orgânica no seu plano de governo.

Agricultores, referências sociais, políticas, acadêmicas e culturais nas áreas de alimentação, nutrição e ecogastronomia participaram do coquetel, tendo como anfitriãs a própria Bela Gil, a chef de cozinha Bel Coelho e a comunidade Levante Slow Food Brasil. Nomes como Regina Tchelly do projeto Favela Orgânica; Denise Cardoso, presidente da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc); Lina Luz da Escola de Gastronomia Social do Ceará; e Marcos José de Abreu (Marquito), ambientalista e vereador pelo PSOL em Florianópolis; demonstram a diversidade de experiências locais brasileiras comprometidas com as lutas pela garantia do direito humano à alimentação adequada para a população brasileira.

Alimentação é um fenômeno bio-sociocultural que se manifesta nas diferentes dimensões da organização humana, perpassando questões políticas e econômicas. Por isso, esta é uma pauta atemporal e estruturante que precisa fazer parte de maneira transversal nas políticas públicas no Brasil. Considerando o contexto de pandemia global e todos os desdobramentos oriundos das crises sociais, políticas e econômicas que o Brasil enfrenta hoje, especialmente pela necropolítica promovida pelo atual governo federal, é necessário restabelecer estratégias e estruturas públicas que combatam o expressivo contexto de fome e miserabilidade da população brasileira.

A defesa da Comida de Verdade, noção forjada tanto no âmbito da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Alimentação Saudável e Adequada é uma bandeira comum na mobilização social para promover mudanças radicais nos sistemas alimentares, assim como no enfrentamento à fome e à crise climática global. Nesse sentido, a rede Slow Food Brasil tem uma trajetória de mais de vinte anos de atuação no território nacional, comprometida com estas pautas, tendo a gastronomia sustentável e a conexão campo-cidade como foco de trabalho em todas as regiões do país.

Considerando que este tema necessita ter grande ênfase na campanha presidencial de 2022 e que os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), seminalmente, nos mandatos de Lula, tiveram o compromisso de concretizar políticas públicas de combate à fome, fortalecimento da agricultura familiar e tradicional e da estruturação de um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil; há o reconhecimento de que a atual candidatura presidenciável de Lula é um fôlego de esperança, tendo em vista as ações do atual governo federal nos desmontes institucionais, de políticas públicas e da agenda política pautada pelo agronegócio que contribuíram para o cenário de insegurança alimentar e nutricional de mais da metade da população, especialmente famílias chefiadas por mulheres negras nas favelas brasileiras. Os ativistas que compuseram este jantar acreditam que este panorama histórico descreve e justifica a manifestação de apoio deste grupo à candidatura do ex-presidente Lula, com a entrega de uma carta que apresenta as contrapartidas de incidência política durante a campanha e após a esperada e desejada posse, colocando-se à disposição no suporte, enquanto sociedade civil, na efetivação das demandas propostas que foram registradas neste documento.

Entre as falas proferidas no coquetel, Lula compartilhou histórias vividas em sua caminhada relacionadas aos sistemas alimentares brasileiros apresentando sua dedicação às lutas de combate à fome e garantia de acesso a alimentos para populações em situação de extrema vulnerabilidade social. Reforçou a necessidade de criar mecanismos de proteção para as políticas públicas ligadas à Segurança Alimentar e Nutricional e que esses temas sejam amplamente divulgados entre a população.

“O Brasil precisa entrar num novo tempo. É preciso popularizar. É preciso tirar o conceito de alimentação saudável/orgânica da boca dos especialistas para a boca do povo”, afirmou o ex-presidente. Para Lula, a alimentação saudável tem que entrar na pauta tanto quanto assuntos como emprego e educação, demonstrando o compromisso com as demandas compartilhadas durante a roda de conversa no Camélia.

Para a anfitriã Bela Gil, este encontro foi um passo em direção à democratização dos significados da alimentação saudável, lembrou que a fome é um projeto político que retira das pessoas a possibilidade de autonomia para fazer escolhas alimentares adequadas. Também reformou a necessidade de incluirmos a reforma agrária de maneira transversal nas políticas públicas agrárias, ambientais e de promoção à saúde.

“Democratizar a alimentação significa democratizar a terra. O Brasil é um dos países com maiores índices de concentração de terra, resgatar a reforma agrária é fundamental”, afirma Bela.

