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Dia 22 de abril é uma data especial, pois é comemorado o dia da Terra, dia do suposto “descobrimento” do Brasil e Dia da Mandioca. São datas que significam tanto para a nossa história e talvez a mandioca representa muito sobre as nossas vidas aqui na terra, e, por isso, hoje trazemos esse conteúdo especial.

A mandioca está na nossa mesa há mais de 500 anos de Brasil. Embora os europeus tenham catalogado a planta quando chegaram nas terras americanas, a Mandioca é ancestral, é sabedoria da floresta amazônica, resiste e alimenta nossa nação até hoje. Uma raiz venenosa que, através da tecnologia indígena foi amansada (ou talvez os indígenas amansados por ela), ao longo dos anos, vimos os usos da mandioca e seus derivados se expandirem conforme o império brasileiro descia ao sul, e com isso, cada região adaptou o cultivo e uso culinário da mandioca às suas regiões.

No norte e nordeste os beijus, farinhas, e gomas são alimentos diários e compõem praticamente todas as refeições do dia. Desde a mandioca cozida, ao beiju e o açaí com tapioca ou farinha d’água.

Macaxeira também conhecida como Mandioca brava é a variedade mais comum ao norte – variedade essa que é venenosa e precisa ser utilizada com técnica, mas nos presenteia com o Caldo de Tucupi. A mandioca brava normalmente é usada na indústria para fazer farinhas, por conta do ácido cianídrico ela não pode ser consumida crua ou cozida sem processamento. 

Já a Mandioca Doce, é nomeada como Mandioca ou Aipim, é cultivada principalmente no sudeste e sul do Brasil, onde a farinha de mandioca, o aipim cozido e o sagu se fazem mais presentes.

Se fossemos listar cada receita com aipim não iríamos parar nunca, de tão abundante que essa planta é. Da planta in natura até seus subprodutos temos inúmeros itens que são usados na culinária e nas indústrias têxtil, farmacêutica e química, onde o amido de mandioca serve de matéria prima para inúmeros produtos como plásticos biodegradáveis.

Quando nos deliciamos com os usos da mandioca na nossa culinária, cada regionalidade vai falar por si. Eu, enquanto moradora do sul do Brasil, aprendi a comer mandioca ou aipim cozido servido com molho de carne, e as sobras fritas em óleo quente. Uma das sobremesas mais comuns aqui é o Sagu de Vinho, que embora seja uma tradição da colonização italiana, nada mais é do que pérolas de amido de mandioca cozidas no vinho ou suco de uva. Minha mãe prepara um ótimo sagu de laranja e meu pai ama Vaca Atolada, um típico prato da culinária tropeira feita costela bovina e aipim.

A farinha de mandioca crua ou torrada é um item essencial num churrasco aqui no Sul para preparar nossa amada farofa, que no Nordeste é consumida acompanhando qualquer refeição.

Na verdade, o que me inspirou a produzir este texto foi perceber que eu mesma ainda sei muito pouco sobre os usos da mandioca na nossa culinária, além do senso comum. Em 2020, durante a pandemia, aprendi a fazer Púba, que é a massa da mandioca fermentada.

É do processo de fermentação da mandioca que é feito os polvilhos (doce e azedo), assim como a goma de tapioca, a fécula de mandioca, e outras farinhas que utilizamos no dia a dia. Meu primeiro contato com a puba foi com a Ale Nahra (nossa amiga agricultora urbana). Nas suas redes sociais, Ale compartilhou o processo de fermentar a mandioca, que depois pode ser utilizada de várias maneiras como preparar bolos, pães, doces, a própria tapioca, entre outras iguarias. Lembrando que os processos de fermentação são ótimas estratégias de armazenamento de alimentos.

A primeira vez que fui reproduzir a técnica de pubar a mandioca, tive uma surpresa: minha mãe ao me ver preparando a mandioca lembrou que minha avó fazia da mesma maneira quando morava no campo, e assim fazia polvilho artesanalmente para fazer pães, bolos e bolachas. Foi uma emoção tremenda, tanto minha, quanto da minha mãe. Ela, por ter a memória viva da mãe dela, e eu, por estar aprendendo um saber ancestral.

Pesquisando sobre a puba fiz meu primeiro bolo de carimã, receita da querida Sandra Guimarães do blog Papacapim. Carimã é como é chamada a goma de mandioca fermentada, também conhecida como púba ou mandioca pubada. Além disso, Neide Rigo nos dá uma aula sobre os usos e farinhas de mandioca que vale a pena conferir.

Mil e uma possibilidades da Mandioca na Culinária

Mandioca in natura

É o alimento fresco, recém colhido. Da mandioca fresca podemos aproveitar a entrecasca, que pode ser usada de várias formas. Eu já preparei frita em imersão, na Air Fryer, fiz farofa, e cozida com molho vermelho. A raíz, que tem variedades brancas e outras em tons amarelados, podemos preparar cozida, assada, como purê, bolinhos salgados, e é matéria prima para outras formas de preparo.

