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Por Kellen Vieira

No dia 31 de março de 1964 foi o início de um dos piores momentos históricos do Brasil. A ditadura militar brasileira foi uma das ditaduras que durou mais tempo na América Latina, e foi um período de terror, marcado por censura e violência. A ditadura também foi o período do suposto “milagre econômico” que levou o Brasil à falência a partir da década de 70. E tudo teve início com a questão da reforma agrária.

Ao assumir o poder após a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart colocou a reforma agrária no centro do embate político brasileiro. A reforma era mais do que esperada, segundo dados do IBGE da época dos 79,8 milhões de brasileiros, 33 milhões viviam em área rural, em situações de extrema pobreza. Mesmo com uma grande população rural, a produção agrícola era escassa e os latifúndios inúmeros. Importante salientar que esses latifúndios em sua maioria eram improdutivos.

O movimento a favor da reforma agrária era orquestrado pelas Ligas Camponesas e pelo Partido Comunista Brasileira (PCB). Em contrapartida os grandes proprietários de terras, que se opunham à reforma, eram parlamentares.

Mesmo com a tomada de poder pelos militares, a pressão camponesa pela reforma agrária induziu o presidente da época, General Castelo branco a assinar o Estatuto da Terra (Lei Nº 4.504/64) em 30 de novembro de 1964, vigente até hoje. De modo geral, a ditadura foi a principal responsável por estancar o movimento da reforma agrária nos anos 60 e 70, com uma reforma que está apenas no papel.

Em teoria o Estatuto da Terra pensa a estrutura agrária brasileira de acordo com as necessidades econômicas e sociais. É importante enfatizar que a reforma agrária está diretamente ligada ao acesso e produção da alimentação, sendo assim um dos pontos estratégicos para a garantia da Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional para toda a população.

Mesmo passados 57 anos o estatuto ainda não cumpriu seu papel em totalidade apesar de alguns avanços pontuais como: a indenização por desapropriação de terras, a legalização das relações trabalhistas no campo, a apropriação sustentável dos recursos naturais para produção, entre outros. O Estatuto também criou dois órgãos para sua execução: o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária e o Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário.

As limitações em torno dessa lei são expressivas, pois os dispositivos de desenvolvimento agrícola que são dominados por uma política conservadora que não possibilita uma reforma agrária abrangente. Com a constante reeleição de famílias que são latifundiárias, que integram a bancada ruralista, também chamada de Bancada BBB ( bala, boi e bíblia) que usam a máquina pública em favor de seus interesses, a reforma agrária vai se estendendo como um sonho cada vez mais distante.

E, apesar da volta da força do movimento agrícola como o MST na década de 80 esse impasse da reforma agrária persiste até hoje, assim como os conflitos sangrentos e perversos no campo que são motivados essencialmente pelos problemas sociais e abuso de poder dos latifundiários, e coronelistas brasileiros.

O período também foi marcado por um grande, e falso crescimento econômico, que deu início ao aumento da desigualdade no país, ao mesmo tempo que fazia o Brasil atingir níveis de inflação acima de 60% ao ano. Com a estratégia econômica do dito “arrocho salarial” para conter a crise, os salários tinham reajustes abaixo dos níveis de inflação, o que deu certo por um tempo. Porém em 1980, nós tivemos a chamada “década perdida”, e essa situação se estendeu até a implementação do plano real, em 1994.

Com a variação diária da inflação, os preços dos alimentos, e outros itens, eram alterados diariamente, e até mais de uma vez por dia. Como estratégia para lidar com essa instabilidade, os brasileiros passaram a fazer todas as suas compras uma vez por mês. Dessa forma, era possível fugir do aumento de preço do dia seguinte e garantir o acesso à alimentação. Esta época foi tão marcante que incorporamos esta medida em hábitos culturais e ela perdura até hoje.

Porém o resultado disso após a estabilização da economia é um consumo exagerado que resulta em um desperdício, por brasileiro, de aproximadamente meio quilo de alimentos por dia, o que equivale a 10% de todo desperdício de alimentos no Brasil, segundo a organização banco de alimentos. Nesse estudo foi constatado que “na colheita, o desperdício é de 10%. Durante o transporte e armazenamento, a cifra é de 30%. No comércio e no varejo, a perda é de 50%”. O resultado disso é que o Brasil é um dos 10 países que mais desperdiçam alimentos no mundo. Esse desperdício está combinado com um alto nível de pobreza e insegurança alimentar.

A ditadura foi um marco da história brasileira que retrata um passado sangrento e que deixou marcas irreparáveis na sociedade. Ver isso sendo comemorado em plenário, ou por pessoas com o pretexto do crescimento econômico e combate a corrupção é infundado e mentiroso, pois como vimos, os políticos continuaram governando esse país com ainda mais liberdades e interferências na vida das pessoas. E mesmo que esse discurso fosse verdadeiro, as atrocidades cometidas e a privação da liberdade não devem ser colocadas à prova em favorecimento ao capital.

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FONTES:

– https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45960213
– https://www.brasildefato.com.br/2019/11/30/lei-da-ditadura-que-estabeleceu-funcao-social-da-propriedade-completa-55-anos
– http://lemad.fflch.usp.br/node/5280
– https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/03/24/1964-pouco-antes-do-golpe-reforma-agraria-esteve-no-centro-dos-debates-no-senado
– https://www.ocomuniqueiro.com.br/2018/09/09/por-que-fazemos-a-compra-do-mes-no-supermercado/
– https://www.ecycle.com.br/3007-desperdicio-de-alimentos.html