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Veganismo pode ser popular e acessível para toda a população? Pois a matéria escrita pela jornalista Marcella Sobral Elias para O Globo publicada no dia 26 de junho de 2022 mostra que sim. Foram entrevistadas diferentes iniciativas que defendem a bandeira de um veganismo popular, barato e gostoso para toda a população. A nutricionista ecológica Bruna Crioula foi uma das entrevistadas. Você pode acessar a matéria aqui. Além das questões apresentadas na reportagem, outros pontos foram discutidos por Bruna. Nesta publicação você acessa toda a entrevista concedida por ela para a Marcella.

Boa leitura!

Equipe Crioula

Por Marcella Sobral Elias

Marcella Sobral Elias: Como você se apresentaria?

Bruna Crioula: Mulher africana em diáspora no Brasil. Ecossocialista. Nutricionista de formação, comunicadora de coração. Bruna Crioula (@brunacrioula) nas redes sociais. Coletora urbana e pesquisadora alimentar. Mestranda em Ciências Sociais, fundadora e coordenadora geral da Crioula | Curadoria Alimentar.

ME: Comer é um ato político e cultural?

BC: Sim, comer é um ato sistêmico com múltiplas faces. Comer é um ato social e biológico que se faz presente em diferentes dimensões da vida humana. É cultura porque é reflexo da ação dos seres humanos no ambiente, resultado de um trabalho reflexivo, cognitivo e prático de transformar natureza em utensílios culinários, receitas e tudo que compõem nossos ambientes alimentares. É cultura porque possui acúmulo de memória, histórias que criam narrativas que atravessam gerações. É política porque pressupõem troca e sociabilidade; é política porque mobiliza ações individuais e coletivas de orquestrar diferentes fluxos e processos para alimentar e nutrir não somente uma pessoa, mas uma comunidade inteira.

Comer é político porque é um ato estruturante na organização de sociedades historicamente. Cultura, política, economia, ecologia, ancestralidade são todas perspectivas diferentes pelas quais podemos ler e compreender o ato de comer.

ME: O que precisamos mudar no rumo da nossa alimentação enquanto sociedade?

BC: Pra essa pergunta eu lanço mão da afirmação: sou pessimista nas ideias e otimista nas ações. Para mudarmos os rumos da nossa alimentação precisamos de uma profunda transformação no nosso sistema político-econômico hegemônico. Os valores e princípios que regem o capitalismo são as bases materiais para a construção dos sistemas alimentares modernos que geram prejuízos para a saúde humana e ambiental, além de também serem atravessados pelas mazelas geradas das assimetrias, desigualdades e racismos entranhados em nossa sociedade. A lógica das indústrias de alimentos, das matrizes produtivas, das dinâmicas de comercialização de alimentos precisam estar orientados a partir de outras perspectivas de vida. Mudanças individuais por meio do consumo não são movimentos suficientes para alterarmos as formas com que os sistemas alimentares se concretizam na realidade das populações. Seria bastante leviano da minha parte afirmar o contrário. Ainda assim, é em meio ao caos instaurado pelo agronegócio, as indústrias de alimentos e a grande mídia com suas influenciadoras digitais que coexistem caminhos revolucionários de mudança. Esses caminhos são abertos pelos movimentos de agricultura urbana, pelas lutas dos povos e comunidades tradicionais pela garantia dos seus modos de vida, pelos movimentos de reforma agrária, pelas cozinhas e hortas comunitárias, seguindo pelas feiras agroecológicas e comunidades que sustentam a agricultura. A pavimentação dessas mobilizações da sociedade civil precisa ser realizada com políticas públicas que garantam a soberania e segurança alimentar e nutricional, apoio e suporte à agricultura familiar e taxação e regulamentação de agrotóxicos e outras tecnologias associadas ao agronegócio.

Pensar na alimentação vai muito além do que colocamos no nosso prato e mudanças na dieta de cada um não mudarão os rumos. Precisamos de rupturas estruturais.

