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Por Bruna de Oliveira

Há dois importantes motivos para celebrar o dia 12 de outubro. Primeiro, pelas lentes da fé temos o dia da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Uma ocasião que não pode ser deixada de lado, considerando que esta é uma santa representada por uma mulher negra. Quantas mulheres negras são base para a manutenção da vida de um tanto de crianças, elas que são o segundo motivo de celebração deste dia: 27,8% da população é composta por mulheres negras, algumas mães outras não, mas todas na extrema margem social seja pela baixa escolaridade, seja pelos altos índices de desemprego somado às baixas quantias de remuneração. A fome e a violência também fazem parte do cotidiano de muitas mulheres negras. É impossível deixar de fazer esta demarcação porque a mulher, em sua maioria, é a pessoa que detém a guarda de uma, duas, três, quem sabe mais crianças.  

Trazendo uma breve reflexão compartilhada no meu perfil no instagram precisamos celebrar o dia das crianças considerando o direito a uma vida digna, isso envolve um universo de fatores, dentre eles a saúde, o emprego e um contexto digno de criação, o que está diretamente associado com o bem estar de mães, avós, tias, dindas responsáveis por cada crianças deste país. Quando olhamos para a saúde das crianças brasileiras a partir das lentes da nutrição, nos entristecemos com a prevalência de casos de sobrepeso e obesidade que afeta aproximadamente 3,1 milhões de crianças menores de 10 anos. A complexidade dessa trama social se intensifica com a pandemia, num contexto de sedentarismo e aumento no consumo de alimentos ultraprocessados.

O sobrepeso e a obesidade são expressões de perfis nutricionais tão prejudiciais quanto os desdobramentos da fome no desenvolvimento de uma criança. Lembrando, que existe um grande contingente de crianças de 0 a 14 anos que estão em situação domiciliar de extrema pobreza e nesses cenários de escassez existem meninas e meninos que vivem a dupla vulnerabilidade de estarem obesos e ainda assim famintos. Caso você se interesse, conversei sobre pobreza e obesidade com a professora Doutora Daniela Sanches Frozi em um dos episódios da série #livedaBru (acesse aqui). Eu sei que este assunto está denso, mas o foco dele são adultos cuidadores/responsáveis pelas crianças.

O ciclo do cuidado infantil deve ser enxergado como um processo de crescimento de forma circular em espiral, este é o movimento padrão da vida no planeta que pode ser aplicada também nesse caso.

As dimensões sociais, culturais, ambientais, sanitários, econômicas e políticas também fazem parte da construção de vida de uma criança. É por isso que precisamos lutar por políticas públicas que beneficiem mulheres, especialmente mulheres negras. Também, precisamos incentivar e dar o suporte necessário para que mães possam amamentar seus filhos e filhas. Este é o primeiro direito de uma crianças, a garantia de acesso livre à amamentação de maneira exclusiva. O leite materno é o melhor alimento para recém  nascidos, até os seis meses de idade, nem água é necessário oferecer à criança. Sem a romantização desta prática, há muitas dificuldades que precisam do apoio profissional da equipe da saúde da família mais próxima do território familiar. Em seguida, após os seis meses de idade, a criança está apta para iniciar sua introdução alimentar com frutas amassadas, vegetais cozidos entre outras preparações que façam parte do hábito alimentar da família.

Penso que até aqui é possível perceber a complexidade que é conduzir e gerenciar uma alimentação saudável para nossas crianças. Justamente por isso, é tão necessário que as famílias tenham acesso a profissionais como nutricionistas que receberam a formação para atuar nesses momentos. Mas, onde estão as nutricionistas na atenção básica? Ou, quem são as famílias que têm recurso financeiro o suficiente para acessar o trabalho de uma nutricionista? Os dilemas para sincronizar as ações e recursos necessários para zelar pelo bem estar de uma criança são enormes. E estamos passando por metade das reflexões que quero trazer aqui. Sabem por quê? Porque misturado nesse caldo que é a introdução alimentar existem problemas estruturais como vimos até aqui, especialmente num ambiente pandêmico e com crise política e econômica; como também, externalidades que contribuem para uma ambiência pouco saudável na vida de pequenos e pequenas.

Estou falando da publicidade de alimentos. As indústrias alimentares estão presentes na nossa vida de forma mais expressiva depois da II Guerra Mundial. Elas estavam presentes na alimentação de soldados americanos durante a guerra e depois deste episódio elas foram procurar outros públicos alvo para a continuidade de sua atuação. E é neste momento que as crianças passam a ser alvo dessas indústrias que prometem praticidade e alimentos fortificados, mas a verdade é que eles são agentes no processo de adoecimento infantil. 

A Publicidade Infantil é a divulgação de mercadorias produtos e serviços, com foco nas crianças pelas empresas como forma de expandir seus lucros; isto é, a publicidade e a propaganda de uma mercadoria ou serviço são planejadas para falar a linguagem das crianças e atrair suas atenções e vontades, tornando-as consumidoras ativas e decisivas na consumação da compra de mercadorias.

