Por Kellen Vieira
Nos anos 90 o mundo entrou numa onda de consumo “fast and furious” onde tudo é pra ontem. Na alimentação, falamos muito sobre como os fast foods podem ser nocivos à nossa soberania alimentar e até mesmo à nossa saúde. Mas o que temos a dizer sobre o fast fashion?
Para quem ainda não conhece esse termo, o fast fashion se refere à parte da indústria da moda representada por tendências rápidas, acompanhadas por uma produção em larga escala e de maneira globalizada. Por isso os sites estrangeiros conseguem vender os mesmos modelos de roupa para o mundo todo.
É muito comum ver nas etiquetas, caixas e demais produtos a etiqueta “made in china” (feita na china). Inclusive, não só a China, mas vários países orientais, são protagonistas e cresceram suas economias com essa produção em larga escala que perpassa a lógica do fast fashion.
E qual o impacto real disso?
Essa pergunta é importante pois devemos pensar sobre o ciclo que envolve a indústria da moda, e por mais que às vezes a gente não associe nossas roupas à agricultura, muitas malhas são feitas a partir de uma plantinha, o algodão.
Da mesma forma que alimentos como a soja e o milho deixaram de ser alimentos para virar commodities, o algodão também integra esta categoria. Isso significa que ele faz parte de um ciclo de monocultura que inclui muitos agrotóxicos e transgênicos – 80% do algodão produzido no Brasil é transgênico e, em escala global, cerca de 64% da produção corresponde à plantações de algodão transgênico.
Mas como nem tudo são plantas, o poliéster veio como um material que não amassa e que tem uma durabilidade muito boa. Inclusive, ele demora 400 anos para se decompor, isso porque sua produção é feita com a utilização de óleo, mais especificamente o petróleo, muita água e uma parte de algodão – olha ele aqui de novo.
O poliéster pode poluir a água e o ar através da liberação de toxinas resultantes da sua produção, o que impacta diretamente nas comunidades próximas aos locais de produção, bem como a fauna e a flora local.
Por falar em fauna, não podemos esquecer do couro: esse famoso e procurado material que tem origem animal, e que faz parte da história da moda.
O couro passa por diferentes processos para virar aquele material de cheiro forte nas lojas. Considerando que ele é a pele de um animal, podemos imaginar a quantidade de produtos químicos e a quantidade de água que é utilizada para chegar ao resultado final. Todos esses processos possuem impactos significativos para o meio ambiente.
E se não bastasse a poluição resultante da produção, temos também a poluição resultante do descarte. Como sabemos, quando jogamos algo fora, nunca é para fora do planeta e sim para fora das nossas casas. A produção de lixo tem ganhado destaque quando falamos de comida, afinal é visto como desperdício, mas para onde vai aquela meia velha que você jogou fora?
Para o lixo.
O lixo têxtil tem se tornado um grande problema, advindo da prática de produção e consumo do fast fashion. Afinal, se não posso repetir roupa e tenho que “estar na moda”, as roupas da coleção passada eu faço o que?
A doação em si não é uma má ação, muitas famílias precisam de roupas e agasalhos. Porém, com a lógica de produção, consumo e descarte que temos atualmente, nem a doação daria conta de toda a roupa que é descartada. E para se ter uma idéia, só o Brasil produz anualmente 175 mil toneladas de lixo têxtil por ano. Vale lembrar que nem somos o país que mais produz.
É importante falar do descarte, é importante falar da origem, mas precisamos também falar da produção.
A produção mexe com um assunto mais sensível: os fatores sociais por trás das relações de trabalho, que são empregadas no sistema do fast fashion. Alguém costurou essa blusinha linda que você está vestindo enquanto lê tudo isso.
Historicamente, a indústria têxtil é marcada por condições precárias de trabalho. O fast fashion agravou uma situação que já era ruim. A alta demanda de produção e a diminuição do preço dos produtos, resultam em trabalhadores recebendo menos para trabalhar mais. Diversos dossiês apontam que, principalmente no oriente, mas também no Brasil, diversas marcas famosas vistas como “grife de departamento” utilizam trabalho análogo à escravidão em suas cadeias produtivas.
E aqui trago a reflexão sobre o lucro, pois, nessa lógica, para o consumidor o preço é caro e o produtor tem que fazer tudo para o produto ser cada vez mais barato.
Se você chegou até aqui, você, com certeza, já absorveu muita informação sobre como é a cadeia produtiva na lógica fast fashion e já deve estar pensando: “o que eu posso fazer?”.
O que podemos fazer é parar de pensar na moda como um sinônimo para o consumo. A moda também não se limita a roupas. A moda é um estilo de vida que expressa a particularidade dos indivíduos para o mundo e pode ser expressada através do jeito de se vestir.
Ao assumir a moda como um estilo de vida, devemos pensar também na diversidade da vida no planeta, abraçando a moda de um viés mais devagar.
O Slow fashion vem em contrapartida ao fast fashion, trazendo diferentes perspectivas ao consumo de roupa, desde peças biodegradáveis, com algodão orgânico, roupas recicladas e até mesmo os brechós e bazares que fazem as peças circularem por mais tempo e impedem que sejam jogadas no lixo.
Peço que pense no seu vestuário como você pensa sua comida, valorize o local, rejeite os sintéticos, diga não aos transgênicos e não desperdice!
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FONTES:
https://ehjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12940-018-0433-7
https://ejesam.ufsc.br/fast-fashion-x-slow-fashion/
http://www2.eca.usp.br/moda/monografias/Julia.pdf
https://www.canalrural.com.br/noticias/curiosidades-que-voce-precisa-saber-sobre-algodao-68417/