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Por Kellen Vieira

Ao seguir mais ao norte do país existe uma árvore que dá tanto dinheiro que chegou a ser sequestrada para outros locais do mundo para um consumo predatório. Apesar disso, sabemos muito bem onde ficam suas raízes. Através de indígenas e extrativistas , a Hevea brasiliensis, sempre teve importância para a cultura local e é popularmente conhecida como “árvore de borracha”, e não é porque ela é maleável não, mas porque através dela se faz a borracha: Hoje, vamos falar da seringueira.

A seringueira é uma árvore tropical pertencente à floresta Amazônica e possui mais de 11 espécies. De sua seiva se extrai o látex, matéria prima da borracha. Este, por sua vez, já era extraído a muitos anos pelas populações indígenas antes mesmo da invasão da América.

Desde meados do século XIX, a região amazônica foi explorada pelo cultivo de seringueira e extração do látex, sendo esse um grande colaborador do desenvolvimento econômico da região, contribuindo para o desenvolvimento das populações locais. 

O ciclo da borracha no Brasil se encerrou através do roubo das sementes de seringueira, que foram levadas para Londres, dando início às pesquisas com a modificação e adaptação da árvore fora do Brasil. Configurando assim, um dos primeiros e maiores casos de biopirataria do mundo.

Atualmente, existem plantações de seringueira nas regiões dos trópicos e subtrópicos, especialmente no sudeste da Ásia e na África ocidental. No Brasil, a maior parte da produção de látex passou a ser realizada no estado de São Paulo, principalmente no noroeste paulista, na região de São José do Rio Preto. Contudo, isso não diminui nem a produção e nem o impacto econômico e social dos seringueiros nativos da Amazônia.

O Látex

Matéria-prima da borracha e outros materiais, o látex natural nada mais é do que a seiva da seringueira. Tradicionalmente retirada de vincos talhados na casca da árvore. Com o avanço nos estudos sobre este material conseguimos aprimorar diversos processos de beneficiamento para tornar o látex mais resistente.

A vulcanização é um dos exemplos mais conhecidos para aumentar a resistência e durabilidade do látex, uma vez que a borracha de látex natural não suporta altas intempéries sem se degradar. O processo de vulcanização, que implica em adicionar enxofre ao látex, foi descoberto incidentalmente em 1839 por Charles Goodyear, e é o método que permite, por exemplo, a fabricação de borrachas utilizadas nas câmaras de pneus. Este processo ampliou a utilização do Látex na indústria, sendo utilizado desde a produção de calçados até apagadores.

Sustentabilidade

Diferente da borracha sintética, que é produzida a partir do petróleo, a borracha natural é mais resistente, mais elástica e tem alta qualidade. Atualmente, o Brasil conta com mais de 40 mil produtos que utilizam o látex como matéria prima, como: pneus, acessórios, calçados, luvas, seringas, preservativos… enfim a lista é grande.

Outro ponto positivo da utilização da borracha natural é a “pegada ecológica”, uma vez que a produção de CO² na produção de borracha sintética chega a ser equivalente a 17 vezes o volume da produção de CO² da borracha natural.

E quando consideramos o impacto dos seringais na absorção do CO², a poluição na produção da borracha natural chega ser nula. Além disso, a energia utilizada para a produção da borracha natural também é bem menor.

No entanto, apesar da produção, aparentemente, ser amiga da natureza, não podemos deixar de falar sobre a monocultura no cultivo de seringueiras, que utilizam agrotóxicos e demais aditivos químicos poluindo a água e o solo, causando diversos danos ao meio ambiente. Nesse sentido, para considerar uma produção de borracha sustentável, ela precisa estar relacionada ao extrativismo.

Extrativismo, ativismo e História

O processo de exploração do látex e do extrativismo seringueiro está muito além de uma simples produção comercial. Em virtude do contato e vivência na floresta, os seringueiros também assumem o papel de fiscalizar e prevenir desmatamentos: sem floresta não há seringueira.

Um dos precursores e mais falados nomes nessa luta dos seringueiros pela manutenção da floresta é o Chico Mendes – nascido e criado na cultura extrativista, Chico foi uma liderança na organização dos seringueiros na década de 80.

Nesse período, uma prática muito comum era a troca de látex por produtos industrializados, em vez de uma remuneração adequada pelo trabalho, o que causava diversos conflitos e miséria na região. Contra esse abuso, começou a surgir o movimento dos seringueiros, os quais Chico Mendes sempre esteve atuante, até assumir a liderança e ser assassinado de forma brutal, em 1988, a mando de Darly Alves – grileiro de terras com história de violência em vários lugares do Brasil.