Sem dúvida, o evento foi um espaço fraterno de partilha de experiências múltiplas de pessoas que trazem nas suas trajetórias o empenho nas lutas por soberania e segurança alimentar e nutricional. No decorrer do encontro, a comunidade Levante Slow Food Brasil presenteou o presidente com um estandarte confeccionado pelo coletivo de mulheres Linhas de Sampa para o evento internacional da rede Slow Food Terra Madre, ocorrido em 2018 na Itália. Com a mensagem “Lula Livre” em inglês e italiano, o emblema era um ato de denúncia à prisão do presidente em Curitiba no mesmo ano. Um momento que marca toda a emoção e entusiasmo com que o jantar aconteceu.

Esperança e força foram expressões muito mencionadas num consenso do coletivo presente de enfrentar os desafios postos durante a campanha presidencial este ano a fim de alcançar o objetivo de eleger Lula como presidente do Brasil no próximo mandato. Sem a pretensão de findar esse debate, o evento inaugura novas oportunidades de articulação para a realização de ações conjuntas planejadas e executadas de maneira dialógica e propositiva na construção de sistemas alimentares inclusivos, equânimes e solidários. Acesse a carta de apoio elaborada pelos ativistas alimentares aqui.

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 Bruna Crioula é nutricionista ecológica, comunicadora popular e             pesquisadora alimentar. Atua na popularização da biodiversidade brasileira   há 12 anos. É sócia-fundadora da Crioula | Curadoria Alimentar, empresa   social protagonizada por mulheres negras, comprometida na criação de   soluções ecológicas nos sistemas alimentares, da produção ao consumo.   Contato: @brunacrioula ou brunacrioula@gmail.com

 

Mudanças Climáticas e pessoas racializadas

Mudanças Climáticas e pessoas racializadas

por Kellen Vieira

Um novo estudo, compartilhado pela BBC news, indica que pessoas negras na maioria das cidades dos Estados Unidos são sujeitas ao dobro de calor corporal do que as pessoas não negras da mesma cidade.
Os estudos dizem que as diferenças não são explicadas pelo nível de pobreza, mas sim por racismo e segregação históricos.

Como resultado, as pessoas negras geralmente moram em áreas com menos espaços arborizados e mais prédios e asfalto.

O que aumenta o impacto da variação de temperatura e mudança climática, principalmente em cidades que já são conhecidas por terem o clima mais quente do que o normal. O termo técnico para os impactos que os prédios, estradas e demais infraestruturas das cidades causam na temperatura é: ilha de calor urbana. Todo o concreto e asfalto atrai e estoca o calor, fazendo com que dia e noite em grandes áreas urbanas sejam mais quentes do que outros lugares à volta.

Dentro das cidades há uma grande diferença de como a ilha de calor irá impactar, em áreas ricas, por exemplo, há árvores e espaços verdes que são notoriamente mais frios que aqueles com grande quantidade de casas e indústrias.

Um estudo anterior feito nos Estados Unidos provou uma correlação entre bairros quentes em grandes cidades com práticas de segregação racistas datadas de antes de 1930. Naquela época áreas com grande numero de negros e imigrantes ilegais eram marcadas, por oficiais federais, em documentos e quem vivia nesses espaços tinha empréstimos e e investimentos negados, tal prática era conhecida como “redlining”. O que leva a uma concentração de pobreza e dificuldade da aquisição de casas próprias pelas populações mais pobres nessas grandes cidades.

Esse novo estudo olha mais de perto para esses bairros mais quentes e as pessoas que são afetadas por isso. Usando dados satélites de temperatura combinados com as informações do censo demográfico dos Estados Unidos, os autores relacionam que os bairros onde a maioria é de pessoas negras e latinas têm temperatura bem maior do que aqueles bairros onde a maioria é branca.

Para sistematizar o estudo define latinos e negros como “pessoas de cor”, não sendo necessariamente os latinos pessoas negras, mas sim considerando todas as pessoas que não se declaram como brancas.

Em todas as áreas urbanas, com exceção de seis, das 175 maiores áreas urbanas dos Estados Unidos continental, as ditas pessoas de cor sofrem muito mais com o impacto do calor no verão.

As pesquisas mostram que pessoas negras estão expostas, em perímetro urbano, a uma média de 3.12ºC de calor a mais, em comparação com pessoas brancas têm em áreas urbanizadas.

A exposição ao calor não apenas aumenta a taxa de mortalidade, mas também está conectado a diversos impactos como insolação, perda de produtividade no trabalho e dificuldade de aprendizado.