ME: Ainda existe muito preconceito em relação a uma dieta vegana? Um ponto que sempre é falado é sobre crianças veganas. É possível absorver todas as necessidades de uma pessoa em idade de crescimento? Como?

BC: Existem estigmas associados não somente a uma dieta vegetariana estrita, mas a todo o movimento político associado ao antiespecismo. Pra mim, uma dieta vegana não deve ser encarada como sinônimo de uma alimentação saudável. Saúde e bem estar no tempo em que vivemos é considerar aspectos e parâmetros que fazem bem às pessoas e ao planeta.

Excluir animais da nossa dieta cotidiana não traz qualquer prejuízo às nossas demandas nutricionais independente da fase da vida. O que é necessário considerar, é que uma dieta à base de plantas precisa ser diversificada, deve ser equilibrada do ponto de vista da qualidade e quantidade.

Vegetais possuem todos os micro e macronutrientes para compor uma dieta equilibrada, também existem algas e fungos para complementar nossas refeições. Buscar diversidade é ir além do que as gôndolas dos supermercados nos oferecem, especialmente alimentos ultraprocessados. Evitar ao máximo alimentos industrializados, ainda que tenha selo “vegan”. Com o auxílio de nutricionistas ambientalmente conscientes é muito possível compor um plano alimentar biodiverso que supra todas as nossas necessidades fisiológicas.

Comida de verdade é arroz, feijão, batatas, mandioca, amendoim, milho, favas, folhas, frutas, sementes. Comida de verdade é que preparamos de maneira doméstica, comida de vó vinda da terra e produzida de maneira agroecológica.

ME: Até pouco tempo atrás, as referências de influenciadores veganos na internet era quase toda de pessoas de alto poder aquisitivo. Esse cenário está mudando? Quem são os principais atores dessa mudança? Alguém inspirador no Rio de Janeiro?

 
BC: A internet é um espaço dinâmico e diverso, existem muitas pessoas mostrando para o mundo suas visões de mundo e inspirando pessoas. Ainda que existam influenciadores/as digitais periféricos, favelados, pretos, mulheres – que são os principais atores que reivindicam e vivem o veganismo popular – em muitos casos, esses perfis não tem muita audiência quando comparados as influenciadoras e artistas veganas liberais. É preciso muito compromisso político para manter um perfil em qualquer rede social de maneira voluntária, também, é desafiador monetizar esse trabalho por toda carga política associada que muitas pessoas e marcas não tem interesse. Mesmo assim, há bons exemplos que me inspiram nesse segmento, no RJ indico a Thallita Flor @thallitaxavier e Caroline Silva @cozinhaeginga – mulheres pretas antiespecistas com trajetórias inspiradoras sobre alimentação à base de plantas direcionada a população preta. Outro perfil do RJ que incentivo muito que seja acompanhado é do filósofo e professor Coelho no perfil @vegetalvermelho para quem deseja aprender e melhorar em aprendizagens coerentes sobre veganismo popular.

ME: Qual a importância desse movimento? Como ele pode melhorar a nossa vida?

BC: O antiespecismo contido no veganismo popular é um instrumento de transformação da sociedade. Por meio dessa tática, não somente há melhoria nas nossas vidas individualmente falando, os resultados da ampliação do veganismo popular na sociedade significam melhorias estruturais na vida de animais humanos e não humanos e de toda a natureza. 

ME: Uma dica para quem quer fazer essa mudança de vida?

Veganismo não é dieta, tampouco uma filosofia de vida. Veganismo é um movimento político de transformação da sociedade. Logo, minha principal dica é que as pessoas busquem informações que libertem suas mentes de uma visão liberal e restrita do que significa ser vegano. Eu tenho um episódio de podcast falando sobre isso, muitas vezes somos mais veganos do que pensamos, só precisamos olhar para o veganismo da maneira correta. Nesta publicação eu falo sobre o episódio no quadro Noz Comunica do podcast Noz da Nutrição.

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