Folhas da Mandioca

Cm as folhas da mandioca é feito um prato tradicional da culinária amazônica: a Maniçoba – feita com as folhas de maniva e carne de porco. Como um ensopado, as folhas de mandioca são cozidas lentamente, por mais de um dia e depois cozida com legumes, carne de porco e temperos. Apelidado de feijoada sem feijão, normalmente acompanhada de arroz e farinha d’água.

Goma de mandioca fresca

A goma é feita a partir da mandioca ralada ou processada, dessa fibra são feitos bolos, pães e biscoitos. No processo de manufatura é extraído o Tucupi, que é o caldo fermentado, muito usado na culinária amazônica. Além do Tucupi, da sedimentação do caldo o que se forma, temos o amido de mandioca, que também é conhecido como polvilho doce, goma seca, fécula de mandioca ou tapioca, e a farinha de mandioca seca ou torrada.

Tucupi

É o caldo fermentado da mandioca, uma tradição amazônica. Ele é extraído artesanalmente com o tipiti, uma tecnologia indígena. Feito de palha, o tipiti espreme a mandioca ralada para obter o caldo amarelo, que depois é fermentado por dias. Um dos pratos clássicos da culinária paraense é o Tacacá, feito com o tucupi, camarão e jambu.

Massa Fermentada, Massa Púba, Farinha de Carimã, Farinha D’Água

No processo de fermentação da mandioca ela é descascada, cortada em pedaços e deixada de molho em água por pelo menos 7 dias. O tempo de fermentação dependerá da temperatura ambiente e assim que ela estiver macia pode ser ralada numa peneira. Assim, pode formar uma farinha úmida que pode ser usada para fazer beijus, bolo de carimã, mingaus entre outras preparações. O caldo que sobra desse processo também se torna Tucupi, e o amido seco é o polvilho azedo.

Não só  as comunidades indígenas, mas também as comunidades de terreiro e comunidades quilombolas têm um papel importantíssimo na manutenção dos saberes tradicionais na fabricação de farinhas e beijus. No nordeste, por exemplo, a mandioca deu vida às paçocas, aos beijus, bobós, pirões e várias preparações da culinária afro-diaspórica. Na África, a mandioca também se faz presente, e com nossos ancestrais aprendemos a utilizá-la de várias maneiras, preparando muitas delícias. Deixo também como referência o trabalho da Chef Solange Borges (@culinariadeterreiro) com uma live muito bacana “Mulheres Solares apresentam: ‘A Farinha, a Casa e os Saberes” falando sobre o trabalho das Mulheres Solares e sua Casa de Farinha no interior da Bahia. 

Agora que você sabe tudo sobre a mandioca, aproveite para experimentar jeitos novos e farinhas diferentes! Mandioca é nossa mãe, o alimento presente na mesa de todos os brasileiros em todos os cantos do país, por isso sua importância histórica, cultural e soberana.

Texto por Natália Escouto

Saiba mais em:

Embrapa. Cultivares de Mandioca da Embrapa. Disponível em https://www.embrapa.br/cultivar/mandioca 

Maranhão R., Bastos S. Marchi M. Cultura e Sociedade no Sistema Culinário da Mandioca no Brasil. SOCIAIS E HUMANAS, SANTA MARIA, v. 28, n. 02, mai/ago 2015, p. 54 – 6 Disponível em https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/16893/pdf 

Menezes S. Sabores da Mandioca: A tradição do consumo das iguarias no Estado de Sergipe.  Ponta de Lança, São Cristóvão, v.6, n. 12 abr. 2013- out 2013

Rigo N. Da mandioca à tapioca e ao polvilho. Blog Come-se. Disponível em https://come-se.blogspot.com/2007/12/da-mandioca-tapioca-e-ao-polvilho.html

Rigo N. Da Mandioca aos seus produtos – carimã ou puba, polvilho, farinha de raspa ou cassava flour. Blog Come-se. Disponível em https://come-se.blogspot.com/2019/02/da-mandioca-aos-seus-produtos-carima-ou.html

Rigo N. Farinha de raspa de mandioca pode substituir o trigo em vários pratos. Fácil de fazer! Blog Come-se. Disponível em https://come-se.blogspot.com/2017/01/farinha-de-raspa-de-mandioca-pode.html 

Guimarães. S. Bolo de Carimã com goiabada. Blog Papacapim. Disponível em http://www.papacapim.org/2021/01/04/bolo-de-carima-com-goiabada/

Receita Maniçoba. Blog Paladar Estadão. Disponível em https://paladar.estadao.com.br/receitas/manicoba,10000084492

Farinha de Mandioca | Tipos de Farinha de Mandioca Site Cozinha Técnica. Disponível em https://www.cozinhatecnica.com/2021/05/farinha-de-mandioca-tipos-de-farinha-de-mandioca/