Acredite, o mundo precisa [muito!] de nutricionistas
Este texto foi elaborado em coautoria com minha colega, Tatita Donatti, para o discurso da cerimônia de formatura das egressas na Unisinos em 18 de Julho de 2015. Gratidão memorar essas palavras que seguem ecoando na minha prática profissional. Já nos pediram tantas vezes esse texto e, por acaso, o encontrei na bagunça digital do meus documentos. Resolvi compartilhar em comemoração aos 3 anos dessa comemoração. Se for o caso, que inspire outras colegas também. Espero que apreciem!
Como refletir em palavras os múltiplos sentimentos gerados nesse dia? Como falar por 32 pessoas tão diferentes entre si em apenas cinco minutos? Infelizmente, foi este o tempo que nos deram para expressar a caminhada longa de 5, 7, 10 ou até 18 anos de formação. E por falar em Tempo, este é uma dimensão cretina: o que parecerá segundos para nós que estamos aqui em cima será um caminhão de horas para muitos da plateia. Inevitável, esses contrapontos. Bem, hoje nesta cerimônia fazemos um acordo contigo, tempo. Um acordo com as memórias, com o acúmulo de vivências e aprendizagens que nos construíram e deram forma e cor as nossas formações e vidas.
Enfim chegou o dia 18 de Julho! Segunda-feira, temos duas certezas: a primeira é que precisamos de um emprego (e logo!), e a segunda é que, antes de receber um bom dia, as pessoas irão nos pedir uma dieta. Na verdade já pedem, desde que informamos: “passei no vestibular, vou cursar Nutrição!”. Por falar em perguntas, vamos retomar algumas corriqueiras:
“Estou fazendo minha lista de compras, vi uns alimentos novos no Globo Repórter, que tu acha?”; “Vou começar a treinar na academia, qual a melhor marca de Whey?”; Óleo de côco é bom? E Chia? Posso tomar shake?”; “Então… você estuda nutricionismo?”
Apesar dessas e outras perguntas que nos tiram a vontade de viver, temos certeza que esta turma de nutricionistas fará a diferença. Seremos profissionais que se importam com o ser humano e com os fatores que o rodeiam, afinal somos muito mais que quilocalorias por quilo de peso. Somos aquelas que levantam a bandeira de que a Nutrição precisa alçar voos mais altos:
Precisa se articular mais com outros campos de conhecimento; precisa se aventurar a desbravar novos caminhos e realizar novas descobertas. Somos uma turma que reconhece o acúmulo e produção realizados até aqui, sabe o peso de responsabilidade que um jaleco pode trazer. Mas acima de tudo, que quer se aventura a ter outros apetrechos como seu Equipamento de Proteção Individual: microscópios, pipetas e reagentes químicos… entrevistas domiciliares, questionários intermináveis, SPSS… chapéu para proteger do sol, sementes crioulas para começar uma horta.
Os restaurantes seguirão precisando de nós; os hospitais nem se falem. Conquistamos espaços enquanto categoria, destes não recuaremos, exerceremos nosso trabalho com excelência onde quer que estejamos. Nenhum passo atrás, a Nutrição é uma ciência linda em crescente expansão e cabe a nós, com ética e senso político seguir nesses avanços evidenciando a importância que temos e valorizando as articulações que podemos realizar.
Somos bolsistas do PROUNI ou do FIES, somos estudantes, trabalhadoras e estudantes-trabalhadoras que vivenciam as dificuldades de um sistema falido que insiste em afirmar que seus métodos funcionam. É este sistema que em nome do Kapital impulsiona a utilização de agrotóxicos na produção agrícola e seus monocultivos; que potencializa os vícios de consumo dos ultra-processados; que cega muitos que buscam em cápsulas e dietas milagrosas o perfeito corpo socialmente aceito. Colegas, não se deixem enganar, este sistema traz falsas verdades maquiadas com muito açúcar e gordura trans! Uma maquiagem que produz câncer, diabetes, hipertensão, obesidade e fomes.
Fome de vida, fome de saúde, fome de respeito e acolhimento. A sociedade tem fome… muita fome de comida mas também de algo mais. A humanidade está hipertensa de estresse, violência e medo; Está obesa de intolerância e fragmentação, em tudo isso não nos admiremos que venham os cânceres de preconceito e discriminação. Vivemos tempos de doença e a nossa constatação é: o mundo precisa de nutricionistas.
Claro, quem deveria conhecer os meandros do alimento? Suas características organolépticas e manejos dietéticos? Quem saberia propor um plano alimentar que respeite as diversidades culturais, os valores simbólicos e os ritos relacionados em uma refeição? Quem reconheceria que sentar a mesa é um ato político, social e cultural? Quem poderia afirmar que alimento é base para o corpo, complemento para a alma? Que é matéria viva que incorpora e deixa-se incorporar mostrando que é na pluralidade e na relação que se preparam os melhores manjares?
O mundo precisa de nutricionistas! Daquelas que digam: “Paaaaaarem! Mastiguem devagar, aproveitem o momento.”; Daquelas que vão te incentivar a procurar um educador físico para fugir do sedentarismo ou a feira do seu bairro para adquirir orgânicos. O mundo precisa de nutricionistas cidadãs que vão passar mais do que dez minutos num leito de hospital e irão ouvir histórias que vão além das respostas sobre a consistência das fezes e consumo diário de alimentos.
Neste dia de imensa alegria, nós visualizamos em cada semblante neste palco a materialidade de sonhos e conquistas que vem ao encontro do que compartilhamos até aqui. Foram muitas mensalidades, provas, trabalhos, sorteios para ver quem seria a única componente do grupo a apresentar o trabalho, troca de provas e estudos de casos (quando os professores nos devolviam). Alguns graus C’s, só pra dar uma emoção! Cervejas no Rapach, panquecas no Alemão, confraternizações nas aulas, visitas técnicas, algumas polêmicas nas reuniões, afinal, 32 mulheres tentando entrar em acordo, não é uma tarefa fácil.
Sentiremos saudades destes dias. Temos a certeza que este não é o fim, estamos apenas começando!