Ademais, a publicidade direcionada à criança tem um papel essencial na formação da compreensão infantil sobre objetos e mercadorias, ao internalizar e incorporar valores e atitudes voltados para o consumismo, assim como o faz no adulto. Tal papel influencia nos processos de socialização e educação – especialmente a educação para o consumo – inserindo-se, desse modo, na estruturação da percepção da criança sobre si mesma, sobre os outros e sobre as coisas de seu entorno. As crenças e valores em formação na criança através da publicidade consolidam padrões sociais e estereótipos que valorizam e legitimam quem tem acesso aos bens de consumo e exclui quem não tem e nem pode tê-los. 

Como as crianças são socialmente e individualmente sensíveis e vulneráveis à publicidade, desde cedo, portanto, elas ficam expostas ao tratamento dado como público-alvo consumidor e não como cidadãos em formação, com direitos de proteção e livre de qualquer interferência negativa e indesejável ou violência durante as etapas de seu desenvolvimento enquanto sujeito humano. À vista disso, as empresas que comercializam alimentos e mercadorias destinadas ao público infantil se utilizam de práticas abusivas e persuasivas para assegurar o lucro empresarial.

Por serem consideradas suscetíveis e vulneráveis à publicidade, muitos adultos entendem que a publicidade e a propaganda direcionadas à criança devem ser reguladas cuidadosamente. Diversas são as organizações da sociedade civil e instituições que se empenham na regulamentação e fiscalização da publicidade infantil. Para o Instituto de Defesa do Consumidor e o Conselho Federal de Psicologia, por exemplo, com base no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade com foco no público infantil é abusiva, porque se vale da deficiência de julgamento da criança, pois esta tem seu intelecto e suas capacidades cognitivas ainda em formação. Assim, a criança não tem desenvolvida a capacidade de analisar criticamente o interesse mercadológico que existe por trás da informação dirigida a ela; portanto, está mais propensa a ser persuadível, influenciando, inclusive, na tomada de decisão dos pais no ato de comprar.

Na legislação brasileira, há vários dispositivos jurídicos-legais que visam a proteção à criança contra a publicidade abusiva, bem como leis que regulamentam a publicidade infantil, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, a Resolução nº 163/2014 do Conanda, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº. 408/2008, dentre outras. A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprovada em março de 2014, por exemplo, considera abusivas a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas à criança, definindo especificamente as práticas abusivas, tal como o uso de linguagem infantil, a presença de celebridades com apelo ao público infantil, de personagens ou apresentadores de programas infantis, dentre outras.

A Organização Mundial da Saúde defende a regulamentação da publicidade de alimentos e, desde 2005, considera a comercialização de alimentos não saudáveis para o público infantil como um fator que contribui para o aumento dos níveis de obesidade e sobrepeso.

Ademais, a OMS ressalta que os governos têm o dever de garantir a tomada de medidas efetivas e eficazes contra a publicidade abusiva. Do mesmo modo, em 2012, a Organização Pan-Americana da saúde enfatizou a importância da regulação da publicidade e propaganda de alimentos não saudáveis direcionadas ao público infantil.

A principal motivação da escrita deste texto foi mostrar que existem circunstâncias estruturais que impedem que as crianças tenham acesso a uma alimentação adequada e saudável para o seu desenvolvimento. São resultados de uma equação desastrosa de má gestão pública e condições de escassez de recursos. Ao contrário do que podemos chamar de “senso comum”, condições de pobreza e/ou pobreza extrema também são ambientes onde a obesidade infantil pode surgir, pelo uso abusivo de alimentos ultraprocessados.

Esses produtos são intencionalmente divulgados para as crianças, que também interferem na escolha de compra de pais, mães e responsáveis. 

Que neste dia das crianças, possamos fortalecer nossas aprendizagens sobre os desafios, dilemas e externalidades que estão presentes no desenvolvimento dos hábitos alimentares das crianças. Uma infância feliz e cheia de potência está intrinsecamente ligada a um padrão alimentar que dê suporte para o crescimento e desenvolvimento pleno. Que a sociedade brasileira tenha condições de alimentar e nutrir o futuro que é presente em cada menino e menina deste território.  

FONTES:

Âmbito Jurídico | https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-67/o-papel-da-televisao-e-da-publicidade-na-formacao-de-criancas-consumidoras/

Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor | https://idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/publicidade-infantil-entenda-quais-so-os-perigos

Publicidade dirigida à criança: violência invisível contra a infância | OLMOS, Ana. Publicidade dirigida à criança: violência invisível contra a infância. Constr. psicopedag.,  São Paulo ,  v. 19, n. 19, p. 34-46,   2011 .   Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-69542011000200003&lng=pt&nrm=iso>. Último acesso em 27 out. 2020.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/eleicoes-2020/noticia/2020-10/negras-sao-28-dos-brasileiros-mas-tem-baixa-participacao-politica

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58810987