A luta de Chico Mendes e dos seringueiros, não era limitada apenas a condições melhores de trabalho ou salário digno, eles também entravam em conflito com aqueles que queriam destruir a floresta, quebrando motosserras e o que mais fosse preciso.

Essa luta não acabou e nem morreu com Chico, o movimento dos seringueiros ainda é vivo e inspira muitas pessoas, como por exemplo a carioca Bia Saldanha, uma das precursoras do “couro vegetal”, um material de origem no látex e que compõe uma alternativa à exploração animal.

Inspirada pelo legado de Chico, a estilista e ambientalista Bia Saldanha decidiu se mudar do Rio de Janeiro para o Acre após o assassinato do ativista, em 1988, e continuar o trabalho iniciado por ele. Bia se uniu aos seringueiros na busca de novas aplicações e alternativas de mercado para a borracha nativa. Começava então o trabalho do “couro vegetal” (como ficou conhecido popularmente na região), um material emborrachado, inspirado no artesanato tradicional que já era desenvolvido por lá, transformado por ela em matéria-prima para a indústria da moda, usado na fabricação de bolsas e acessórios, como uma alternativa ecológica ao couro animal. “É essencial provar que o manejo sustentável através do extrativismo é possível”, diz ela.

Com todo esse contexto histórico, econômico e social, é possível perceber que, a partir de uma única árvore podemos ver riqueza, dinheiro, histórias e lutas. As árvores se conectam diretamente com a terra e de lá tiramos o nosso alimento, sustento, insumos e casas. Elas são essenciais para a sobrevivência enquanto raça humana e de todos os outros seres com os quais dividimos o planeta. Uma árvore não é só uma árvore. 

A seringueira é o dinheiro que dá em árvore mas, para além da simples moeda, ela também é cultura, é tradição, é segurança e soberania alimentar e nutricional de diversas comunidades.

Seringueira é a riqueza que “dá em árvore”, e ela encerra a nossa jornada pelo Brasil em torno das árvores nativas que ajudaram a moldar a nossa economia, história e cultura, e seguem gerando renda com potencial ecológico.

Fontes:

Borracha Brasileira | Seringueira causa danos ao meio ambiente?
http://borrachanatural.agr.br/cms/index.php?option=com_content&task=view&id=573&Itemid=9

Vogue | Látex de seringueiras da Amazônia geram renda para quem vive na floresta
https://vogue.globo.com/moda/noticia/2021/03/dia-da-floresta-latex-de-seringueiras-da-amazonia-geram-renda-para-quem-vive-na-floresta.html

SciELO | Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas
https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/9hyLqvGyMWs9xBy5b8QMvVh/?lang=pt

Memorial Chico Mendes
http://www.memorialchicomendes.org/chico-mendes

IAC | Centro de Seringueira e Sistemas Agroflorestais
https://www.iac.sp.gov.br/areasdepesquisa/seringueira/importancia.php

Deutsche Welle (DW) | Borracha natural causa menos impacto ao meio ambiente
https://www.dw.com/pt-br/borracha-natural-causa-menos-impacto-ao-meio-ambiente/a-16279621#:~:text=Mat%C3%A9ria%2Dprima%20extra%C3%ADda%20da%20seringueira,vers%C3%A3o%20sint%C3%A9tica%20derivada%20do%20petr%C3%B3leo.&text=Na%20floresta%20peruana%2C%20como%20mostrou,forma%20de%20aumentar%20sua%20renda

Embrapa | Biotecnologia
https://www.embrapa.br/contando-ciencia/biotecnologia/-/asset_publisher/wNet9XcMlLFn/content/seringueira/1355746?inheritRedirect=false

IstoÉ | O homem que roubou a borracha do Brasil
https://istoe.com.br/154500_O+HOMEM+QUE+ROUBOU+A+BORRACHA+DO+BRASIL/

Ministério da Ciência | Seringueira, a planta que sustentou uma região
https://www.museu-goeldi.br/noticias/seringueira-a-planta-que-sustentou-uma-regiao-1

Prepara Enem | A vulcanização da borracha
https://www.preparaenem.com/quimica/vulcanizacao-borracha.htm

Roda da Moda | Bia Saldanha (parte 1 e 2)
https://www.youtube.com/watch?v=FMsa2kWlfnM
https://www.youtube.com/watch?v=SU8rBrb9zww

Rio Ethical Fashion | Bia Saldanha
https://www.rioethicalfashion.com/biasaldanha