“Nosso estudo ajuda a promover mais dados quantitativos que evidenciem que o racismo climático e racismo ambiental existem”, diz a Dra Angel Hsu, da universidade da Carolina do Norte. Chapel Hill, autora principal do artigo. “E isso não é apenas um incidente isolado, isso se perpetua por todo o país. Embora ser pobre fosse um fator de exposição ao aumento de temperatura urbana no verão, isso não era uma explicação completa.”

Em torno da metade das cidades, a maioria das pessoas de cor enfrentam verões mais quentes do que pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, mesmo considerando que apenas 10% dessas pessoas de cor são classificadas como pobres.

Os especialistas dizem que a raiz dessa diferença pode ser encontrada na história “nós podemos traçar vários dessas iniquidades atuais ligadas ao meio ambiente, problemas socioeconômicas e da saúde como explicitamente ligada às decisões e planejamento urbano do século 20 como o ‘redlining’ ” diz Dr Jeremy Hoffman, o cientista chefe do Museu da Ciência em Virginia, que não está envolvido nesse novo estudo. “Embora o dinheiro não nasça em árvores, o dinheiro está claramente localizado em bairros embaixo das árvores, especialmente nos Estado Unidos”.

Com o aumento das temperaturas provocado pelo aquecimento global com o passar das décadas, esse é um problema que irá ficar pior sem uma atuação significativa dos estados e do governo federal, como o presidente Biden tem prometido.

Soluções, entretanto, precisam ser pensadas cuidadosamente. No papel, os autores refletem o fato que plantar árvores em áreas de calor pode reduzir a temperatura no verão em cerca de 1.5ºC, o que é bom para os moradores.

Mas as novas árvores também podem aumentar o valor das propriedades e acabar expulsando as pessoas as quais a política de plantação de árvores visava beneficiar, a chamada gentrificação.

“Como nossa sociedade emerge da pandemia, que mostrou que essas mesmas comunidades que enfrentam maior calor no verão, são as mesmas que sofrem os maiores impactos da Covid-19, é essencial que a gente assegure e foque na nossa recuperação” diz Dr Hoffman “Mas, se decisões para esses bairros são feitos sem a participação ativa e orientação dos moradores desses espaços, não será algo melhor, seja em teoria ou prática, do que o “redlining”, ou qualquer outro processo de planejamento desvantajoso do passado”

O estudo está publicado na revista Nature Communications.

Fonte: https://www.bbc.com/news/science-environment-57235904

Revolução Ecológica JÁ!

Revolução Ecológica JÁ!

Por Kellen Vieira

“Se quando está quente chamamos de aquecimento global, quando está frio fora do normal como se chama?”

Bom, que tal chamar de mudanças climáticas para não alimentar a dúvidas daqueles que ainda acreditam que tudo isso é balela?

Para essas pessoas que ainda não acreditam nas mudanças climáticas, o sexto relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) divulgado em é bem enfático: não serão as pequenas mudanças que irão amenizar essa realidade não, são aquelas mudanças RADICAIS mesmo.

A primeira alteração a que temos que aderir, se tratando de mudanças climáticas, é pararmos  de falar das possíveis consequências caóticas que tais mudanças podem gerar, como se fossem acontecer no futuro: está tudo acontecendo hoje, aqui e AGORA.

O aquecimento global não é mais uma perspectiva, ele é uma realidade dura e difícil que já impacta nossas vidas. 

Já não há mais tempo, nem motivo, para debater se a causa das mudanças climáticas é um fenômeno cíclico e natural da terra, ou causado por ação humana. Já temos uma resposta, com base em evidências científicas: a causa é ação humana. A avidez completa e desmedida por consumo, lucro, produção e competição são alguns dos fatores estruturantes no modelo econômico vigente que causam a destruição dos recursos naturais e ecossistemas.

Para solucionar os problemas, e evitar catástrofes ainda maiores, nós temos que avançar com propostas reais. Se, como diz o jingle famoso, “o futuro já começou”, nós não começamos nada bem. 

No acordo de Paris, em 2015, foi acordado que deveríamos tentar controlar esse aumento da temperatura em, no máximo, 2ºC, sendo o ideal apenas 1.5ºC. Um dos principais pontos citados no relatório foi o aumento geral da temperatura da terra em 1.1ºC  no período de 2011 a 2015, em comparação à segunda metade do século 19. Mudança essa que afetou diretamente diversos biomas e, como temos visto, a vida de muitos e muitas.

Segundo o relatório, uma das soluções possíveis está diretamente ligada ao investimento em tecnologias sustentáveis, além do monitoramento constante dos nossos avanços e retrocessos sobre o assunto. Outro ponto importante é a identificação de áreas que ainda não estão tratando as mudanças climáticas como prioridade, com o objetivo de  fomentar a priorização desse assunto nessas regiões. 

Ou seja, você pode substituir falar de voto impresso, desfile de carros de guerra e armar a população, por falar sobre as queimadas na Amazônia, pantanal e cerrado, a crise hídrica e elétrica e a desertificação dos nossos biomas, por exemplo.

Não sei se avisaram o agronegócio, mas eles vão precisar de chuva para continuar plantando esse tanto de soja e criando esse tanto de gado.

Esse é o momento para pensarmos em âmbito global, deixando diferenças de lado. Não se trata de um problema urbano ou rural, doméstico ou internacional, é um problema que engloba a humanidade e cada um dos indivíduos que compõem esta. Temos que pensar em uma trajetória daqui para frente focada em solucionar esses problemas que já estão acontecendo e nos afetando.

As mudanças climáticas são um fenômeno sistêmico, transgeracional, e previsível. Isso significa que as soluções para os problemas terão de ser coletivas, com planejamento e execução de curto, médio e longo prazo, e com base em evidências científicas.

Como solução para o mundo, nós da Crioula alimentamos o discurso sobre a revolução ecológica, uma revolução gentil que nos garante sobrevivência através do conhecimento e práticas possíveis seja no campo ou na cidade. Para saber mais e ter acesso ao nosso conteúdo especial de assinantes, faça parte do nosso clube de assinaturas, econtribua com essa revolução!

Conflitos no campo

Conflitos no campo

Por Kellen Vieira

Temos direito à terra. Em um modo literal esse direito se faz presente em constituição, onde diz que a terra deveria cumprir um papel social, econômico e ecológico de preservação e produção. Inclusive, também consta em lei que o interesse social da sua utilização pode prevalecer o individual. Ou seja, o interesse coletivo para a utilização ou aproveitamento da terra sobrepõe interesses individuais, isso é considerado principalmente quando se trata de desapropriação para reforma agrária, ou no “uso capião”, por exemplo.

 

Compreender o papel social da terra, não se trata apenas de sua produtividade em um sentido numérico de produção em larga escala, mas também como um local de permanência e cultivo de raízes, que vão além da mandioca: As raízes culturais e ancestrais de um povo, a forma de viver e ver o mundo. O papel social da terra trata de sociabilização, cultura, ancestralidade, diversidade e pertencimento. 

 

No Brasil temos uma distribuição fundiária que privilegia aqueles que têm maior poder econômico e político. Na prática, isso quer dizer que aqueles que detém a maioria de terras, não as têm de maneira produtiva. E quando as possuem, esses grandes produtores são responsáveis pela monocultura das chamadas commodities (soja, milho, cana de açúcar, algodão e carnes) destinadas para a exportação.

Dessa forma, além da produção em larga escala não ser responsável pela alimentação da sociedade brasileira, ela só se torna possível por meio da monocultura, que faz parte do ciclo do agronegócio, é responsável pela degradação da terra e de biomas naturais, e compromete a biodiversidade natural e alimentar, que afetam a nossa soberania alimentar.

 

Os grandes latifundiários aumentam suas fronteiras agrícolas através da especulação imobiliária em novas fronteiras. Essa especulação, aumenta a desigualdade de acesso à terra, uma vez que supervaloriza os preços – e dessa forma, somente pessoas muito ricas viabilizam a compra –  e alimenta o êxodo rural. Ela também diminui o acesso à terra, o que culmina em um ciclo de violências no campo, envolvendo posseiros, ambientalistas e grandes fazendeiros.

 

A especulação imobiliária é um dos diversos fatores que estão presentes nas raízes dos conflitos no campo. Todavia, este não é um problema que se limita ao meio rural. Aqui, no ambiente urbano das grandes cidades, vemos um déficit habitacional enorme, com diversas pessoas em situação de rua contrastando com uma imensa disponibilidade de imóveis vazios . O aumento no preço de aluguéis, e compra de imóveis para especulação, faz com que as pessoas se afastem de certas áreas, até mesmo consideradas nobres, e vão procurar as chamadas ocupações, sejam elas as favelas ou a reapropriação de imóveis abandonados.

Um resultado que evidencia a necessidade da reforma agrária. O mesmo documento define ligação entre interesses empresariais e conflitos, sendo o grupo denominado de “ grandes fazendeiros” o principal responsável pela violência no campo, seguidos de empresários.